F.E.M.E. _ o poder feminino nas artes cênicas

Tessitura_Lili Lucca

 Claro que arte não tem gênero, mas artistas têm. Talita Trizoli

Registro aqui minha crítica para a ascensão contínua de mulheres na arte. Meninas, moças, mulheres, fêmeas, todas elas ao trabalho, às ruas e a luta pela sua arte. Todas elas ARTISTAS, todas na cena, fazendo a sua arte acontecer, com a fala, a criação e na execução do F.E.M.E- Festival de Mulheres Engraçadas de Maceió. Foi assim que presenciei esse festival, cheio de representatividade necessária, feito pelos Clowns de Quinta e com o apoio do Itaú Cultural. Como em seu texto Wanderlândia, a coordenadora geral do festival me coloca:

“Esse será o primeiro festival de mulheres profissionais na arte da palhaçaria e comicidade na cidade de Maceió. Teremos nessa programação Espetáculos, oficina, filme, mesa e roda de samba. Assim, movimentando a formação e apreciação para um olhar sobre a palhaçaria e comicidade feminina.
Serão cinco dias de evento onde colocaremos em pauta a representação da mulher e mulher palhaça e cômica no estado. Com convidadas de artistas locais e nacionais que estarão em intercâmbio construindo pensamento e compartilhamento de experiências.”  1


Experiências feitas e colocadas no cenário do teatro alagoano por mulheres, quantas barreiras e dedicação tiveram e ainda terão essas mulheres para levarem adiante sua palhaçaria? Não tenho aqui a resposta, mas nesses cinco dias de festival vi mulheres, vi o labor delas na produção, também artistas nesse revezamento de fazer e produzir arte. Não sei se preciso das respostas a essas perguntas, me apego aos caminhos feitos pelo meu ver (sentidos) no F.E.M.E.. 

Sentidos sim, pois foi pela visão que me fiz presente, mas o que percorri vai além do que descrevo enquanto registro e penso, pois  a dedicação presenciada neste festival e poder vê-lo me despertou um abraço dado à uma artista (essa que escreve) por aquelas artistas no palco. Vai além da visão, pois afetividades foram presenciadas.

“As relações e laços criados pela afetividade não são baseados somente em sentimentos, mas também em atitudes. Isso significa que em um relacionamento, existem várias atitudes que precisam ser cultivadas, para que o relacionamento prospere.” (dicionário onLine)2

Aquelas meninas unidas por um objetivo comum, afetaram a todas, não apenas as envolvidas no processo, mas as demais atrizes que emergiram no processo de afinidade. Afetividades. Para onde eu olhava, havia afeto. Olhos marejados de alegria e de realização. Por isso que, para mim as afetividades estavam em cena no F.E.M.E., nesses laços que apreciei em todos os dias, vi ali representadas mulheres de todo o Brasil, uma conexão e admiração entre elas, regadas à atitudes e muito mão-de-obra em arte. Mulheres, fêmeas, femininas que nenhuma descrição seja feita por dicionário, ele não é capaz de contar. Mulheres trabalhadoras do Riso e da Arte. Fêmeas que fazem.
Sim, um festival realizado por mulheres engraçadas. Que pousou em cena mulheres ao trabalho, ao trabalho árduo de conceber o rir. Mulheres díspares, de lugares diversos, de outros encontros e de reencontros. Mulheres que por serem potência e resistência dão-se as mãos e vão ao longe. Que buscam e inventam uma forma, uma nova estética em arte a partir de sua obra posta, Roberta Stubs nos diz quando explana sobre estéticas feministas na arte contemporânea:

“…o trabalho de muitas artistas mulheres carrega uma poética feminista posto que se alinha a uma postura ética, estética e política de resistência e criação de outras figurações para o corpo, o feminino e para a subjetividade. Além e aquém de uma identidade feminista, falamos, pois, de um posicionamento crítico-inventivo diante do mundo. Crítico posto que se opõe à lógica de controle biopolítico que opera sobre nossos corpos, desejos e subjetividade afim de docilizá-los. Inventivo posto que resiste a essa lógica criando outros modos de ser e estar no mundo, outros modos de viver a relação que estabelecemos com nossos corpos, práticas e desejos.”3

