RETROSPECTIVA 2019: Para que serve a arte?

Tessitura _ Lili Lucca*

   Lembrar os palcos em 2019 é documentar a coragem da/o artista alagoano. Como dizia o poeta Guimarães Rosa, a vida…”O que ela quer da gente é coragem.”

   No presente ano os artistas de todo o Brasil, sofrem uma arapuca. Assistimos a extinção do Ministério da Cultura e vimos suas funções atribuídas à Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania. Vimos as mais vis e amarguradas especulações contra a arte e o artista, no seu sagrado ofício. Ofício que sempre teve em seu histórico o abandono do estado. Esses foram acusados de serem os que contrabandeiam o dinheiro público em prol de nada. 

   Mas para que serve a arte? Que invenção é essa de que o artista precisa de dinheiro para produzir sua obra? Qual a finalidade da arte e sua serventia? Ora, mas que desserviço.   

   Sentamos na sala de casa em frente a TV, mas não consumimos arte, vamos a shows de música apenas para encontrar pessoas, entramos na sala de cinema apenas para comer pipoca e sentar em cadeiras confortáveis, e no teatro vamos apenas para manter o STATUS QUO.  Arte, a quem interessa? Ao Artista, apenas. Sim. Para isso coloco a fala ainda latente aos meus ouvidos, feita no final de 2018, de uma senhora com 90 anos hoje, com uma vida dedicada a arte, que está completando 70 anos de carreira:

“Nós somos de uma profissão digna, parte de uma cultura teatral milenar. Não é possível fazerem de nós - gente de palco, atores de TV e cinema- responsáveis pela derrocada econômica deste país. Não somos corruptos. Somos dignos.” Montenegro. Fernanda (Troféu Melhores do Ano. 2018 /Faustão) 

   O artista brasileiro, seja ele com holofotes ou não,  vive no limiar histórico, sempre no descaso, sendo posto a prova. É esse o lugar que lhes é oferecido por um estado que coloca a cultura e arte sempre em território de tirania do poder, irregularidades e fragilidades. 

   Artistas em incontáveis territórios, nos sertões, em comunidades e nos grandes centros desse vasto país, colocados como supérfluos.  

   Recentemente o Dante Mantovani, atual presidente da FUNARTE atacou novamente artistas e suas formas de expressão.

 "Minha gestão à frente da Funarte será pautada pela valorização e resgate dos grandes artistas brasileiros e universais;...” (Fala publicada pelo Jornal Nacional - TV Globo/03/12/2019)

   Atacando veemente grandes artistas nacionais da música popular brasileira, quer pautar e rotular a arte em seus padrões clássicos, para ele únicos possíveis. Triste esse senhor, que nada vê e nada diz. Mas vos digo meu caro, a arte é livre. Continuaremos. Não precisamos de sua aprovação para nada. Somos artistas. Criamos. Pesquisamos.Estudamos. A arte é LIVRE. E o artista é a liberdade em vida. 
E foi com essa liberdade e coragem de criação que em Maceió e em alguns lugares de  Alagoas em 2019 as Artes cênicas, tiveram palcos com criações múltiplas. Quintas no Arena, Teatro é o maior Barato, as Aldeias Sesc em Maceió e Arapiraca, Festival de Mulheres Engraçadas - F.E.M.E, 5º Festival de Artes Cênicas de Alagoas - FESTAL, Festival Internacional de Circo e Artes da Rua - FICAR, ENTRE, foram alguns dos eventos que nomeio como Panorama de artistas alagoanos.

   Início esse panorama pelo mês de Março, tivemos a bravura e o riso da palhaçaria, encabeçado por Wanderlândia Melo, atriz e componente do grupo Clowns de Quinta, que foi premiada pelo Prêmio Itaú Cultural e realizou na cidade o Festival de Mulheres Engraçadas de Maceió - F.E.M.E.. Um festival que ocupou a cidade e exibiu a garra das mulheres na arte. Um Festival cheio de experiências feitas e colocadas no cenário do teatro alagoano por mulheres.  Quantas barreiras e dedicação tiveram e ainda terão essas mulheres para levarem adiante sua palhaçaria? Não tenho aqui a resposta, mas naqueles cinco dias de festival vi mulheres, vi o labor delas na produção, também artistas nesse revezamento de fazer e produzir arte e que ao realizar o festival se torna imenso, pois é a resistência e o poder de mulheres na arte do seu lugar. É político! É domínio!  Um festival que homenageou um patrimônio vivo do circo alagoano, a artista e educadora circense, Peró de Andrade. No F.E.M.E., resgatamos a memória e colocamos no fluxo a história palhaçaria alagoana, nunca antes contada em Maceió, com a presença de artistas de todo território nacional. 

   E da força das mulheres partimos para as Aldeias,  mostras de teatro, dança e circo, que aconteceram nas cidades de Maceió e Arapiraca, conduzidas pelo SESC - ALAGOAS. O Sesc, abre uma diálogo ao colocar no palco artistas nacionais, que circulam pelo Projeto Palco Giratório em contato com artistas Alagoanos. Promovendo uma exibição rica em diversidades e discursos, diminuindo espaço entre artistas, conduzindo o público ao encantamento, e dando a possibilidade de presenciar obras potentes e excepcionais, abreviando os espaços. Democratizando o acesso a arte em paramento nacional, além de ampliar o olhar do espectador a fartas experiências cênicas, assim formando plateias. As Aldeias, que trouxeram artistas do Rio de Janeiro,  São Paulo, Macapá, Ceará e Alagoas dentre outros, que durante alguns dias de maio, junho e setembro foram da região metropolitana ao agreste alagoano, partilhando arte entre seus fazedores e espectadores, tonificando artistas em um âmbito nacional.


   Anuncia-se em outubro o FESTAL - “Juntar, Criar e Resistir”, um festival organizado pela Rede Alagoana de Artes Cênicas, compartilhado e gerido por esses artistas, com persistência e luta. Em sua 5a. edição o FESTAL, teve como propósito envolver bairros diferentes da cidade, no intuito de expandir e descentralizar ações artísticas pela cidade. Cidade Sorriso, Vergel do Lago, Garça Torta, Bom Parto e Centro (Praça Sinimbú e Espaço Cultural), foram os locais em que o FESTAL realizou sua programação na cidade de Maceió. Entre as atrações, espetáculos de teatro, circo, dança, performance, oficinas e atividades formativas, entre público e artistas que fizeram e compareceram ao festival. O FESTAL, é meio de trabalho,  e articulação da classe operária artística alagoana, é a vida de quem labuta e luta pela arte em Alagoas. Em sua 5ª. edição transformou vidas, não podemos definir em que lugares ele tocou, mas essa passagem da arte por essas zonas à margem, virou memória na vida de quem experienciou a arte, e se transformou no instante da ação do artista. Arte por todos os lugares da cidade, para transformamos a vida cotidiana por alguns minutos pelo olhar. Que o FESTAL e esses artistas continuem a caminhar.

   Em novembro fruímos o ENTRE - Semana de Dança Contemporânea, em sua segunda edição, uma produção colaborativa entre companhias de dança alagoanas e estudantes dos cursos de Dança vinculados a UFAL. Nessa semana, foram apresentados trabalhos, discussões e  bate papos sobre a dança a fim de refletir suas produções e a manutenção da pesquisa da dança contemporânea em Alagoas. Vale destacar nos acontecimentos da Dança em 2019 também o intérprete - criador/B-boy Jessé Batista que esse ano foi o representante de Alagoas no Projeto Palco Giratório, do SESC Nacional e circulou o país passando por 28 cidades e fez 33 apresentações, com seu espetáculo R.A.L.E. - Realidade Apropriada Libera Evidência, levando o nome de Maceió no cenário nacional da dança contemporânea.  

