CRÍTICA de "Baldroca" da Associação Teatral Joana Gajuru

Crítica de Baldroca *

Tessitura _ Lili Lucca

A rua e seu espaço democrático tem sido nesses dias o lugar dos transeuntes que veem na arte um lugar de comunhão. Teve início no último dia 17 de outubro a mostra de espetáculos do FESTAL – Festival de Artes Cênicas de Alagoas. Um festival que tem, na sua feitura, 13 grupos, 13 coletivos que se articularam há mais de 3 anos, buscando criar forças e dialogar com a cidade, propondo seus trabalhos e pesquisas. A arte se faz no encontro com o público, e, por acreditarmos que somos mais fortes juntos, a esses trazemos, nessa 4ª edição do FESTAL, a arte para a praça e para um itinerário que se alimenta nesses espaços avizinhados, tais como o Museu Théo Brandão, Espaço Cultural , Casa Jorge de Lima e a Praça Sinimbú.




O FESTAL traz nesse ano a exposição Fio da Memória, que busca desenhar uma linha histórica, trazendo registros dos grupos que fizeram e fazem a história das artes cênicas, a nossa arte que vem sendo registrada na memória afetiva de cada espectador, cotidianamente. O registro do teatro é no efêmero do encontro também. E a Praça Sinimbú, que já foi  recanto de um dos nossos maiores poetas, Jorge de Lima, fez palco para a Cia Joana Gajuru. Era fim de tarde de uma quarta-feira, luzes se acendiam para a abertura dos espetáculos, a arena circular se formava, as pessoas se aproximavam, algumas apenas passavam e aproximavam, de longe, o olhar, sentindo-se convidadas. Conversas, discussões políticas, abraços e até cantorias daqueles que iam chegando e aguardando o início da representação. 

A Associação Teatral Joana Gajuru, reestreia o espetáculo Baldroca, trazendo para a cena do teatro alagoano novos atores e atrizes e, assim, novas possibilidades de recontar essa história. O grupo, que completa 24 anos de história, reafirma seu objetivo de contribuir para o fomento da cultura e do imaginário popular, e a busca de cada vez mais promover a identificação junto ao público com a cena que se passa.

Eis que sobre o um círculo de sal grosso os atores e atrizes surgem perante nosso olhar, com cores da terra arenosa, clara, que também habita a praça. O teatro de rua confunde-se com a própria história da humanidade, é o ser humano na busca de dramatizar suas cenas cotidianas. E a Cia Joana Gajuru traz ao povo sua mais antiga forma de expressão. Baldroca se inicia em meio a cantoria, perfumes, folhas jogadas ao ar e dança circular, um festim para que o público esteja ali conosco. Uma FARSA, como foi dito pelos próprios artistas que a encenaram, a farsa que, no teatro, é tida também como a pimenta que alimenta e complementa o alimento cultural e sério da alta literatura. Baldroca é uma livre adaptação da Cia. Joana Gajuru, feita por Abides de Oliveira, que traz de forma encenada o conto “Corpo fechado”, de Guimarães Rosa, para rua e para o encontro com o povo, tal qual a arte se faz e refaz.



A narrativa de trapaça que Baldroca apresenta é, ao mesmo tempo, lúdica e real, traz personagens que conversam com o público, que se reconhecem a partir da história que contam. Uma baldroca, uma mentira, um conto e uma fofoca de personagens que vivem de forma singela. Uma mentira que não fere, não traduz “dor”. É uma mentira pra contar vantagens, para fingir ser quem não é. É como se o povoado da Laginha, onde a trama acontece, fosse o lugar de histórias incríveis e grandes aventuras, e tal mentira, contada pelo personagem Mané Fulô, não trouxesse nada além de encantamento e ensinasse que a coragem vem dos que são grandes por dentro. Assim como é o ator Reginaldo Meneses que, no desempenho de seu ofício, vem se mostrando desmedido para compor novas molduras. Essa Baldroca confeccionada pela Gajuru é algo que sempre habitou na literatura e na arte, pois que devemos estar todos atentos, uma vez que hoje grandes mentiras se tornam verdades descomunais que interferem diretamente na nossa vida. Uma baldroca encenada é um divertimento na arte; uma baldroca consolidada, na verdade, é um perigo para a vida. Atenção.

Em meio à contação feita por Mané Fulô, surgem curandeiros, ciganos, valentões, burrinhas, todos eles vivendo e evidenciando as histórias que são contadas pelo doutor da cidade. Laginha traz histórias de pessoas que estão sempre próximas umas das outras, essas histórias que são fantasias que, quando contadas de forma afetiva, viram historietas de um lugar, atraem turistas que buscam encantamento por simples fatos vividos. Tal qual todos nós, hoje tão atentos à imagem das vidas de outros pelas redes sociais, porém ansiosos da palavra e do contato com outros. Em meio a enganos e fraudes que vão sendo contados e vividos novamente por todos, nós, como se estivéssemos nas memórias de seu Mané Fulô, vamos acompanhando tudo de forma alegre, ativa, tal qual a turista paulista que vê histórias de vida, as quais, na realidade dela, quem sabe nunca fossem possíveis. Ela registra tudo por foto e escuta, estando atenta por mais informações, percorrendo as memórias e os lugares das histórias de Laginha e seu povo, como nós, seus aliados ali, acompanhando cada cena, registrando e interagindo a cada fato.