Reparem quando cito Roberta não digo que o F.E.M.E. é um festival feminista, digo sim que é feito por mulheres e que com ele abarcamos todas as suas subjetividades e valores culturais que foram impostos/postos na sua formação. E que ao se realizar o festival se torna imenso, pois é a resistência e o poder de mulheres na arte do seu lugar. É político! É domínio!  Ou seja, ele foi edificado tendo como protagonista mulheres. Essas que na Grécia antiga, nem em cena poderiam estar. 

        Quantos festivais de arte encabeçados por mulheres tivemos em Alagoas?

  Ser mulher e estar sentada vendo outras mulheres protagonizarem um festival é, mesmo que distante, estar ali de alguma forma, é sentir-se a vontade e convidada a estar em cena. Sendo enfática ou redundante como queiram ver e quero reafirmar nesse texto as palavras de empoderamento que são para mim uma missão, como o espetáculo “Opá”; é também uma mandato como o das atrizes do “Cabaré das Desgovernadas” para me manter desgovernada, livre para ter a coragem de colocar o machismo patriarcal dos homens, nem que seja na figura do voluntário de cena, no centro da chacota. Temos esse direito, como nos apresenta Talita Trizoli em um de seus trechos traz a fala de Luce Irigaray, lingüista e psicanalista francesa, nos comentários de Butler, colocando fatos históricos ultrajantes, mas ainda presentes no cotidiano de mulheres que fazem arte. 

 “ ‘Uma mulher não pode usar a primeira pessoa, “eu”, porque, como mulher, o falante é “particular” (relativo, interessado e perspectivo), e invocar o “eu” presume a capacidade de falar em nome a condição de humano universal: “um sujeito relativo é inconcebível, um sujeito não poderia absolutamente falar.’ Deixando de serem espectadoras, as mulheres tomaram a “liberdade” de serem criadoras, e de determinarem suas imagens artísticas, de elegerem seus tópicos plásticos. O movimento feminista na arte vem então para desconstruir a premissa de mulher objeto de desejo. De musas inspiradoras para o olhar do artista, passamos a ser o olho e a mão que cria.” Deixando de serem espectadoras, as mulheres tomaram a “liberdade” de serem criadoras, e de determinarem suas imagens artísticas, de elegerem seus tópicos plásticos. O movimento feminista na arte vem então para desconstruir a premissa de mulher objeto de desejo. De musas inspiradoras para o olhar do artista, passamos a ser o olho e a mão que cria.” 4


Sujeitos, não. Sujeitas! Todas elas donas de si, estavam a frente de um festival, feito por mulheres essas que sempre e por anos tiveram seus corpos à servir e a ser objeto de desejo e entusiasmo criador. Hoje estão a frente, e  não só tem a palavra e a cena para si, como trazem a possibilidade de execução aliando-se a mais artistas, homens e principalmente mulheres. Elas não oprimem. Empoderam as demais.  Vestem o poder, e são elas que criam e ordenam o fazer da festividade. É a alegria do riso, potencializado no vigor das palhaças e atrizes Wanderlândia Melo, Nathaly Pereira e Elaine Lima.