   E quando achávamos que as produções findavam, surge em meio sobressalto o FICAR - Festival Internacional de Circo e Artes de Rua, encabeçado pela Cia.Fenomenal. O Festival que trouxe em seu discurso o fortalecimento e a democratização da arte, tem como seu palco a rua, a praça, o corredor dos carros.  A realização do FICAR encerra o ano de 2019 com Riso e Resistência, com artistas ocupando as ruas e colocando seu trabalho em contato direto com o público na demanda de mais uma forma de democratizar a arte. 

   Não podemos esquecer que há mais de 20 anos a Diteal vem mantendo a oportunidade de artistas alagoanos mostrarem suas obras e seu ofício à toda sociedade maceioense,  com dois projetos intitulados: Quintas no Arena (15 anos) e Teatro é o maior barato (20 anos). Trouxe esse ano ao público apresentações de música, teatro e dança. Trabalho que fazem esses operadores é fomentar o público e dar acesso a todo e qualquer artista a se apresentar nos palcos históricos do Teatro Deodoro e do Teatro Sérgio Cardoso, mais conhecido como arena. Lugares esses que devem ser cada vez mais tomados por artistas, pois é seu lugar por razão. Razão, pela qual lutam diariamente todos os artistas desse país e estado. O correr da vida do artista, não é maior que qualquer trabalhador brasileiro, mas é digno como o de tantos. O que vejo nesses palcos alagoanos, é expediente diário, é trabalho árduo de quem faz, de quem elabora a poesia, de quem confecciona formas harmoniosas, de quem tece o saber cultural de forma primorosa. E o que querem esses artistas? 

   Dignidade e seu espaço por igualdade da lei. 

   Enquanto tecia essas palavras, durante o ano  compondo o Coletivo Filé de Críticas, eu e meus camaradas vendo acontecer todos esses espetáculos, teimávamos em tentar responder de onde brotava a coragem desses artistas. Não achei respostas precisas, mas achei vida e sentido. Procurei palavras para documentar, registrar e examinar o cenário alagoano e suas obras, os defino com a CORAGEM de ser, fazer sentir e transmitir arte. Verdade maior, é do artista que enfrenta o medo, vem transmutando  e transformando sua arte, para que ela apareça até você. Sinta. 

“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.” Rosa, Guimarães.


*Publicado na versão online e impressa do Jornal Gazeta de Alagoas do dia 28 de dezembro de 2019.

Imagem 1: Xanda Souza
Imagem 2: Publicação da Gazeta de Alagoas.

Festival FICAR e o RISO que FICA!


Tessitura_ Lili Lucca

E se eu pedir pra você fechar os olhos e ouvir o som do riso de uma criança?



Você consegue?


Qual a sensação?


Dá vontade de rir?


Dá vontade de FICAR naquela risada pra sempre.


Você já tá rindo, o sorriso contagia né?



Ele fica. Ele tem a potência de FICAR. E ele arruma de FICAR num lugar bonito e leve da memória. O riso. Ele consegue transformar todo momento presente e leva nosso corpo a outro estado físico. Ele, o riso quando vem pra FICAR muda nossa alma e melhora nossa vida, nem que seja por alguns momentos. Parece clichê tudo que digo aqui, mas o registro do Primeiro FESTIVAL INTERNACIONAL DE CIRCO E ARTES DE RUA - FICAR, só vale a pena ser feito ao som do riso, nem que seja pela memória. Sorte daqueles que riem e tem por perto o riso de uma criança.

O FICAR, aconteceu entre os dias 15 à 17 de novembro de 2019, na rua fechada e na praça do Skate, na cidade de Maceió, um festival encabeçado pela Cia Fenomenal, mas que juntou-se a vários artistas de Alagoas, do Nordeste, Espanha e Argentina. O Festival que traz em seu discurso o fortalecimento e a democratização da arte, tem como seu palco a rua, a praça, o corredor dos carros. Tiveram apresentações de arte na rua, atividades formativas e mesas redondas no decorrer de seu acontecimento.

O que é preciso para que um artista mostre sua arte? O público. A Cia. Fenomenal vem há alguns meses ocupando a Rua Fechada do Bairro da Ponta Verde com seus espetáculos e números circenses, foi a partir daí e da rede de artistas de circo e rua que lá estão nessa ocupação que surgiu o FESTIVAL FICAR.

Festival,
relativo a ou próprio de festa; festivo.
que tem aparência, modo, forma de festa.
em que há alegria, prazer; aprazível, afável, jucundo.
que gosta de festa, de alegria (diz-se de pessoa).



Estive no festival em dois dias: sábado(16) e domingo(17), e a sensação de alegria e de leveza era presente em quem estava lá, as apresentações aconteceram ao longo da praça do Skate, a praça toda iluminada com bandeirolas, uma feira que acontecia nos caminhos que levavam as apresentações. Crianças brincando na praça, crianças correndo para sentar no chão em frente aos palhaços e palhaças. O Palhaço Bruguelo era o mestre de cerimônia e com o microfone era andarilho e saia chamando a todos. E os que vinham de longe iam se chegando e perguntavam: 

- Já começou?

No sábado nos sentamos debaixo da árvore iluminada e assistimos o então Palhaço Bruguelo e a Palhaça Zulpeta, chamar as variadas atrações. Começou pela Cia Zambaq, com suas danças tribais. No meio dessa grande variedade de artistas, assistimos atentos às apresentações dos alunos e alunas da Sururu Circo, com força e improvisação apresentaram seus números no tecido acrobático. A acrobacia nos tira suspiros de medo, pelo outro, o tombo acontece. Mas a resistência aliada a beleza do movimento é inexplicável. A ideia de deslizar pelo tecido nos deixa encantados. Como podem elas escorregar pelo tecido e dançar no ar? Ficamos entre o alarme e a fantasia. Mas a Sururu Circo, nos lembra que a magia da acrobacia do tecido é labor. Quem tiver coragem que Sururu-cirque-se !


E o espetáculo, deu-se entre números de encanto, ânimo e palhacices. Além do tecido, tivemos acrobacias de solo com a presença de Os Mutantes, um grupo de treinamento de circo, onde presenciamos à contorcionismos e dança. Tudo feito com muita nobreza e graça. Teve também malabares, mas não era só o equilíbrio, era necessário coragem. O Circularte ateou fogo e ao som dos gritos e olhos atentos das crianças esquentaram o picadeiro. 

E teve a graciosidade, o brilhantismo da dança cigana de Kamilla Mesquita. Confesso que entre uma apresentação e outra eu observava as crianças assistindo a Kamilla, e ela foi ovacionada pelos olhos das pequenas que a viam dançar. 

Não acabou, ainda no sábado o Coletivo NO VERMELHO, trouxe uma dupla de novos palhaços, em um número clássico de palhaçaria em dupla, onde sem o público a história não calharia, e as crianças estavam ali atentas a ajudar, então, aconteceu. Ainda no sábado tivemos um número do palhaço Pernambuco, musical e mágico, mas para nossa alegria ele voltou no domingo…


E eis que de repente o sortilégio sertanejo se aproxima, era o Matuto, de Rafael Santa Cruz que levou todos ao deleite. A musicalidade de sua flauta e seu jeito maroto de ser matuto nos cativou, os risos das crianças eram delirantes. A mágica acontecia de forma singela e espetacular. Bolinhas vermelhas que brotavam de seu corpo todo, um chapéu que magicamente deixou meninos de rosa e meninas de azul, e estava tudo bem. As argolas que ultrapassam nossa curiosidade e enganavam nossa visão, tudo isso sem perder a simplicidade e a poesia de ser matuto. Do ser palhaço sertanejo, que veio de Pernambuco e que foi glorificado pelas gargalhadas sem fim das crianças, que como nós adultos, hipnotizados pela sua magia. Éramos só aplausos.

Chacovachi, vem logo após nos contar um pouco de suas andanças, e nos conta que o palhaço quer aplausos. Em uma conversa irônica e não menos pilhérica com adultos e crianças, ele montou uma orquestra com garrafas de vidro chamando o público a participar, e os regeu com entusiasmo e força. Nesse diálogo haviam perguntas certeiras que levaram-nos ao riso extremo e a consciência de imediato.