Eis que em meio a tanto acontecimento surge Maria das Dores, chega reparando em tudo e todos, ao trem que passa, aos que vêm de longe e de perto, à procura de se embelezar para falar de amor e lutar por ele, o seu amor, que está ameaçado por um valentão. O amor que hoje é tão banal a alguns é o que mantém Laginha unida e a torna um lugar de corajosos, de destemidos. A fala trazida e o enlevo da personagem construída por Ivana Iza, traz a frase que todos precisamos reconfortar: “Já estamos criando o amor”. E assim ela busca adjuntórios para que seu amor seja comemorado de forma valiosa. Pois o amor, aquele que ainda está em construção, é algo valioso, e só o amor vencerá a força do mal e da violência que o Valentão Targino emprega. E quantas de nós temos a força e a coragem de lutar contra os valentões em prol do amor? 



Baldroca, que traz uma história cheia de mentiras, também nos mostra que é preciso coragem diariamente para que essas histórias lúdicas e fantasiosas não passem a ser a nossa realidade. É preciso coragem, respeito a todas as fés, é preciso que nos escutemos em grandes narrativas, para que baldrocas sejam transformadas apenas em cenas. Situações que são contagiantes e de forma responsável, tal qual o espetáculo encenado pela Associação Teatral Joana Gajuru, que nos invade de lúdico e nos faz rir em meio à praça de personagens reais, e que brincam de ser, mas que, porém, evidenciam que sua maior vontade de ser sempre será na realização do amor.

Com direção de Lindolfo Amaral, com um elenco diverso e potente, Baldroca, em sua remontagem, traz uma encenação cheia de imagens potentes, sua dramaturgia é viva e traz conflitos que precisamos repensar e vivenciar, pela alegria do lúdico que nos traz consciência, em meio a músicas e cantorias. E queríamos mais cantorias, por elas serem um modo melódico e expressivo de melhor dizer o texto e desenrolar a fábula, logo, contribuindo para o ritmo pedinte da rua de mais gentes, mais ação seguida, como a própria rua, sem extensões e tempos muito dilatados. Baldroca é como o FESTAL, um resgate a memórias daqueles que compuseram aquela cena, como foi dito por Waneska Pimentel, assistente de direção do espetáculo, e que está na construção contínua dessas cenas desde suas origens. Reviver Baldroca é, de certa forma, catucar nossa memória efêmera nas cênicas, é relembrar e ovacionar aqueles que já compuseram essa cena. O sorriso largo do Vitor Rodrigues em cena e na vida; e a sapiência e sabedoria do Eris Maximiano, que hoje estão na memória e na história do teatro alagoano.  

É necessário estarmos juntos e fortes na resistência de entender as trapaças da cena, é necessário nos unificarmos cada vez mais. Sermos resistência como todo teatro e artista tem sido em anos. E o grupo Joana Gajuru, ao nos apresentar e nos colocar de novo perante Baldroca, reafirma e nos fortalece na história de sermos e continuarmos a resistir criando cenas e arte. A rua é o lugar do encontro corriqueiro, da troca de histórias cotidianas. Tal qual o teatro que se faz na troca com o público, vivemos e somos somente juntos. 


* A crítica foi construída durante o Festal 2018, capa do Caderno B da Gazeta de Alagoas no dia 23 de outubro de 2018, e republicada na Revista #Textão nº7.

Ficha Técnica

Direção – Lindolfo Amaral
Texto Original – João Guimarães Rosa
Adaptação – Abides Oliveira
Assistente de direção: Eris Maximiano e Waneska Pimentel
Preparação corporal: Glauber Xavier e Nani Moreno
Preparação vocal: Sabrina Pimentel
Direção musical: Tércio Smith
Letras das músicas: Abides de Oliveira
Percussão: O grupo
Cenário: Eris Maximiano e Marcelo Peres
Figurinos: Marcondes Lima e Felipe Quèrette
Execução de Figurinos: Maria Lima e Atelier Arlene Bulhões
Texturização de adereços: James Rodrigues e Marcelo Peres
Bonecos: Aquiles Escobar
Maquiagem: Eris Maximiano e Marcelo Peres
Material gráfico: Pedro Lucena e Fernando Coelho
Produção: Grupo
Elenco: Alex Walker, Waneska Pimentel, Cadu Moura, Ivana Iza, Ticiane Simões, Toni Edson, Matheus Marin e Reginaldo Meneses.

Fotos _ Jadir Pereira

CRÍTICA: "A Memória da Flor" _ Qual é o tom da vulnerabilidade?

Tessitura _ Bruno Alves

Foi durante a primeira edição do Festival de Artes Cênicas de Alagoas - FESTAL, em seu formato organizado e gerido por vários grupos e artistas, que estreou o primeiro espetáculo do Teatro da Poesia.

“A Memória da Flor”, antes interpretado por Jadir Pereira e Louryne Simões, nascia dentro de uma efervescência da cena alagoana, em um período no qual  artistas começavam através da construção do festival a unir forças para discutir e fomentar a cena alagoana. 