Um festival que homenageia um patrimônio vivo do circo alagoano, mais que uma educadora circense, “Peró de Andrade” é aquela que seguiu seu sonho e foi ser artista, sabendo o que é uma verdadeira artista: uma batalhadora da poesia, ela por sua vez o fez no picadeiro. E estava lá no F.E.M.E. como consagrada, e não só de consagração em vida foi feito esse festival, resgatamos a memória e colocamos no fluxo a história de uma “palhaça” nunca antes contada em Maceió, e deu-se através do filme “Minha Vó era Palhaça”, dirigido por Ana Minehira e Mariana Gabriel. Tivemos então acesso a uma lacuna da arte da palhaçaria nacional que nos foi apresentada na exibição do filme. O filme de 50 minutos tem esse nome porque na verdade, Maria Eliza se apresentava como “Xamego”, palhaço homem, no início da década de 40 e era a grande atração do Circo Guarany. Esse documentário além de trazer inúmeras questões sobre a mulher na arte, a mulher NEGRA na arte, traz o registro da primeira mulher negra e palhaça do Brasil, que tinha em sua identidade o nome como já dito de “Palhaço Xamego”. Esse apagamento da memória não pode persistir, ao final da exibição tivemos um bate-papo com a filha (Daise Alves dos Reis Gabriel) e neta (Mariana dos Reis Gabriel) do Palhaço Xamego, que nos trouxeram não só relatos afetivos como aprendizados de resistência e de vivência em arte. Há muito que ser registrado, há muito que ser contado sobre essas artistas do Brasil, as escolhas do F.E.M.E. nos fortalecem, a história nos faz maior, nossas avós são a nossa construção feminina na vida e na arte, a então palhaça Xamego nos ensina com sua história contada pelo cinema que a arte é fragmento da vida e que sem ela estaríamos em pedaços. 

Todo dia a mulher se reafirma e se refaz, afinal ela sempre foi a musa inspiradora, agora ela está à frente. São seus os impulsos e invenção  que vemos em obras de arte pelo mundo, não só pela beleza dita e verbalizada como algo a que a mulher "tem" que deter, mas por ser artista. Artista que reconhece sua necessidade de expressar, se auto declarar, auto - retratar, contar e construir uma nova passagem para a arte. Durante o F.E.M.E as afetividades estavam presentes acho que as meninas descobriram na arte a potência da sua fúria transformar tudo em riso, sem para isso precisar perder a ternura. 

Durante esses encontros cheios de afetividades, fui abraçada por conversas ouvidas, aprendi com a escuta e o olhar para a obra dessas artistas engraçadas. Em cinco dias de festival, Maceió e seu público presente mostrou que é possível fazermos arte, que queremos ver, que temos apetite por arte. Avante todas e que a força do riso nos faça resistir e criar muito, Mulheres! 


1-Melo, Wanderlândia- Coordenadora Geral do F.E.M.E
2- https://www.significados.com.br/afetividade/
3- Stubs,Roberta-  Pensando uma estética feminista na arte contemporânea: diálogos entre a história e a crítica da arte com o feminismo/ Rev. Estud. Fem. vol.26 no.1 Florianópolis  2018  Epub Jan 15, 2018
4- Trizoli. Talita- O Feminismo e a Arte Contemporânea - Considerações.Panorama de Pesquisa em Artes Visuais Agosto/2018
Fotos _  Nivaldo Vasconcelos

CRÍTICA “Silêncio” e as possibilidades de ser teatro.

Tessitura _  Bruno Alves

Ser grupo/coletivo de teatro envolve um processo de aproximação de afinidades e pontos de vistas heterogêneos. Não é fácil ser. Envolve entrega, generosidade para aceitar as escolhas dos outros e abrir mão muitas vezes daquilo que achamos que seria o melhor para o todo. Encontrar convergências dentro de um processo de criação é um ato caótico na maioria das vezes, alguns resistem, outros desistem.

Quando se fala em estar dentro de uma Escola Técnica de Artes, cursando um curso de Arte Dramática, é importante observar que quem estar ali não se escolheu, foi escolhido por um processo de seleção criterioso.

Em um grupo, geralmente, vamos nos aproximando por consequência e encontrando pares com quem desejamos criar. Na escola não. Temos que aprender a conviver com trinta pessoas de origens, pensamentos e anseios diferentes em relação ao teatro. Existem o que querem o teatro como profissão, mas também os que estão por necessidade de perder a timidez ou encontrar formas de se comunicar com o mundo, por exemplo.