“ Toda piada tem uma tragédia por de trás”. CHACOVACHI


Chacovachi, trabalha há anos em busca do riso. Riso é responsabilidade. É nítida a força e a certeza de suas palavras, enquanto para alguns de nós o ridículo da medo, ele mostra que o dito ridículo é seiva, é luta, é coragem de ser e de viver a partir daquilo que te move. Todos os seus números eram um desafio. Desafio que dependia de sua escolha e ação, ele na sua ação nos apresenta que a vida é curta, ou você vive o desafio, ou passa a vida fugindo dela. A vida passa. O que ficam são as experiências, mas elas só ficam durante a vida.


CHACOVACHI- “Você gosta de viver nesse mundo?”

Menino – SIM.
Chacovachi - “Já vai passar.”


Risos e aplausos da plateia adulta, mas o riso contagia. As crianças além de rir estavam interessadas nas bolas de sopro que sarcasticamente ele dava formas. 





A busca pelo riso do palhaço Chacovachi, é o resultado de uma vida dedicada a arte, uma vida onde a rua serviu de palco, um palco democrático que acolhe, e que apresenta desafios diariamente. A rua é o palco que faz o real encontro entre o artista e as pessoas.

Vi o FESTIVAL FICAR como um encontro. Uma grande festa de artistas alagoanos e convidados da Cia Fenomenal, e que festa bonita de se ver. A arte na praça, a praça cheia de gente, gente de passagem que ia ficando. Todo artista de circo, tem no seu histórico o andar e estar em vários lugares espalhando sua arte e seu fazer. É esse o seu único ofício e ele seguirá em procura dos risos e aplausos, nunca esqueça que ele anda com um chapéu, deposite lá tudo que tiver de bom. Lembra do riso da criança e da sensação gostosa de rir? Tá tudo na sua memória. É feito pelo riso. O riso que é dado pelo palhaço. Ele que procura o riso e te oferece no encontro. O riso que eleva e transforma. É sentir a vida, esse riso é o sentido de vida do palhaço, é sua profissão e sua existência.

A realização do FICAR encerra o ano de 2019 com Riso e Resistência, com artistas ocupando as ruas e colocando seu trabalho em contato direto com o público. Democratizando a arte. Aplauso e estimo por entusiasmo à todas e todos artistas que edificaram o festival. 

Eu acompanhei 4 festivais/mostras esse ano quase por completo aqui em Maceió, e consegui ir até o FICAR, e vi mais uma vez grandes trabalhadores em cena, executando com toda força e coragem sua função. Eles são artistas circenses, artistas de RUA. Uma festa que foi extremamente democrática e que teve no chapéu seu capital, mais uma vez a arte permanece e continua. Somos criadores e inventores, lutaremos na manutenção e vida da arte. Confio que todo riso e contentamento do público tenha sido combustível para que o festival fique na cidade. 

FICAR é resistência e o poder da arte na rua para todos e todas.

Que o som do riso os impulsione a mais, e repito a pergunta de umas das crianças que estava lá e após presenciar a foto final e os agradecimentos, gritou:

“ Quando vocês voltam? “

Artistas Presentes no FESTIVAL FICAR: 

Planeta Zulpeta- Cia Fenomenal (Argentina/ Brasil) @julieta_zarza @ciafenomenal

Cenas Clownssicas 3.0- Clowns de quinta (Alagoas) @clownsdequinta

Uma Noite de Mágica e Surpresas- Mágico Jesús Rojo(Espanha) @magicojesusrojo

Palhaços Bruguelo @palhacobruguelo (Mestre de cerimônia)

Sururu Circo_ @sururucirco

Circularte- @Circularte

Kamila Mesquita- @ Kamilamesquita

Rapha Santacruz- @raphasantacruz

Os Mutantes- @osmutantes

Coletivo No Vermelho- @coletivonovermelho

O Matuto- Mágico Rapha Santacruz - (Recife)@raphasantacruz

“Cuidado um palhaço mau pode arruinar sua vida"- Palhaço Chacovachi - (Argentina) @payasochacovachi

Coordenação de Produção: Julieta Zarza

Produção: Arthur Martins, Ivanildo Picolli, Victor Satti, Yolanda Ribeiro, Mirella Pimentel, Ana Galganni, Rafael Fonseca, Eva

Coordenação Mesa Redonda UFAL: Marcelo Gianini, Ivanildo Picolli

Palestrantes: Peró de Andrade, Henrique Nagope, Ivanildo Picolli, Waneska Pimentell, Julieta Zarza.

Curadoria: Julieta Zarza

Locução: Ana Galgani

Rádio Ficar: Arthur Martins

Realização: Cia Fenomenal, Panta, Cultura em Madeira

Fotografia: Benita Rodrigues, Amanda Moa, Mayra Costa

Vídeo: Luiza Leal, João Paulo Procópio, Mayra Costa, Piracema Estudio, Pavirada Filmes, Cinepopeia - @cinepopeia

Drone: Cinepopeia



Coordenação e Curadoria Feirinha Fenomenal: Renata Cordeiro

Festal 2019: Um festival inteiro para Elza!

Tessitura _ Bruno Alves

Elza caga na rua
no Largo de Santa Cecília
não limpa a bunda
nem por isso morreu ainda
a guarda metropolitana não ousa prendê-la
não há nada no código penal
que diga que cagar em via pública é crime
se tivesse, Elza cagaria do mesmo jeito
dizem que Elza não tem juízo
os sem juízo
são imunes perante Deus e a polícia
e nem sequer sabe da existência de papel higiênico
Miró da Muribeca


   Elza, da pele negra, pouco mais de trinta anos, com aparência de mais de quarenta pelo desprezo da vida. 

   Elza é moradora da Praça Sinimbú, junto com muitas Marias, Josés e crianças sem infância. Ela conhece aquela praça, porque é sua morada. Sabe de quem passa todos os dias, sabe das coisas que acontecem quando a noite cai. Sabe dos estudantes de arte que atravessam sua casa todos os dias em busca de conhecimento. Ela sabe, talvez poucos saibam dela.

   Há uma distância histórica que separa Elza daquele Espaço Cultural. Elza poderia ser parte dele também, mas a rua lhe coube como casa e lugar de acolhimento.

   Elza talvez não soubesse, não lhe foi pedida autorização para que na sua sala acontecesse um festival, o 5º Festival de Artes Cênicas de Alagoas - Festal, que pelo segundo ano ocupa aquele mesmo espaço que ela.

   Mas Elza fez questão de receber o público e abrir o festival.

   Era o dia 17 de outubro às 17h, quando a Orquestra Pedagógica da UFAL, conduzida por Miran Abs, uma maestrina negra como Elza, começou a reger o repertório daquela tarde em plena praça pública. Não demorou para que Elza fosse a mais próxima do palco e de baixo começasse a reger junto com Miran aquela orquestra universitária.


   Certamente um cena engraçada, poderíamos pensar de primeira, ao ver uma mulher com roupas sujas e embriagada reger uma orquestra inteira, mas foi no meio dessa graça que a atriz/palhaça Wanderlândia Melo me olhou e perguntou-me:

“O que foi que impediu Elza de estar lá naquele palco?”.

   Sem espaços para risos de escárnio e com essa reflexão estava aberto o 5º Festal na Praça Sinimbú.

   Um espaço histórico de ocupação de artistas em Maceió, que em outras décadas teve por ali a instalação de um circo que serviu de escola para muitos artistas que conhecemos e admiramos hoje.

   É nesse espaço também que se encontram os cursos de formação em licenciatura de Dança, Música e Teatro, além da crescente expansão da Escola Técnica de Artes, um espaço de referência em formação para muitos artistas. 