Em 2016, em meio a ruínas da falta de políticas culturais, de diálogo da classe, da falta de patrocínio para o festival, nascia um festival, nascia também com ele um espetáculo e um novo grupo na cena local.



A inspiração do espetáculo é a música homônima do cantor alagoano Júnior Almeida. Vemos ao assistir se desenhar o relacionamento de um casal através das cartas trocadas entre ambos. Ele (Tom) um homem perdido em seus próprios traumas e ela (Flora) uma cantora que decide não mais cantar(?).

Em 2019, o Teatro da Poesia, decide remontar o espetáculo. Dessa vez Jadir Pereira assume a direção e Jamerson Soares e Louryne Simões compõem o elenco. Jadir assume o desafio de dirigir um elenco potente e cheio de possibilidades. 

Há ganhos com a chegada de Jadir a direção. Em sua reestreia vemos ser melhor elaborada as cenas e a narrativa da história, no entanto, não existem grandes mudanças ou desconstruções. Jamerson Soares assume o Tom e traz para ele novas nuances, mas segue a narrativa como outrora era apresentada. Percebe-se que é um ator potente e visceral que se desprende e se entrega ao personagem que lhe é proposto, mas esse desprendimento, característico de seu personagem, por ser mais “largado”, pode beirar o exagero na interpretação em alguns momentos, perdendo as nuances que poderiam ser melhor aproveitadas de seu trabalho de ator. 

É tudo muito limpo e organizado visualmente, seja o figurino ou os elementos que compõem os adereços e cenografia. Característica que o Teatro da Poesia tem mantido em seus dois espetáculos. Não há problema em querer trazer essa “limpeza” na visualidade dentro do espetáculo, mas quando se busca a verossimilhança esse cuidado nem sempre se torna uma força, principalmente quando estamos falando sobre estados humanos de decadência.



Não fica entendido se Flora decide não cantar mais ou se realmente foi o tempo que a fez perder a voz. Parece um retrato de uma cantora da noite em decadência, que devido o passar dos anos, o envelhecimento e questões de saúde vocal foi afastada dos palcos. No entanto, Flora não é decadente visualmente, vocalmente e corporalmente falando, embora sua história e o que vemos retratado ali no palco nos traga uma mulher que acumula fracassos na vida e na carreira. O perfil construído para o espetáculo não nos deixa ver a decadência dessa mulher. Ela é revelada de forma deslumbrante, altiva e pouco vemos de vulnerabilidade.

É certo que entre ela e ele existem diferenças de personalidade e formas de ver o mundo, mas visualmente e corporalmente a vulnerabilidade de Flora é pouco explorada, enquanto o desprendimento de Tom é mais visível e explorado de maneira exagerada durante a maioria das cenas. 

A escolha dos elementos de cena também precisam de um maior cuidado, pois a própria Flora fuma durante a peça e esse cigarro usado por ela é quase como uma extensão de seu corpo, com o qual ela deveria manter uma relação de intimidade.

Vemos a dramaturgia se desenrolar, vamos entendendo a história do casal, a luz nessa reestreia ganha uma nova potência e nos ajuda a entender a narrativa. Tudo é feito com muito cuidado e atenção. Seja na escolha das cores, dos elementos de cena e nas marcações do espaço. 



O excesso do cuidado e o querer que esteja tudo bonito em cena nem sempre acrescenta a narrativa. Nesse espetáculo os corpos parecem querer esconder as ruínas. Há beleza na decadência e na ruína. Tudo que é inerente ao ser humano torna-se importante e belo no teatro. É certo que, como já sugere o nome do grupo, a palavra vem como ponto fundamental para contar a história, mas uma palavra distante do que vemos se desenrolar em cena nos faz pensar que algo está sendo escondido de nós. 

“O presente que o ator deve dar à plateia, o objeto direto que complementa o verbo dar, é a própria pessoa do ator. Ele deve comungar a si mesmo com seu público, mostrando não apenas o seu movimento corporal e sua mera presença física no palco, mas seu corpo-em-vida, seu ser, os recantos mais profundos e escondidos de sua alma. E para isso é preciso coragem: coragem para buscar essa vida, coragem para buscar esse presente e, além de tudo, coragem para doar esse presente, sem restrições e sem medo.”¹

Não saberemos qual é o presente se não tirarmos o embrulho.

O “estar limpo” falado anteriormente reflete nessas questões e nos deixa com a sensação que faltou alguma coisa acontecer. Há um momento em que a vulnerabilidade de Flora se mostra sutilmente e esse momento é exatamente quando não há música, não há palavra e de pé diante de nós ela vive o silêncio.

“Não é simplesmente seu corpo, mas seu “corpo-em-vida”, como diz Eugênio Barba. Um corpo-em-vida é um corpo em constante comunicação com os recantos mais escondidos, secretos, belos, demoníacos e líricos da nossa alma. É o receptáculo da poesia do teatro. O ator é um “atleta afetivo”, como diz Artaud”.

Quando as afetividades são desenhadas e reveladas dentro do espetáculo, somos pegos por instantes.