Por que o teatro?


Eu sempre me pergunto e pergunto a quem está a minha volta. A resposta nunca chega no primeiro instante e a pergunta se repetirá por todo o tempo em que desejarmos fazê-lo.

Alguns princípios precisam ser avaliados ao falarmos de um trabalho de conclusão de módulo da Escola Técnica de Artes - ETA - UFAL. Primeiro que é sempre um trabalho em que todo o grupo deve estar envolvido e por serem futuros formados atores e atrizes, devem experienciar o tão desejado momento de estar em cena. A ETA na maioria dos seus módulos compõem uma construção de espetáculos que cada turma deve montar. Montar o espetáculo será a prova final que validará aquele ator e atriz?

Sabemos que a construção de um espetáculo é apenas um passo dado nessa formação que exige uma contínua busca por amadurecimento, investigação, formação e busca por aprimoramento. Estamos sempre em processo, descobrindo, desconstruindo e reavaliando até que ponto chegamos e aonde poderemos chegar.

É comum ouvir de pessoas que passaram por lá a seguinte pergunta: “Qual será o meu papel?”. O apego ao personagem também é comum quando ao falar sobre a obra alguns atores e atrizes se limitam a definir o desafio da construção de seu personagem e não o acontecimento teatral como um todo.

Reginaldo de Oliveira foi diretor de “Silêncio”. Reginaldo causa pavor em muitas turmas, porque parte do principio do corpo como elemento de composição da obra. Ainda é assustador saber que algumas pessoas desistem mesmo antes de começar a trabalhar com ele e mais ainda ouvir alguns dizerem que não sabem usar o próprio corpo. Essa questão e esse pavor se repete em muitas turmas que foram orientadas por ele. É claro que nem sempre temos um repertório de técnicas corporais, mas isso é estudo, dedicação e ralação mesmo, no entanto, a primeira coisa que se deve ter consciência ao cursar um curso de arte dramática , além dos motivos que te levam a fazer teatro, é que todo ator e atriz tem no corpo o seu instrumento de trabalho. Negar o corpo, ou tentar separá-lo das emoções, do pensamento e da razão é negar a complexidade da nossa própria estrutura pessoal e única.

Outra questão a ser avaliada nessa busca por se construir o papel é o entendimento de qual lugar ocupamos nesse estado de Alagoas. Nós não somos São Paulo ou Rio de Janeiro que chovem testes para integrar grandes produções, por aqui, na nossa realidade, a gente tem que aprender a duras penas a fazer o nosso teatro. Digo isso, porque até a alguns anos atrás era comum ouvir de recém formados na escola que não conseguiam entrar em grupos e coletivos, porque são fechados e não existe proximidade de diálogo. A nossa realidade é bem mais complicada do que essa afirmação. Por aqui os grupos e coletivos resistem, buscam formas de sustentar a sua criação e como dito anteriormente, os processos de entradas nesses grupos vão se dando de forma espontânea, se assim, posso dizer.

O que quero dizer com isso é que mais do que esperar por testes ou um convite, esse ator e essa atriz deveria sair da escola preparado para montar seu próprio grupo e construir as histórias que desejam contar. Parece simples falando assim, mas eu sei que não, aliás, desde que escolhemos fazer teatro sabemos que não é uma escolha fácil ou simplista. Envolve muito trabalho, muitos nãos e muitos sins também.

Mas a escola tem se reinventando aos poucos. Vemos recentemente a atriz e diretora Waneska Pimentel apresentar nos conteúdos do curso ferramentas e formas desses novos atores e atrizes ganharem o mundo e ocuparem esse estado com os seus teatros.

Outro exemplo são os trabalhos do professor Toni Edson que expandem as barreiras da Sala Preta e ganham uma continuidade fora do curso. O mais recente exemplo é o surgimento do grupo “Os Bufões da Mãe Joana” que seguem descobrindo seus caminhos e colocando seus corpos no mundo.