   Muitos artistas da minha geração tiveram seu caminho trilhado dentro daquele espaço. É um lugar, para muitos de nós, de lembranças de um começo de caminhada e até hoje continua sendo um espaço de abertura e acolhimento de muitos que querem seguir a carreira artística e/ou docente.

   Pelo segundo ano o Festal mira esse espaço como um lugar em potencial para o diálogo com a cidade e os artistas que por lá se formam. 

   Pensando nesse espaço de formação a curadoria do Festal escolheu como oficina a proposta do Coletivo Filé de Críticas e sua “Tessituras Cênicas” para ampliar o pensamento crítico dos estudantes em formação e dos artistas veteranos que por lá também circulam. Foram quatro dias de oficina com um espaço de intensa troca entre participantes e em alguns momentos com artistas que por lá apresentaram seus trabalhos.

   Vale destacar que durante os dias 17, 18 e 19 o Festal dedicou uma intensa programação gratuita para a população alagoana, com atividades nas salas do Espaço Cultural, um palco no meio da Praça Sinimbú e a participação da Feirinha Empoderada. Com isso o Festal propôs para a Praça Sinimbú um espaço de convivência, no qual as pessoas podiam ficar na praça, se relacionar com ela e apreciar o espaço público como espaço de troca, encontro e apreciação artística.

   As/os estudantes da Escola Técnica de Artes e dos cursos de Licenciatura foram convidados a compor a programação com os trabalhos que realizam ao longo do curso e da conclusão de disciplinas. Durante os três dias tivemos uma programação extensa das atividades dos estudantes. Linguagens distintas, temas que iam da autoaceitação, ao empoderamento e pertencimento a um grupo e principalmente as questões políticas tão presentes e perturbadoras do nosso tempo. Não houve muito tempo para se discutir as obras apresentadas. A programação extensa quase não dava brechas para um bate-papo sobre o que era apresentado, mas isso não foi um problema, pois o Festal por lá celebrava a resistência e o surgimento dessas criações que precisam cada vez mais romper com os espaços da academia e se aproximar de outros públicos.

   No sábado 19 de outubro, último dia de Festal, tivemos além da programação dos estudantes/artistas, a apresentação de dois espetáculos selecionados pelo edital do Festal 2019.


   O primeiro espetáculo foi “Geni - Não Recomendada”. Uma narrativa intensa e visceral que diante de sua força e entrega nos causou sensações das mais diversas. Vimos crescer a narrativa e os artistas arriscarem mais em sua musicalidade e atuação. Causa-nos incômodo o discurso do opressor que de tão realista chega a sufocar-nos com tamanha agressividade. Como não deixar vencer essa narrativa opressora? Como encontrar o tom de nuances na narrativa em que tenhamos momentos de alívio? Precisamos de alívio diante das questões levantadas? São questões que levanto diante da potência do que foi apresentado.


   O segundo espetáculo “Sentido Contrário” de Avaristo Martins é uma obra difícil de assistir. Por ter visto Avaristo em outros trabalhos durante sua passagem pela Escola Técnica de Artes, reconheço sua capacidade enquanto ator de se entregar e realizar um bom trabalho, mas em “Sentido Contrário” não é possível estabelecer uma relação de empatia com o personagem e com a obra apresentada, pois ele entra em uma viagem introspectiva ao ponto de nos anular como plateia. Nem mesmo quando este chega a convidar uma pessoa da plateia para compor a sua cena acontece uma troca, pois quando essa pessoa lá chega, ele a ignora, não sabemos o motivo que o levou a chamá-la no palco e vemos apenas uma pessoa sendo abandonada em um palco sem estabelecer relação nenhuma com aquela narrativa. Mas isso vai além desse momento, pois a dramaturgia não nos aproxima, não nos dá um sentido, ficamos contrários aquela história que não entendemos, pois até mesmo o tom de voz baixo nos distancia do que ali acontece. O ator é quem escreve e dirige o espetáculo,  o que não é um problema, pois muitos atores e atrizes se dirigem e escrevem suas histórias, mas talvez a falta de um outro olhar sobre aquilo que ele propõe tenha levado Avaristo a caminhar cada vez mais em uma viagem introspectiva que não se abre e não nos convida para o acontecimento teatral.

   Todas as noites o Festal encerrava sua programação com um show convidado em seu palco na praça. Era momento de todas as pessoas presentes celebrarem mais um dia de festival, mais um ano em que nos reuniamos para celebrar as nossas artes cênicas. Lembro que em 2018 esse mesmo espaço cênico deu lugar a uma assembleia dos moradores de rua, os quais discutiam com pessoas do Consultório na Rua, melhores condições para as suas existências.

   É no show, no teatro, na dança, na performance e no circo no meio da praça que acontece o ato político do Festal. Artistas, moradores de outros bairros e moradores da praça se juntam para celebrar aquele momento.

   Diante de um momento em que as verbas e os ataques para a cultura se intensificam, o Festal promove uma ação de dignidade, democratização, humanização e descentralização dos fazeres em artes cênicas. E é preciso ressaltar a palavra ação. O Festal não segue como reação aos ataques, é claro que ele nasce muito mais como uma resposta a ausência de políticas públicas e de um festival que nos represente em Alagoas, mas para além desses motivos que nos aproximam ele é uma ação que se solidifica a cada ano, mostrando alternativas, possibilidades de uso do espaço público, de democratização do acesso às artes, de aproximação entre artistas, entre públicos diversos também e a descentralização dos espaços convencionais.

   O Festal é da Praça Sinimbú, como é do Vergel, do Bom Parto, da Cidade Sorriso, da Garça Torta e de todos os bairros de Maceió. É também desse estado, porque nasceu nele e é feito por artistas que nele habitam. Assim como foi para esses espaços, poderá se ampliar para outras cidades e espaços, poderá por que é feito por artistas que acreditam na coletividade e na aproximação com as pessoas, pois do contrário, sem essa aproximação, não existiriam essas linguagens.

   O Festal foi um festival inteiro para Elza que pode conhecer artistas, que pode ser artista por alguns minutos também, enquanto regia a orquestra universitária. Foi para Elza, porque esteve no lugar em que ela mora, porque dividiu com ela o mesmo espaço, porque sabem que em outro tempo e forma de construir a história, Elza não seria uma moradora de rua, mas uma artista que teve a oportunidade de estar próximo da arte desde cedo, como todos deveriam. 


Foto 1_ Benita Rodrigues
Foto 2 e 3 _ Xanda Souza

Festal 2019: “Sonho que se sonha junto é realidade”

Tessitura _ Thiago Sampaio

   No dia 11 de outubro de 2019, a Cia Insanos – Teatro Camboio de Doido levou à comunidade do Bom Parto o seu espetáculo “Sonho”. Participando da programação do Festal 2019, o grupo sediado em Taquarana encontrou no terraço do Quintal Cultural um público acolhedor e participativo, construindo uma experiência digna do universo onírico – sempre breve, inusitado e com gosto de repeteco.


   O espetáculo trata de dois viajantes, duas figuras que transitam entre crianças em fuga e artistas de rua. Como num sonho, as definições são vagas. Importa que nesse caminhar estas duas figuras inventam histórias, fazem bolas de sabão, puxam conversa com os outros, cantam e se provocam a fim de preencher a viagem de sentido, tornando-a menos cansativa ou frustrante.

   Há uma certa irregularidade no ritmo do trabalho. O início, por exemplo, se dá num misto de languidez e apatia, um estado de corpo que não deixa claro o seu sentido, um tom de melancolia, talvez. Porém aos poucos esse clima se transforma e o sonho ganha mais nuances e variações rítmicas. Para no final retomar aquela atmosfera de desencanto. 


   São de histórias que essa viagem se constitui. A menina que maltrata a mãe e vira cachorro, o vendedor de pomada que cura tudo, o passeio de trem e outras situações sempre preenchidas de bom humor vão costurando aquela breve experiência com o sorriso espontâneo do público.