É preciso assumir a vulnerabilidade como potência criadora. A vulnerabilidade de estar numa relação caótica, ou no ato de ter para si memórias do que foi vivido e feriu. Vulnerabilidade e risco como as de criar um festival ou um espetáculo sem patrocinadores ou políticas culturais, por exemplo.

É no silêncio, no cantar e principalmente no não cantar de Flora que se encontra a ruína final. É no que está escondido no ator e na atriz, nos seus recantos mais secretos e demoníacos que se poderá encontrar a poesia e isso pode ser lindo.

Referência:
¹ Ferracini, Renato. A arte de interpretar como poesia corpórea do ator. Campinas, SP. Editora Unicamp, 2003.

Espetáculo "A Memória da Flor"

FICHA TÉCNICA
Producão  Geral: Teatro da Poesia
Direção: Jadir Pereira
Elenco: Louryne Simões e Jamerson Soares
Direção de Produção: Geraldo Neto e Lídia Santos
Cenografia: Louryne Simões e Jadir Pereira
Desenho de Luz: Edner Careca
Iluminação: Moab de Oliveira
Sonoplastia: Cleyton Alves
Fotografia: Jadir Pereira
Responsável Visual: John Fortunato
Preparador Vocal: Max Claudino
Violão: Daniel Maia


Um Chapéu


Tessitura: Jocianny Carvalho


"Todo mundo pode ir à cavalo, ou de trem, mas o jeito mais legal é de viajar no chapéu". - Chapeleiro Maluco. (Alice - Lewis Carrol)



Alice primeiramente é um emaranhado, desde de sua obra original de Lewis Carroll à adaptação “Alice?! da Cia. do Chapéu. O que mais se observa é a quantidade de questionamentos que surgem como uma necessidade de quem está perdido se encontrar. Alice, seja como for, sempre será necessária porque em algum momento da vida, mesmo o mais encontrado de todos irá se perder, nem que seja por um segundo, e aquele que não se perde nem que seja por um instante, corre o risco de perder-se para sempre. E perder-se tanto na obra original quanto na releitura do Chapéu é abrir-se para novas descobertas.

Admirável mundo novo, daqueles que sonham e se colocam em algum lugar com a força da imaginação. Admirável a vontade de estar presente. Admirável caixinha de Lhama na porta do Complexo Deodoro. Admirável Cia. do Chapéu que resiste desde 2002. Admiráveis por dar a oportunidade de alguém ver pela primeira vez um trabalho tão ímpar sobre uma obra tão revista.

A Cia. do Chapéu faz o teatro como aprendemos aqui nesse lugar, quando a criatividade tem que ter custo zero, e de certa forma a grande maioria das pessoas de teatro de Alagoas, conservam com muito esmero sua criança interior, porque se essa singularidade nos faltar, fica quase impossível gerar uma nova montagem teatral. E nessa montagem em especial você vai se deparar com a vontade e a imaginação dessas crianças da Companhia do Chapéu, diante de você irão surgir coisas inesperadas, apenas com retalhos de panos. Esse jogo lúdico que se cria durante as trocas dos cenários e figurinos prende a atenção e mostra a genialidade do grupo em ter que persistir. É necessário afirmar que criança sendo posta aqui não é de forma alguma no sentido imaturo, mas na celebração de nosso auge de fantasiar de forma produtiva.

O espaço cênico, onde se desenrola a ação, é uma estrutura de metal como um grande retângulo aberto, que demarca bem onde transcorre a ação. Já que é da celebração da criança Alice que estamos falando, imaginem uma peça de dominó (certamente ela gostaria mais de xadrez, paciência), o jogo. Durante toda a encenação a peça exposta era raramente aquela em que aparece a dupla, ou bomba como chamam em alguns lugares. Havia um desequilíbrio ali, algo que é sentido e tratando-se de uma representação contemporânea essa experiência se dá mais por questão enérgica do que escolhas espaciais, ma ainda assim são escolhas que deixaram o desequilíbrio em evidência, como Anne Übersfeld afirma no Livro Encenação em Jogo de Marcos Bulhões:

“A representação contemporânea trabalha essencialmente sobre o espaço. Longe de unificá-lo, ela o fragmenta; longe de torná-lo coerente, ela o irracionaliza; impedida de o tornar de o tornar como um todo lógico, organizado. O espectador, fisicamente integrado ao espaço, algumas vezes agredido por ele, é forçado não a aceitá-lo, mas a decifrá-lo e, no limite, a reconstruí-lo”¹

Mas havia uma instabilidade notável também em relação ao espaço, mas especificamente ao espaço do ator, o espaço gestual, o enérgico e acontece que ele destacava-se justamente por essa desproporção da peça de dominó cênico. Quando o Pavis fala sobre o ator em seu livro “Análise dos espetáculos” ele fala de as condições do ator:

“O ator de teatro tem pois um status duplo: é pessoa real, presente.” ²

Essa pessoa real e exposta ali, esteve presente na maior parte da peça de dominó, mas não em sua totalidade. E isso foi reparado.



