Carta- Apresentação: “Para começar a tecer o Filé” *

        Caríssima (o) s, é bom vê-la(o)s por aqui.

Como vocês estão? 

Escrevemos essa carta a vocês com muitas perguntas e a fim de estabelecermos um diálogo sobre todos nós. Certamente alguns de vocês dirão: Uma carta? Sim, uma carta online. É uma tentativa de chegar mais perto de todos, rapidamente. 

Temos há algum tempo pensando sobre crítica. Andamos tecendo algumas palavras sobre o que vemos e sobre como as obras em Artes Cênicas chegam até nós. O que nos faz pensar em tantas coisas, sobre nós que fazemos e consumimos arte, sobre como chegará ao outro o que escrevemos, sobre o que pensar quando escrevemos uma crítica. E essa última pergunta em nós permanece, e muitas outras:

O que pensamos quando escrevemos uma crítica?
O quanto justo com o que estamos recebendo podemos ser? 
O quanto daquilo que escrevemos é necessário para aquele que vai ler? 
Como tecer nossas palavras a fim de colocar o que queremos dizer? 
Como dizer algo de uma criação? 

E que essas perguntas não nos façam voltar para o corriqueiro questionamento tão comum no nosso cotidiano: Mas, existe teatro em Maceió? 

Por aqui nós sabemos que os artistas existem, as pesquisas existem, o profissionalismo existe e a entrega existe. 

E ao tentar entender por que escrevemos sobre algo ou no que pensamos, tentamos responder que pensamos no outro, quando o fazemos. Pensamos na obra, no que vemos, como isso nos atravessou e nos trouxe vida.

É para manter as perguntas e trazer diálogos e escutas que escrevemos. Para termos mais vozes. E com a crítica estamos aqui para reafirmar esse local de existência, neste pequeno recorte do efêmero, porque é ela também uma forma de registro. E Registro é uma comprovação do momento histórico vivido. É nesse contexto que está a crítica como espaço de registro e memória de um tempo. Feito pelos olhos de quem a vê e pensa e faz arte em Alagoas.

Escolhemos nesse coletivo, nos debruçar sobre a crítica, poderíamos optar por outras formas de pesquisa das nossas artes. Escolhemos a crítica como registro, como propagação de um pensamento, como contraponto de um pensamento, como uma atitude política, como estudo sobre nossas obras.
Por isso te escrevemos essa carta, para que você junto conosco troque, busque dialogar sobre essas questões que nos aparecem no olhar.

Provavelmente sua professora do fundamental da disciplina de português te ensinou a fazer uma carta. E explicou o que era imprescindível para que a carta acontecesse: um emissor (remetente) e um receptor (destinatário), e a crítica consegue ser receptora e destinatária na mesma intensidade. A crítica teatral só existe se o espetáculo teatral existe, como um tipo de espelho que é delimitado somente num recorte da arquitetura da casa, o olhar do crítico apesar de ser um reflexo, é também uns recortes sobre a montagem teatral, recorte esse que contêm suas ideias, vivências, estudos e que o ajudam a falar sobre a sua experiência de ver a obra. 

Partindo desse lugar é necessário que se diga que dificilmente uma crítica vai ser autônoma ou muito menos virtual, esse crítico terá que ser público, rir, sofrer, chorar, achar as palavras certas para alguma eventual contrariedade vista. Ele precisa receber a tal carta pessoalmente. E ao chegar no correio: Todas as partes da estrutura física estão rígidas, evita-se comer muito próximo ao acontecimento e torce para que cada parte do seu corpo tenha pleno funcionamento até a hora final. Ele tenta incorporar-se na massa que se mantém eufórica, ou não, e como um médico numa consulta diagnosticar uma possível razão para aquele sintoma. Após o recebimento acontece agora a troca de funções, e é ela (a crítica) que desta vez envia uma carta, e esta como todas as coisas traduzidas em palavras pode ter inúmeras interpretações, e tratando a crítica como um espelho o remetente pode desejar encontrar seu reflexo narcisista de mais profunda beleza e se deparar com algo inesperado, mas nunca se deve esquecer que esse é apenas um recorte, um olhar. E o crítico permanece torcendo para que cada palavra maturada e posta a prova contenha a dose certa de indispensabilidade. 