   É tudo simplicidade o que se vê, não no sentido pejorativo, mas na criatividade em lidar com limitações de recursos que se impõem ao artista alagoano. Igor Rozza e Rackel Vieira constroem com significativa inventividade o universo desse trabalho. Figurino, adereços, maquiagem compõem uma unidade coerente e embora um ou outro careçam de ajustes, preservam a devida coesão das escolhas. O princípio que rege este trabalho é o da certeza de que é preciso fazer, realizar, não refrear as ideias por conta das adversidades. Mas sim, entendê-las e driblá-las na medida do possível. Neste percurso o próprio trabalho aponta as soluções para as dificuldades e se reinventa.


   Destaque à parte para a sintonia entre os dois artistas, que se divertem junto com o público e demonstram habilidade suficiente para lidar com interações imprevistas, reconduzindo os momentos de desvio com sutileza e espontaneidade. Se de um lado o Igor Rozza abusa das máscaras faciais e das diferentes vozes para cada um dos seus personagens, a Rackel traz um olhar e uma atitude quase brechtiana, no sentido de nos lembrar que aquilo é teatro, que não há personagem, mas sim uma atriz brincando de ser, nos lembrando que sonhar não significa necessariamente se desvencilhar por completo da realidade. Ao contrário, é preciso manter-se acordado para concretizar os desejos.

   Quem teve a oportunidade de prestigiar a apresentação do espetáculo Sonho naquele dia 11/10 pôde voltar para casa mais leve e com um sorriso bobo de um sonho bom no rosto. Ver a criançada e muitos adultos cantando junto, rindo alto e dialogando com o ator e a atriz foi revigorante. Uma experiência voltada à infância e juventude construída sob o signo da simplicidade e da espontaneidade, capaz de instigar a imaginação do público sem subestimar sua inteligência nem abusar de clichês. 


   O Festal atestou uma vez mais que a produção cênica de Alagoas não está restrita à capital. A Cia Insanos tem exercido papel decisivo nesse processo, envolvendo-se na construção desse cenário de maneira generosa e criativa. Tem valido a pena sonhar junto com a transformação desse contexto, onde a arte não deve ser adereço ou artigo de luxo, mas presença constante em nosso cotidiano.

Serviço:
Ação _ Festal 2019
Etapa _ Bairro Bom Parto
Espetáculo _ Sonho
Realização _ Cia Insanos - Camboio de Doido
Fotografias _ Jadir Pereira

Festal 2019: O IMPORTANTE É NÃO PARAR DE CAMINHAR

Tessitura _ Felipe Benicio 

   A quinta edição do Festal teve como proposta levar oficinas e espetáculos artísticos para diferentes bairros da cidade de Maceió. Um gesto importante na descentralização do acesso às produções artístico-culturais realizadas nesta cidade, que acabam ficando concentradas em bairros como Centro e Pajuçara. Em tempos de severos ataques à cultura em nosso país, em que até mesmo a palavra “educação” é vista como “ideologizada”, agir no sentido de uma democratização da arte foi um dos grandes méritos do Festal deste ano.   

   Em sua circulação, um dos bairros contemplados pelas ações do Festal foi o Bom Parto, comunidade que abriga um importante espaço de resistência e arte em Maceió, o Quintal Cultural. Idealizado por Rogério Dias, desde 2007 o Quintal Cultural oferece atividades recreativas, educacionais e culturais às pessoas que residem no Bom Parto, sendo também o local onde são realizadas apresentações teatrais e musicais de artistas alagoanos/as. 



   Fui ao Quintal Cultural primeira vez há mais de 10 anos. Estava com o grupo de teatro da escola, o Albatroz – Poetas do Poente, coordenado pelo professor, ator e poeta Nildo Santos. Naquela ocasião, fizemos uma apresentação que tinha como elemento principal a declamação de poemas. À época, o Quintal Cultural era isso mesmo: um quintal, com chão de barro batido e uma pequena arquibancada de madeira, sem qualquer proteção contra a chuva. Mas à época, assim como hoje — quando estrutura física passou por melhorias —, o aspecto cultural é o elemento que traz mágica ao lugar.  


   Em outubro, fui convidado pelo Filé de Críticas para ir ao Quintal Cultural fazer a cobertura das atividades do Festal no Bom Parto, mais especificamente no dia reservado ao sarau — evento realizado sempre no último dia do Festal em cada bairro, e que congregava diversas linguagens artísticas em sua programação. O dia do sarau calhou de coincidir com o evento do dia das crianças organizado pelo Quintal Cultural. A princípio, uma ótima coincidência. Mas, na prática, as coisas não funcionaram tão bem assim. 




   As atividades tiveram início às 16h com o recital das crianças que participam do reforço escolar oferecido pelo Quintal. Foi lindo vê-las recitando poemas de Manuel Bandeira e Cecília Meireles, no melhor estilo jogral, algumas muito tímidas, outras mais desinibidas. Depois do recital, uma vez que o espetáculo Reves, da companhia teatral Os Vernetras, havia sido cancelado, quem assumiu o palco foram os B-boys do grupo Quilombrothers Crew, com seus malabarismos corporais que são sempre uma atração e tanto. Por fim, à noite, houve o show de brega-pop do cantor Hadrian Vicary.   



   Mas, em algum momento, ficou claro que o sarau do Festal e o dia das crianças promovido pelo Quintal Cultural eram dois eventos distintos. Por duas vezes, a programação do sarau foi interrompida: em uma, para a brincadeira do quebra-pote; em outra, para que os advogados e as advogadas da Acrimal pudessem entregar os presentes para as crianças, pois — citando a justificativa dada pelo próprio Rogério Dias — eles/as tinham hora para ir embora. Nesses momentos, as atividades que estavam ocorrendo ou eram pausadas ou apresentadas para um público muito reduzido, composto pelos/as membro da organização do Festal. Uma pena, afinal, quando pensamos em duas excelentes iniciativas culturais unindo forças para a realização de um evento, esperamos uma ação mais estruturada, uma maior articulação — o que, por algum motivo, não pareceu ter ocorrido de todo.  


   Isso, claro, não diminui a importância das duas iniciativas — tanto o Festal quanto o Quintal Cultural —, uma vez que ambas, hoje, são importantes trincheiras desse movimento de democratização da arte e do acesso à cultura em Maceió. A experiência, creio, há de ensinar os passos desse caminhar em conjunto. O importante é não parar de caminhar. 


Serviço:
Ação _ Festal 2019
Etapa _ Bairro Bom Parto
Fotografias _ Jadir Pereira

Festal 2019: Ocupar os olhares pela Arte



Tessitura: Lili Lucca


No dia 04 de outubro de 2019, me dirigi para mais uma edição do FESTAL, Festival das Artes Cênicas de Alagoas. O Festival em sua 5ª. Edição saiu percorrendo caminhos em Maceió e ocupando espaços com arte. Eu nessa caminhada juntamente com o FESTAL, fui até a Avenida A, 881 no Vergel do Lago, para lá conhecer o Instituto SERVIR e as crianças que lá haviam. Cerca de 45 crianças ou mais estavam em suas atividades dentre elas, o esporte que ocupava a maioria dos meninos e meninas na quadra.

Vergel é um bairro pouco visitado por nós que habitamos Maceió, é um b
airro privilegiado de belezas naturais a beira da Lagoa, foi muito explorado pelo capital em seu passado, uma área de beleza inigualável onde reside o povo que é esquecido pelo estado, o caos e a precariedade em que se encontram esses moradores nada mais refletem o que se fez, e ainda faz a civilização que ocupa essa cidade. Quando só passamos pelo vergel e não paramos para lutar/olhar por eles, estamos ao mesmo tempo deixando de lutar pela cidade e por nós mesmos. A beleza natural ainda está lá, se esconde no descaso e desordem social, mas pode renascer se olharmos nos olhos de quem vive ali e juntos fizermos uma cidade melhor. Quem está disposto a parar? Ainda temos outros locais para habitar, não é mesmo? Até quando, não sabemos, qual será o próximo abandono e descaso?