Durante todo o emaranhado de questionamentos dramatúrgicos e têxteis surgem questões políticas, pessoais e extremamente humanas. Alice?! seja ela/ele quem for, é alguém se descobrindo. É um país jovem, uma política que põe em risco a educação, um coletivo de atores lidando com questões financeiras, alguém que não tem certeza sobre ter filhos, é colocar todxs para refletir e é, principalmente, ser artista em Alagoas. Alice?! tem a assinatura da Cia. do Chapéu principalmente quando afirma que não afirma nada, é lagarta em construção, é ouvido para ir mais adiante e é capacidade de conserva-se criança.



Referências:
1- Martins, Marcos Bulhões. Encenação em Jogo. pp. 37.
2- PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos.pp. 53.


Espetáculo- Alice?!
FICHA TÉCNICA:
Elenco:
Donda Albuquerque
Joelle Malta
Laís Lira
Larissa Lisboa
Magnun Angelo
Direção: Thiago Sampaio
Música: André Cavalcante



Fotos: Benita Rodrigues

AQUELAS, todas elas cabem.


Tessitura­_ Lili Lucca

O teatro e suas possibilidades, como é instigante saber que necessário para ele acontecer precisamos todos estar presentes. Uma mesa, dois instrumentos de corda, um microfone. E ELAS, todas as vozes e todas as FALAS, para AQUELAS. Aquelas duas atrizes, uma do Cariri outra de Fortaleza e ambas do Ceará, que vem cruzando o país, pelo projeto do SESC Nacional, Palco Giratório. Elas passaram aqui por Maceió, pelo Aldeia e encerram a programação. Elas passaram e em meio a potência de sua cena, nos lembraram que todos os dias as mulheres precisam SER. Ser coragem e ser luta, para ter liberdade de ser e sentir.
Feminicídio. A fé do povo está acima da dor de uma mulher. A fé de um povo está acima da verdade da vida de mulher. A fé do povo cala o grito de uma a mulher. Uma fé. Uma mulher, assassinada pelo marido. Uma mulher assassinada pelo marido em 1926. Virou santa. De 1926 até 2019 quantas mulheres foram assassinadas e mortas pelos seus maridos? Tem se uma “conta” de que por dia 13 mulheres são assassinadas, por dia. Peço que faça as contas desde Maria de Bil até hoje, contando 13 mulheres por dia, qual o número de santas que teremos? Ou melhor quantos lobisomens se escondem na floresta?
Apenas mais uma narrativa para que todos nós possamos entender que o corpo da mulher, não é apenas a carne posta para ser servida, ou a carne a servir em todos os sentidos possíveis da palavra. Essa carne que tem vida, essa fêmea tem vida. Sua carne é livre, seu corpo é livre.
Aquelas, uma dieta para caber no mundo. Um espetáculo, uma ação cênica, ações performativas. Uma cena com luz branca e aberta, facas de todos os tamanhos, facas que não são só imagens simbólicas, facas que servem para ação e carregam nela toda a dor do feminino. Facas que cortam, que sangram e que ferem todo dia, as mulheres. O espetáculo em que a sonoplastia é feita pelas atrizes, a sonoridade que desperta a dor pela palavra cantada e nos rasga o verbo pelas cordas tocadas pelas facas. É o corpo da mulher que grita a cada facada, mas esse grito parece ser musicado, pois nunca é ouvido. Um espetáculo que a todo momento gera imagens de dor e reconhecimento de mulheres que a suportam, mas vivem. Em meio a pedaços de carne cortados, palavras cuspidas e cotidianas ao ouvido de meninas, a cena desordenada se constrói.

Duas atrizes mulheres contando em narrativas a história de uma Maria, que não era do Bil, foi morta por ele. Duas atrizes que nesse processo de criação da obra trazem suas experiências e vivências do ser mulher, em uma sociedade que nos limita o ser. O trabalho nos coloca em frente a vida de mulheres e suas dores, e por ser permeado por narrativas diversas é necessários entrega total a ele, é necessário correr o risco do corte sem o medo, porque o corte já está exposto na palavra e na ação que discorrem. O corpo ali é instrumento e mais que nos mostrar na imagem a dor, ele tem que ser dilatado com máxima intensidade. Não tem como a mulher não correr o risco. Não queremos mais sangrar, não precisa mais ter sangue, mas é necessário correr o risco, gerar impulso e experiência nas cenas. O que precisa aparecer é a visibilidade dessa existência na cena, está ali basta ser exposta mais e mais. É imprescindível fugir à representação, ela não é prejudicial, mas embaraça.