É sobre isso que queremos dizer nessa carta, para que juntos possamos expandir esses olhares e diálogos, avançar território. 

Você que é sujeito de uma criação, me diga: Você sente vontade de receber a palavra do outro? 
Todo sujeito que se coloca em cena é sujeito de interesse da crítica, mesmo que esse não tenha interesse nela. Colocar algo em cena é muito mais que esperar aplausos e aprovação dos amigos, público e familiares. É ou deveria ser, uma necessidade de contar/falar/dançar/fazer rir/pensar sobre algo. Se esse grupo/artistas sentem vontade de falar sobre algum tema que os incomodam e abrir com essa obra um diálogo com o público, é óbvio que esse público irá respondê-lo, mesmo que não seja diretamente e que fique apenas entre seus círculos de amizades ao tecer comentários sobre aquilo que viu. Instaura-se aí uma atitude crítica?  

 A atitude crítica é justamente a oposição ao que ali se instaurou. Oposição no sentido de ampliar a visão sobre aquela obra, não necessariamente referendando o que é certo ou errado, bom ou ruim, mas ir ao ponto de ampliar os olhares sobre aquilo que se mostra e trazer com isso o olhar de quem viu a obra, documentando uma experiência sobre o efêmero da obra apresentada, tal qual como essa apresentação. 

O escrito é único como o que foi vivido pela experiência de quem viu.

O que queremos dizer é que nossa vontade crítica é muito mais política do que polícia, como descreve Daniele Ávila Small. Não estamos aqui como quem diz o que é certo ou errado. Queremos escrever para com a linguagem criar registros, descobrir formas de falar sobre aquilo que vemos, descobrir principalmente formas de aproximar quem lê essa carta  da própria experiência de assistir pessoalmente.

Não é uma domesticação do pensamento, ou um juízo de valor que buscamos, enquanto coletivo. Não queremos dizer quem é bom ou ruim, mas muito mais que isso, queremos organizar, através da linguagem essa nossa experiência e olhar, atravessando através de cada palavra escrita um universo cercado por todas as referências que trazemos e que buscamos trazer para perto de nós, para assim, poder entender mais sobre o que é criado em nossas artes cênicas.

Essa carta-apresentação cheia de perguntas e ideias mostra o que reverbera em nós e o que estamos lendo, refletindo e pesquisando para somar com vocês, por isso a enviamos. É também uma busca constante de manter viva arte e aqueles que a fazem, tecendo palavras, rendendo registros e costurando com as palavras uma nova forma de ver, sentir e ler a arte. É também uma forma de resistir.

Deixamos a vocês caríssima (o)s um abraço forte. 
Esperamos que possamos continuar dialogando.
Ansiosa(o)s pelas respostas de vocês!
 Até breve!

Filé de Críticas.

Teceram à mão:
Bruno Alves
Elizandra Lucca
Jocianny Carvalho




* “O Bordado Filé é um trabalho artesanal típico e tradicional de Alagoas, é, antes de tudo, uma tradição passada de geração a geração e as artesãs que produzem essa arte são chamadas ”filezeiras”. Esse bordado é construído a partir de uma rede chamada malha, com espaçamento pequeno que serve de suporte para o bordado.” 

Vem do ato de tecer com as mãos o nome e a homenagem desse coletivo de críticas, mãos essas que carregam histórias de gerações, que cultuam a beleza e são cheias de coragem e resistência. Mãos e vidas que nos inspiram a tecer.


Maceió, 19 de fevereiro de 2019.


“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...