O FESTAL, quando ocupa lugares, busca através da arte uma nova forma de conversa, e ela acontece pelo olhar para arte. Para sermos melhores é necessário que mais do que se escrever, se crie e se coloque em ação práticas que nos tornem melhores não apenas no dizer, mas de fazer. E ir até o Vergel, mas precisamente até o Instituto Servir, é ir ao encontro, estar próximo a essas crianças. E compartilhar de seus impulsos de curiosidade e alegria ao receber apresentações em seu lugar cotidiano e de busca de uma nova alternativa.

Havia nas crianças um afastamento, um olhar de longe curioso a essa gente que se chegava, essa gente o que fazia lá? Uma ou outra criança mais curiosa, que olhava pra você diretamente. Mas era mais fácil ir até o professor pedir a bola e continuar jogando. Alguns meninos queriam mesmo era a bola. Aos poucos um ou outro perguntava o que ia ter. Até chegarem os instrumentos e a quadra de esportes se transformar com a presença do Batuque Mundaú. O grupo Batuque Mundaú é um grupo de percussão criado em 2014, formado majoritariamente por jovens e adolescentes da Comunidade Mundaú, localizada às margens da Lagoa Mundaú, no bairro Vergel do Lago. Ao bater do primeiro tambor na quadra, chamados pelo produtor do FESTAL, as crianças organizaram a plateia para ouvir a batucada ecoar. Algumas crianças ensaiaram passos timidamente sentados, outrens levantaram e de canto fizeram seus passinhos, outros apenas com os olhos atentos ao som da percussão que os meninos faziam,esses que tocavam estavam se divertindo ao tocar. Creio que alguns dos meninos e meninas ali na platéia se refletiam naqueles por de trás do instrumento. Poderiam eles estar do outro lado tocando? Ter a apresentação ali pode ter se tornado um convite a música, porque não? No final da apresentação do Batuque Mundaú, alguns meninos da plateia foram até os instrumentos tocar e sentir a vibração com suas próprias mãos. Mas foi algo rápido, os mais pequenos empolvorosos estariam à procura da Palhaça que teria sido anunciada no início da tarde.

Era PLANETA ZULPETA, que aterrizava no Vergel com muita magia e alegria do seu pequeno planeta circo. Como no circo ela se apresentava, trazendo todas as crianças para seu aquecimento e as convidando á imaginar. Todos ali foram convidados a participar, teve uns subiram ao palco e experimentam a mágica ao seu lado, participam dela. Como num filme com claquete e tudo, as mágicas acontecem na nossa frente. Em meio a um truque e outro as crianças vibravam e cada vez mais queriam se aproximar do palco, para descobrir e entender como aquele “milagre” da mágica acontecia.


E elas se tornavam cada vez mais próximas a Zulpeta, que se apresentava repetidamente fazendo se íntima, se apresentando e na sequência reconhecendo algumas crianças pelo nome. E elas que tímidas no começo da tarde olhando de longe, cada vez mais se aproximavam. Diálogo, que a palhaça Zulpeta constrói com o público permitindo que todos estivessem ali pertinho dela. Fácil não foi, mas a palhaça tornou se comum aos pequenos espectadores.

Em meio a apresentação fiquei pensando:

Onde o circo habita em nós? Porque ele habita? Em lugar leve, lindo? Em um lugar de sorrisos simples de vida completa? Todos ali somos em algum momento captados pela palhaça Zulpeta e levados pelas suas simples magias e adereços, levados a um lugar de sonho de brincadeiras e de acreditar. Acreditar que com magia e simplicidade a vida é encantadora e que pode ser bonita com pequenas coisas. Acreditar que por mais que seja um truque, uma arte, a vida pode ser um cenário para esse olhar de encantamento. Quando a arte é atravessamento ela permite a gente sentir. Como um respirar de sonhos e acreditar, mesmo se na sequência nós precisamos acordar.



Aos poucos a plateia foi esvaziando, era chegada hora de algumas crianças partirem. Mas teve aqueles que ficaram até o final, e viram a magia das bolhas de sabão e invadiram o palco, como não ir atrás daquelas bolhas? Era necessário estoura-lá. A Cia. Fenomenal, levou para o Vergel um singelo e bonito espetáculo e nos mostrou que a magia das pequenas coisas está na gente, na presença e em como vemos o outro. Julieta, a atriz de Zulpeta consegue capturar-nos para circo, sempre. Parece que ela sabe, que de alguma forma o circo habita em cada um de nós. É como se a lona fosse feita do encontro da arte circense e seu público. As crianças saíram dali com a alegria do circo e com a dúvida da mágica, com o desejo do sonho e a dúvida do truque. Com perguntas de “como aquilo aconteceu?” Saíram dali com uma dose de fantasia, como nós saímos. 

Esse foi o primeiro dia, que o FESTAL chegava ao bairro do Vergel, ainda seriam promovidas outras ações de arte na comunidade que foi um dos 5 bairros escolhidos para essas ações. Porém como já dito aqui, um bairro esquecido pelo estado sofre diariamente com esse descaso, com anúncios e relatos de violência foi necessário o cancelamento das demais ações. 

Apresento uma parte do informe feito via BLOG do FESTAL, nas palavras de Thiago Sampaio:

“A comunidade encontrava-se recolhida. Não seria prudente ignorar este sinal.

Voltamos para casa tristes e desanimados com mais uma derrota da arte e da cultura em nosso País, em nosso Estado. Os tempos não estão fáceis. Entretanto, continuamos certos de que não devemos soltar nossas mãos. Juntos ainda é a melhor maneira de continuar, de resistir e de criar. O Vergel é um bairro estigmatizado pela sombra da violência, do descaso e da sujeira. Em contextos como esse, desprivilegiado em todos os sentidos, a criatividade e a inventividade são armas poderosas e indispensáveis para suportar as pressões do cotidiano. O Quintal Cultural é um retrato exemplar deste fato. Um espaço mobilizador de ideias, de criações artísticas, de debates políticos e de ludicidade. O Quintal Cultural abre uma fissura na visão preconceituosa sobre a comunidade em que está inserido. Firmar parceria com este centro cultural foi uma honra para nós. Esperamos, ansiosos, por outras oportunidades como esta.” 

As ações que iriam acontecer juntamente com o Quintal Cultural e o Projeto Lagoa Aberta, foram canceladas, mas é necessário como disse Thiago, no relato acima, é preciso sermos mais criativos e nos unirmos para por meio da invenção de ideias, buscar outras formas de resistir ao cotidiano que muitas vezes afasta o olhar e nos afasta dos outros, como nos afasta do Vergel e daqueles que ali residem.

Ver o FESTAL presente nesses espaços e criar possibilidades de aproximar o olhar, daqueles que apenas olham de longe, trazer esse olhar pela e para a arte. Não quero aqui romantizar o papel da arte, ela é política e tem que ocupar esses lugares sendo luta, verbo e ação em suas expressões. Mas trazer esse olhar sensível de quem se afeta pela arte e se aproxima dela é o trabalho diário de todo artista. Aonde sua arte chega? Quem ela atravessa pelo caminho? Com que dialoga? O que conversa? O que ela traz em seu discurso?

A beleza da arte está em ela ser transformação diária, pela emoção ou pela razão. O FESTAL na sua 5ª. edição transformou vidas, não podemos definir em que lugares ele tocou, mas essa passagem da arte por esses lugares, virou memória na vida de quem experienciou a arte e se transformou no instante da ação do artista. Arte por todos os lugares da cidade, para transformamos a vida cotidiana por alguns minutos pelo olhar. Que o FESTAL e esses artistas continuem a caminhar.