“o ator/atriz não é o executante, mas sim o sujeito da obra, aquele que também cria o espetáculo. Não existe um papel destinado de antemão, ao contrário o ator deve encontrar a si mesmo na totalidade da peça teatral. “ Welmininski, Andrezej-(in) COHEN, Renato¹

Aquelas duas atrizes, e suas presenças ao elevado. Aquelas duas atrizes que quando nos apresentam Maria de Bil, que teve a identidade anulada pelo seu assassinato e pela fé que lhe foi posta, nos despertam a dor de todas mulheres, elas devem ser mais que desenho na ação.
Enquanto todos nós que somos o que se chama de sociedade, não nos importarmos com as facadas que as demais levam, permaneceremos com a fé hipócrita que mata e sangra a vida de tantas. Homens pergunte as mulheres o que ficaram das facadas que elas levam todos dias?
A mulher que todo dia é:
      Cortada por olhares de desejo.
                              cortada, pelo esbarrão no coletivo público, pelo uber, pelo táxi
                         cortada, pelo serviço duplicado, o do lar que ela tem obrigação de manter, depois de 8 horas de trabalho por dia ou mais.
                          cortada, pelo diferente salário que recebe mesmo executando o mesmo serviço que homens
                                 cortada, quando tem que mesmo sem tesão algum dar prazer ao seu homem, pela roupa veste, pelo jeito que se permite
                                  cortada, pelas pessoas que a chamam de vadia por ser livre e responder aos seus desejos e querer gozar
                                  cortada, quando apanha dentro de sua casa, espancada pelo amor de sua vida, pelo seu marido, pelo pai de seus filhos
                                     Cortada e não percebe que sangra. É cortada e sangra, é cortada e permanece. Tem aquelas que sentem o sangue escorrer e não conseguem sair, é como se fio da faca que esbarra na sua carne fosse o mesmo, que sem querer sangrou ao cortar a cebola na hora cozinhar a carne. Mas agora é a sua carne que sangra.  
E quando a mulher não aceitar mais levar as facadas?
É necessário ver AQUELAS, é necessário que o grupo Manada de Teatro continue a andar e a construir esse DESPERTAR, é indispensável esse espetáculo ser visto. É necessário parar de cortar a carne dessas mulheres. AQUELAS, TODAS AQUELAS. CORTADAS.


Referências:
¹COHEN, Renato – Work in Progress na Cena Contemporânea _2006

Espetáculo: Aquelas: uma dieta para caber no mundo
Grupo: Manada Teatro (CE)

FICHA TÉCNICA
Direção: Murillo Ramos
Elenco: Juliana Veras e Monique Cardoso
Direção Musical: Juliana Veras
Iluminação: Wallace Rios
Operadores de Luz: Luís Albuquerque e Wallace Rios





Lili Lucca é atriz, encenadora e crítica no Coletivo Filé de Críticas*

CRÍTICA: AQUELAS: FÉ CEGA, FACA AMOLADA

Tessitura _ Felipe Benicio*

Aquelas: uma dieta para caber no mundo, do grupo Manada Teatro (CE), foi o espetáculo responsável pelo encerramento do Aldeia Palco Giratório. E se nos dias anteriores, o artístico e o político mostraram-se intimamente ligados ao longo da programação, neste último dia de Aldeia não foi diferente. Tendo como ponto de partida a história de uma santa popular do Ceará, Maria de Bil, as atrizes Juliana Veras e Monique Cardoso, sob direção de Murillo Ramos, trazem ao palco a (re)encenação de algumas formas de violência a que são submetidas as mulheres que vivem entre as engrenagens da nossa sociedade machista. 



Num país onde os grandes assassinos da história são homenageados, com seus nomes servindo de inspiração para cidades (Florianópolis) ou ruas (Avenida dos Bandeirantes), não é de se estranhar que uma mulher do interior do Ceará seja imortalizada no imaginário cultural, e santificada no cânone popular, trazendo em seu nome o nome de seu assassino, e pior, como se a ele pertencesse: Maria de Bil. De Bil, que traiu Maria com a irmã dela, Madalena; Bil, que se enfureceu (?) por Maria (talvez) querer deixá-lo (?); Bil, que montou uma emboscada para Maria, que estava grávida de seu terceiro filho e estava indo levar marmitas para seus irmãos na roça; Bil, que matou Maria a facadas e depois comeu suas panturrilhas; Bil, que virou lobisomem (?!) e sumiu dentro do mato (?) para nunca mais ser encontrado (!). Amém?

Talvez não haja uma oração para Maria de Bil, mas se houver, de acordo com as atrizes e o diretor do espetáculo, ela, a oração, muito provavelmente não mencionará o fato de Maria ter sido vítima de feminicídio, com requintes de crueldade. Segundo o grupo, que fez questão de participar de uma procissão que ocorre anualmente em homenagem e em agradecimento aos milagres operados por Maria de Bil, todos/as os/as fiéis entrevistados/as se esquivaram frente a questões relacionadas à morte da santa, como se isso fosse uma espécie de tabu. E esse é um triste exemplo de como a fé cega da religião ignora (e ao mesmo tempo compactua) com a faca amolada do machismo.

Há muitas incógnitas sobre a história de Maria de Bil. Não há dados nos registros oficiais nem parentes vivos/as que possam corroborar ou refutar as poucas informações disponíveis. É justamente por essa brecha que o grupo Manada Teatro envereda para criar sua dramaturgia, preenchendo com “ficção” as lacunas históricas, dando voz, inclusive, a personagens secundárias desse microrrelato hagiográfico, como a irmã de Maria, Madalena. E se grifei “ficção” anteriormente foi para frisar que a liberdade criativa do grupo, para além de criar situações de diálogo entre Maria e Bil, por exemplo, acrescenta outros relatos convergentes, como o das relações assimétricas de gênero e de poder que são estabelecidas na sala de aula e que desembocam em violências e violações simbólicas e concretas.

Em uma proposta de encenação menos convencional (que geralmente é apresentada em palcos de arena, mas que, na falta deste ou de um espaço similar, foi apresentada no palco italiano do teatro Jofre Soares, o que, certamente, gera outros efeitos e suscita outras leituras), o grupo opta por uma luz mais aberta, de modo que o palco esteja sempre todo às claras; uma trilha sonora que é tocada e cantada pelas atrizes em cena; uma atuação em que as atrizes ora são personagens, ora são “elas mesmas”; tudo isso estruturado dentro do que o grupo chamou de “blocos performativos”.

Estar no palco sem artifícios, muitas vezes sem a mediação de um personagem, é um ato extremamente corajoso. (Embora, diga-se, ao pisar no palco qualquer um/a já é outro/a, pela força mesma que o espaço exerce sobre ele/a. Mas isso é assunto para outro texto.) Mas, no caso de Aquelas, esse estar-em-cena-desprovidas-de-personagens contribui para que as atrizes consigam criar uma relação de profunda empatia com a plateia. Para o bem ou para o mal, em certos momentos, a transição dessa espécie de modo neutro para a atuação enquanto personagem é algo difícil de determinar, uma vez que não há qualquer dispositivo (de luz, de som, de adereço ou mesmo corporal) que indique de maneira explícita essa mudança, o que faz com que, às vezes, você só entenda que se trata da fala das atrizes (nesse modo neutro) ou das personagens no meio do texto.

Mas o grupo é muito enfático em sua denúncia contra o machismo, contra as violências perpetradas contra as mulheres em nossa sociedade patriarcal, de tal modo que chega a flertar com uma estética gore, com direito a muitas facas, carne crua sendo cortada e (o clássico do gore) banho de sangue. Há muitas cenas fortes no espetáculo, pela sua crueza ou pela energia (em alguns casos, demasiada) colocada na palavra, que irrompe em grito; mas há também cenas potentes, do ponto de vista simbólico e artístico, tal como aquela em que uma atriz se deita de bruços sobre a mesa, enquanto a outra se deita embaixo da mesa; a de baixo (fazendo as vezes de Bil), empunhando uma faca, apunhala a madeira a cada frase que profere, enquanto a de cima (fazendo as vezes de Maria), responde, lacônica, às palavras-punhaladas. Fazer coincidir a palavra e a facada aponta, de maneira metafórica, para aquelas violências que existem no nível do discurso, mas que, nem por isso, deixam de ser menos destrutivas.

Embora a opção por uma estrutura em blocos resguarde o grupo de qualquer crítica do ponto de vista de uma dramaturgia mais tradicional, chamo a atenção para o fato de a peça chamar-se Aquelas: uma dieta para caber no mundo; trazer em boa parte de seus blocos a história de Maria de Bil; e terminar com uma das atrizes afirmando que “este espetáculo é para as araras”, em alusão a um relato que havia sido feito em algum momento durante a encenação. Do mesmo modo que há questões que são levantadas e deixadas no ar, há também aquelas que se repetem ao longo do espetáculo. A ideia de “blocos performativos”, neste caso, deixa a impressão não de fragmentação (técnica amiúde explorada pelas narrativas pós-modernas), mas de disformidade, disjunção, uma vez não há um fio norteador explícito (o que há são temas e histórias que vêm e vão), não se busca uma unidade de efeito, tampouco a fragmentação é abraçada por inteiro. Mas, como afirmei anteriormente, a proposta do grupo parece ir na contramão de uma dramaturgia tradicional. 

Apesar disso, Aquelas é um espetáculo necessário, que fala direto às dores da nossa sociedade, e que é feito por artistas que usam a arte como instrumento de luta e o palco como amplificador de discursos. É uma peça impactante. E precisava sê-lo. Porque, como disseram os/as integrantes do grupo, tratando de assuntos tão complexos, eles/as não poderiam correr o risco de ser líricos/as, tornando turvo o caminho até a mensagem por eles/as pretendida. E se faço, aqui e ali, algum comentário menos palatável é por escolher tratar o espetáculo como a obra de arte que ele é (que possui mecanismos e modos de significação próprios dessa linguagem), e não apenas como um discurso social. 

Espetáculo: Aquelas: uma dieta para caber no mundo
Grupo: Manada Teatro (CE)

FICHA TÉCNICA
Direção: Murillo Ramos
Elenco: Juliana Veras e Monique Cardoso
Direção Musical: Juliana Veras
Iluminação: Wallace Rios
Operadores de Luz: Luís Albuquerque e Wallace Rios


* Felipe Benicio é poeta, ficcionista e doutorando em Estudos Literários (Ufal). É também membro dos conselhos editoriais da Revista Fantástika 451 (SP) e da revista do Coletivo Volante de Teatro, #Textão (AL).