ARTISTAS PRESENTES:

Batuque Mundaú- @batuque_mundau_oficial
Planeta Zulpeta/Cia Fenomenal- @ciafenomenal
Instituto Sevir- @iservir

Fotos: Jadir Pereira

Festal 2019: Cultivo da oralidade africana: um presente do Coletivo Heteaçã a Alagoas


Cultivo da oralidade africana: um presente do Coletivo Heteaçã a Alagoas

Tessitura: Thiago Sampaio*

O espetáculo “Filhos do céu e os corações de tambor”, apresentado no dia 28/09, no Bar do Titio (Garça Torta), compondo a programação do Festal 2019, é tramado entre histórias, cantos e batidas ligadas à oralidade de tradição africana. Nesse contexto, aqueles que tem coração de tambor, que dão ritmo à aventura humana na terra, se deparam com a força, ora impiedosa, ora generosa dos Filhos do Céu. 

O ser humano que há séculos insiste em se ver um outro totalmente distinto do que ele chama Natureza é revelado nos seus instintos mais primitivos. Entre medos, amor, raiva, tristeza e alegrias, os personagens das histórias contadas nos falam dos desejos, do orgulho, da coragem e das contradições inerentes a quaisquer relações humanas, seja de tempos longícuos ou das que nos envolvem atualmente.




A narrativa é uma luta entre o desejo de lembrar e o medo de esquecer, de não ser esquecido. Celebrar essa prática é cultivar o campo de memórias que dá sentido e alimenta a existência das sociedades humanas. As diversas culturas africanas sabem disso e o fazem com excelência, talvez mais do que qualquer outro povo, pois num cenário onde a miséria e o sofrimento é condição em grande parte do seu território, os contos, cantos e danças, enfim, sua arte ajuda o povo a não perder de vista sua riqueza, sua força e sua relevância diante do mundo e, especialmente, do Brasil.

Contar histórias não diz respeito somente a falar do que já passou. No ato de remontar um acontecimento, seja ele mitológico, fictício ou fiel à realidade, o narrador também fala do futuro, daquilo que atravessa os tempos mesmo quando já não deveria se repetir e do que é importante levar adiante. Por isso que questões como machismo ou o preconceito e a bandeira da diversidade são iluminadas, oportunamente, de modo a não deixar o público esquecer que é também sobre o nosso tempo que aquelas histórias tratam.

Mas manter alguém atento à história que se conta exige não apenas habilidade de saborar as palavras. A conexão também prescinde da troca profunda de olhares, do gesto que não somente ilustra o que se diz, mas que expande a paleta de cores responsável pelas nuances e contrastes ali presentes. Nesse sentido, o espetáculo demonstra certa inconstância, o que o fragiliza em alguma medida, sem contudo prejudicar sua totalidade, pois o ambiente sonoro que o compõe, ao mesmo tempo em que desenha com contundência a identidade do trabalho, auxília no ritmo e no colorido dos momentos menos envolventes da experiência.



O Coletivo Heteaçã é um presente para o cenário cultural alagoano. Seu repertório de espetáculos bem como sua atuação nos bastidores da cena tem oxigenado positiva e significativamente as relações entre público e artista e a própria classe internamente. Sua participação na edição 2019 do Festal, uma presença constante desde o início desse processo, é motivo de orgulho. 

“Filhos do Céu e os corações de tambor” compõe esse repertório aliando ludicidade e função política da arte de maneira quase insuspeita. Talvez não seja o trabalho mais potente do grupo, mas certamente é parte muito importante de uma(s) história(s) boa(s) de se ouvir.


*Thiago Sampaio é integrante da Cia. do Chapéu, professor e atuou como colaborador da Cobertura Crítica no FESTAL 2019.


ARTISTAS PRESENTES:

Coletivo Heteaçã - @coletivoHeteaça

Fotos: Jadir Pereira

Festal 2019: O destino do Sorriso Ignoto



O destino do Sorriso Ignoto

Tessitura Cênica: Jocianny Carvalho



Ô viajante fica se te apraz, parte se é preciso. O que importa é sempre buscar o ignoto. Lula Nogueira



Dentro de uma Maceió existe uma singular cidade, ela merece essa nomenclatura por ser particularmente livre, dentro da sua estrutura organizacional ela tem sua própria atividade cultural, industrial e financeira. O sorriso é custoso, recôndito e apartado. Para conhecer é necessário a vontade, um olhar fraterno e curiosidade. A nossa moeda é a mesma, nossa língua e o valor da passagem de ônibus, mas o significado… Esse é bastante antagônico. Não só se gasta horas para encontrar o local no google maps, como presencialmente se gasta horas para assimilar tudo que esse espaço propõe.


O fato é este: Cidade Sorriso, com uma insolência desmedida, esta que vos escreve pretende ser grata e respeitosa contigo, julgando te conhecer infimamente dentro de sua amplidão. Afora esse encargo tem a questão da escolha, essa eleição por parte da 5ª edição do Festival de Artes Cênicas de Alagoas 2019 que nos provoca enquanto artistas a ir aonde o povo está. E nos inquieta com várias questões: É preciso um palco para ser um artista? O público de Alagoas se reduz a cada dia ou eu reduzo minha arte a um local específico? O quão longe eu posso ir dentro do meu próprio chão? Reconhecendo a bravura, urgência e humanidade da organização do FESTAL, penso falar por toda a classe artística quando digo: Gratidão. Dentro de suas possibilidades reafirmaram o indispensável para ser um artista, o outro. 


A programação do dia foi gradualmente cativando a atenção dos moradores, o Grupo Senzala Capoeira iniciou as apresentações e de forma muito contida nas laterais o povo observava, como quem observa à espreita para criar sua própria opinião sobre o que é visto. Logo na tardezinha veio com sua musicalidade ancestral a contação “História do Lar...de lá” com Toni Edson, os sorrisenses já pensavam em ir para o centro, ainda de forma comedida, alguns recriaram a forma infantil de receber histórias e sentaram diante do palco para ouvir, e cada história trazia uma experiência como a da menina Fanatu, que nos lembra a importância de voltar para casa.


O consentimento foi explícito de vez quando a Companhia Hip Hop começou a relatar o real, e todos os presentes se reuniram, os de fora e os dali e ouviram por um tempo o que aquelas vozes queriam dizer, os dali se reconheceram e os de fora identificaram-se por meio de empatia e foi um momento perdurável. 


“A onda leve não traz a margem. (...) Vai fundo, vê se sobrevive.” - Companhia Hip Hop


O coletivo Afro OGBON com seu ritmo forte e presente acessou o imaginário da criança dentro de nós, e nos convidou sonoramente a participar, de forma muito parecida nos atravessou o Coletivo Afro-Caeté, com uma singela diferença que aquela presença feminina quase total causou ali, o olho que brilhava das que assistiam e o acompanhamento forte da música saindo dessas meninas fez parecer que naquele momento elas tinham voz e vez, sui generis.

Tudo era muito atípico para um viajante, mas o artista precisa necessariamente ser confrontado, e estamos acostumados a sermos confortados. Um lugar muito corajoso escolheu o Coletivo Mambembe com o espetáculo In Progress, que aterrissou bem no meio da enorme euforia. A euforia causa diferentes reações a diferentes tipos de pessoa, ela pode ser tão incontestável que a pessoa não para de sorrir nem um segundo, e ela pode ser tão grandiosa em nós que sentimos necessidade de expulsá-la até mesmo de forma afrontosa. 



O espetáculo contava com uma cenografia bem circense, assim como o figurino e a maquiagem, e tudo girava em volta da caixa e o grande mistério que teria dentro dela. A dinâmica dos três palhaços em cena (Cafifofi, Criatura e Taquarana) é a marca mais significativa, a forma como se conectam com o espectador e com a cena, é de onde surgem os sorrisos mais sinceros. A performance entre os três é tão acalorada, que quando se põem sozinhos em determinadas cenas perde-se um pouco dessa energia, e acabamos procurando os outros com o olhar, e achamos imersos em outra ação. No teatro de rua estamos sempre em cena, por que nunca se sabe de onde vem o olhar, não estamos no nosso espaço cênico confortável, mas no espaço cênico indomável. Certamente foi o espetáculo onde o Coletivo Mambembe mais foi confrontado, e por isso extremamente cheio de ensinamentos, como o nome do espetáculo certamente já demonstra a sabedoria de nunca dar um ponto final, continuem avante! Dentro de sua incontestável impavidez, o coletivo se mostrou feito por artistas.