CRÍTICA: AQUELAS – Uma dieta para caber no mundo

Tessitura _ Joelma Ferreira*


Manada foi o último grupo a passar por Maceió cumprindo o potente programa do Aldeia Palco Giratório, no dia 26.05.19. Em circulação nacional, a Cia cearense trouxe para o teatro Jofre Soares o espetáculo AQUELAS – Uma dieta para caber no mundo




Duas mulheres em cena usam galochas brancas de cano curto, shorts pretos e blusas cinzas, roupas num estilo cotidiano. Como cenário, no chão do palco, à boca de cena, três bacias de alumínio e, dentro delas, várias facas com cabo branco e uma tábua com carne vermelha. À esquerda, sob a ótica da plateia, uma cadeira de madeira; ao lado desta, um contrabaixo e um violão. Do lado direito, refletores iluminam um microfone. No centro do palco uma mesa retangular aparentemente feita de alumínio (material que dialoga em composição com as facas e com a cor do figurino das atrizes) é explorada durante todo o espetáculo, contribuindo para possíveis leituras de cena.

As facas são objetos provocadores de sentimentos, o manuseio demasiado delas formam imagens interessantes e aguçam sensações através do barulho ao serem jogadas ao chão, pregadas na mesa, passadas nas cordas do contrabaixo, momentos de pura cinestesia.

De um modo geral, o cenário nos leva a uma cozinha, lugar onde, no Nordeste, é comum as mulheres receberem amigas, vizinhas, visitas, como um espaço de convivência da casa, transformando o fazer, o servir e o alimento em sutis demonstrações de afeto. Nesse contexto, as duas atrizes dividem, através do texto, histórias de diversas mulheres brasileiras, a partir da história específica de Maria de Bil, mulher assassinada pelo seu marido e que se transformou em mártir, sendo até hoje ícone de devoção na região de Várzea Alegre (CE), a qual apresenta um alto índice de feminicídio. Esse enredo já propõe questionamentos: Que fé é essa que cala o grito à vida? Que fiéis são esses que reproduzem a história trágica da sua Santa de devoção? Que Brasil é esse que não dá suporte à vida feminina?

Com esse roteiro as atrizes constroem imagens fortes, reflexivas, bonitas, poéticas, de dor e sofrimento, intercalando com cenas mais descontraídas, buscando dar um ritmo flexível ao espetáculo diante de tantas tensões que são criadas. As trocas de expressões e, consequentemente, de sensações são respiros assertivos. 

Frente às imagens de risco, observo levemente rumores de algumas pessoas na plateia, que conseguiram sentir o desafio da atriz em atravessar, descalça e vendada, a mesa cravada com facas. Tecnicamente, essa cena oferece um grau de dificuldade aparentemente não vivenciado, visto que a pessoa convidada da plateia para guiar oralmente o caminho mais seguro para a atriz foi ajudada pela outra atriz. Entendo que quando um artista se propõe estar em risco em cena, de fato, ele precisa vivenciá-lo com sinceridade e verdade, se expondo ao risco que se propôs realizar.

As músicas compostas para o espetáculo são lindas e alimentam as cenas, ora num tom de reza e acolhimento, ora num timbre de enfrentamento e revolta.

A iluminação sugere simplicidade quando é definida por claridade total, deixando tudo à vista, favorecendo os instrumentos utilizados em cena. Dois pontos de luz acentuam a presença dos objetos cênicos à boca de cena e alguns refletores usados próximo ao microfone não apresentavam influências tão significativas à composição da peça. 
  
É comum ouvirmos que os artistas criam suas obras atravessados pelo contexto em que vivem. Em nossa atualidade reaparecem histórias já vividas e contadas, costumes e comportamentos que não cabem mais à nossa sociedade, mas que continuam se repetindo da mesma forma ou camufladas. É necessário observar qual a raiz das problemáticas para que haja eficientes soluções.

Desde a infância, a menina cresce sendo moldada por regras que viraram costumes e se naturalizaram. O machismo se naturalizou e é preciso desenvolver um trabalho de reeducação social para que, nós mulheres, possamos, em primeiro lugar, viver e, em segundo lugar, viver com respeito, numa sociedade mais igualitária. Essa educação passa por diversas camadas de instituições e agentes responsáveis pela mudança. A arte é sem dúvidas uma das maiores ferramentas educacionais com elevado alcance de aprendizagem.  Diante disso, parabenizo aos curadores do Sesc por selecionar trabalhos que dialogam diretamente com o cotidiano, sendo extremamente necessário todos os encontros e discussões proporcionados pelo Aldeia Palco Giratório.

Todos precisam assistir a esse espetáculo...

Para que nenhuma mulher precise de uma dieta para caber. Mas para nos amarmos a ponto de entendermos que: amor não precisa caber, precisa transbordar. Sobretudo o amor próprio.  


Espetáculo – AQUELAS – Uma dieta para caber no mundo

FICHA TÉCNICA
Direção: Murillo Ramos
Interpretação: Juliana Veras e Monique Cardoso
Direção Musical: Juliana Veras
Iluminação: Wallace Rios
Operador de Luz: Luís Albuquerque e Wallace Rios

*Joelma Ferreira, é formada em Dança pela UFAL, dançarina na Companhia dos Pés desde 2009, desenvolvendo pesquisa em danças populares do Nordeste e criação em dança contemporânea. Arte Educadora na Secretaria de Educação do Estado de Alagoas.



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