Todos esses escritos acima, a qualidade
 do encontro e o que reverbera em nós, faz surgir questões: Que tipo de artistas somos se não conhecemos nosso lugar? Se nossa busca não for sempre essa de seguir ao ignoto, somos artistas? Que tipo de vandalismo egocêntrico é esse que fala de mim e não fala de onde estou? Que onda leve é essa que nos transforma em ilhas solitárias em um terreno tantas vezes utilizado que já não é mais fértil? Por que escolho estar na ilha se posso conhecer a cidade? 

A cidade Sorriso expõe toda sua curiosa forma de ser sobrevivente, conta com a existência do Mestre Cabelinho e sua Banda Afro Dendê e se mantém insubordinada diante de um cenário cultural quase que excludente, alcançou o topo e nos dá lição de: Juntar, Criar e Resistir!








ARTISTAS PRESENTES:

Grupo Senzala Capoeira - @capoeira.senzala.alagoas

Toni Edson - @tonidiscipulo

Companhia Hip Hop - @

Coco de Roda Barreiros das Alagoas - @cocoderodaBarreirosdasAlagoas

Coletivo afro OGBON - @ogbonoficial

Coletivo Mambembe - @coletivomambembe

Coletivo Afro-Caeté - @coletivoafrocaete_al

Banda Afro Dendê - @afro_dende_9685

FOTOS: Benita Rodrigues


Aldeia Arapiraca 2019: Chocobrothers (SP)

     Tessitura _ Bruno Alves

     Chocobrothers é um espetáculo circense do grupo homônimo que circula o Brasil pelo projeto Palco Giratório. Tivemos a oportunidade de assisti-lo na tarde do dia 18 de setembro na Escola Pedro Correia das Graças, durante a programação da Aldeia SESC Arapiraca 2019.

     É um show de habilidades circenses que vão de malabares, barra fixa e equilíbrio, composto pelos personagens Jeniffer, James e Brian.


     O circo se instalou na escola. Crianças, adolescentes e funcionários romperam a rotina escolar para vivenciar uma aula diferente. O circo dentro da escola ampliou as possibilidades de diálogo entre artistas e comunidade escolar, trazendo uma troca direta e sincera entre todos que estavam presentes.

    As habilidades dos artistas impressionaram a todas as pessoas presentes. Uma trilha sonora divertida que nos fez rir e vivenciar de perto os anos de 1970.

     O mais legal de Chocobrothers é quando eles brincam com a inabilidade, e isso vai se mostrando com as repetidas tentativas do desastrado James de se equilibrar sobre o cilindro. Rimos do “não conseguir” e isso se torna uma potente metáfora da vida, na qual muitas vezes somos forçados sempre a acertar. O fato de trazer o riso para o “não conseguir” aproxima os artistas de muitos de nós que assistimos. Nos impressionamos com as coisas que são capazes de fazer, mas nos reconhecemos quando brincam de errar, mostrando que pode ser divertido até mesmo o erro.



     Com coreografias bem ensaiadas, é divertido ver como aqueles corpos brincam com tamanha força e nos trazem o reflexo de uma época que aquelas crianças não viveram.

     Um espetáculo que nos entretém e nos faz sorrir da vida. É uma sensação de renovação pelo riso que causa quando assistimos. Fomos ali crianças, todos nós, mergulhados na experiência do circo.

Espetáculo: Chocobrothers 
Chocobrothers (SP)
Fotografias: Frederico Ishikawa
Revisão: Felipe Benicio

Aldeia Arapiraca 2019: A mulher braba - Cia LaCasa (AL)

Tessitura _ Bruno Alves

    No calçadão do comércio da cidade de Arapiraca, assistimos na tarde do dia 19 de setembro ao espetáculo A Mulher Braba, da Cia LaCasa, durante a programação da Aldeia SESC 2019.

     O espetáculo é uma adaptação de Abides Oliveira do texto espanhol de 1335 O moço que casou com a mulher braba, de Don Juan Manuel.

     O espetáculo possui um elenco experiente com a prática da rua, um figurino com cores e camadas visualmente interessantes e uma musicalidade executada ao vivo por Gama Júnior, que traz um tom de suavidade e leveza ao espetáculo.



     Esse elenco conhece a rua e sua necessidade quando o assunto é estar nela para fazer teatro. Sabem improvisar com o espaço e estão abertos a tudo que acontece ao redor para responder sem negar o chamado da rua em nenhum instante. Essa maneira de jogar faz com que nos conectemos rapidamente à história que querem contar. São engraçados, com uma caracterização não convencional ao espaço cotidiano, e possuem essa musicalidade que nos atrai. Embora, nessa apresentação especificamente, o grupo parecia estar um pouco desconectado de si mesmo, deixando o ritmo do espetáculo mais lento, o que pode ter sido ocasionado pelo atraso, devido a problemas técnicos.

     Há de se destacar que o uso de aparatos tecnológicos (no caso o microfone facial), embora sejam grandes aliados do teatro e, principalmente, do teatro de rua, muitas vezes pode causar muito incômodo a quem assiste, principalmente na hora em que cantam e realizam muita movimentação. O que poderia ser um aliado, pode, muitas vezes, atrapalhar se não for bem executado.

    Mas a grande questão do espetáculo ainda está na construção dramatúrgica, especialmente da dramaturgia falada e cantada. A Mulher Braba é uma história de relacionamentos abusivos tanto para os personagens masculinos como para os femininos. É uma história sobre violência, sobre A Mulher Braba ser obrigada a casar e, além disso, casar com alguém que tortura seus animais para tentar exemplificar o que pode acontecer com ela, caso não se amanse.

     O que em 2019 poderia ser uma história sobre protagonismo feminino, como sugere o título, acaba por reforçar estereótipos relacionados à imagem da mulher que é obrigada a casar e tem que se tornar mansa para agradar ao marido.

     A Mulher Braba tem tudo para ser o que ela quiser em 2019, no entanto, mesmo com tentativas de dizer que ela não se amansou, o que vemos é ela cedendo à tortura psicológica do marido, que possui uma tentativa de mostrar que o que ele faz é por conta de um estado de loucura. 


     Outra cena emblemática é quando o noivo da mulher braba diz ao sogro que conseguiu amansá-la e ensina as técnicas de tortura psicológica para que ele faça com a sogra. E quando o sogro tenta reproduzir com a esposa o que aprendeu, ela responde dizendo que é tarde e que ele deveria ter feito isso há trinta anos, quando começaram o casamento. Nesses discursos vemos o quanto é perigoso a reprodução do uso da violência sendo reforçado dentro do teatro e, principalmente, na rua, um espaço onde pessoas das mais distintas histórias e culturas atravessam e são atingidas de alguma maneira por aquela história.

    Termina o espetáculo e nos entristecemos ao ver que ela foi domada, mas, no fundo, a tristeza pode ser por se tratar de uma história em que todos os personagens são abusivos e vivem histórias de desamor.

     Embora a experiência e a técnica teatral do grupo nos conquistem, e saibamos de sua importância para o teatro de rua em Alagoas, somos afetados pelo tempo em que a obra é exposta e pelas vezes em que ela poderia ampliar possibilidades e se limita a, de alguma maneira, alimentar discursos que o teatro tem lutado tanto para superar.

Espetáculo: A Mulher Braba
Cia LaCasa (AL)
Fotografias: Frederico Ishikawa
Revisão: Felipe Benicio

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...