Todo trabalho que se continua fora da escola é fruto de um envolvimento com o processo colaborativo. Por lá existem processos que colocam a responsabilidade da criação nesses futuros atores e atrizes. Fazem eles entenderem que são responsáveis pela criação e que tem direito a voz em cada parte do processo. Enquanto, essa nova geração vai se apropriando de seu poder de criação, por outro lado é espantoso ver que ainda existem aqueles que estão ali esperando o seu papel para decorar e ir para casa com o sentimento de missão cumprida.

A escola precisa instalar o caos. É preciso tirar esses atores e atrizes do lugar de conforto ou de idealização midiática. 

Ver “Silêncio” é um salto dentro desse contexto.

Sala limpa sem cenários exuberantes, não que não seja legal em algumas propostas, mas ali o importante era o corpo inteiro e entregue.

Exercícios básicos de espacialidade sendo transformados em cena e com precisão.
O respeito e a busca por ser um corpo só, numa respiração compartilhada.

A turma agora com quatorze pessoas, sabe o que quer dizer, solta o seu grito em meio a passividade em que vivemos. Um grito que nós ali sentados de pés descalços tentamos dar fora daquela sala, mas que ultimamente, no contexto político em que vivemos, não estamos conseguindo.

“Silêncio” me fez questionar quem é o público desse espetáculo, se somos nós que um dia tentamos gritar e hoje nos vemos de alguma maneira imobilizados com tamanha barbárie que se anuncia, ou se é um grito para ser dado fora dos muros da escola, onde está o verdadeiro “sanatório geral”, como canta Chico Buarque.

É de se aplaudir o trabalho da turma que agora se forma e já sabe o seu discurso. É de se aplaudir vê-los inteiros e dispostos a deixar o corpo falar.

É bonito saber do processo de transformação que sofreram e o choque de não  ter um papel pronto para decorar e ter que colaborativamente  criar, criar, criar e criar em meio ao caos da construção e da vida aqui fora.

Pronto. Agora estão formados e o jogo só começou.



Ficha Técnica:

Diretor da Instituição _ David Farias

Direção de “Silêncio!” _ Reginaldo Oliveira

Professores colaboradores _ Alex Cerqueira, David Farias, Geová Amorim, Toni Edson e Valéria Nunes


Elenco _ Camila Moranelo, David André, Dávison Souza, Eduardo Alcântara, Emmanuel Lima, Jaysllany Florêncio, John Fortunato, Josival Silva, Marina Sales, Matheus Fonttes, Milka Freitas, Tauan Pita, Tamário e Thame Ferreira.


Produção Executiva:

Teatro – Graduação _ Auryelly Matos, David William, Gaby Ferreira e Rayanne Accioly
Arte Dramática – módulo 2 _ Adda Feitosa, Alonso Rodrigues, Jéssica Marques, Karol Peixoto, Lavinnya Luciani, Millena Brandão e Rauny Soares
Produtoras convidadas _ Karlla Sart e Priscila Angel
Iluminação _ Moab de Oliveira e Adda Feitosa
Sonoplastia_ Brother e Priscila Angel
Concepção de cenário _ Moab de Oliveira
Concepção e execução de figurino _ Alex Cerqueira
Concepção de maquiagem _ Alex Cerqueira
Fotos_ Jadir Pereira e Washington da Anunciação
Homenagem _ Roberta Oliveira


CRÍTICA de "Silêncio" : Você já conversou com um eleitor do Bolsonaro hoje?

Tessitura_Jocianny Carvalho



        A guerra não é senão um negócio,
        em vez de ser com queijo, é com chumbo
       e se o custo ultrapassa tuas forças
não estarás na parada da vitória.
    (Brecht, Bertold. Mãe Coragem e seus Filhos, 1939)



Quarta-feira, dezessete de abril de dois mil e dezenove. O couro é amaciado, tratado, sentado, exposto. A carne senta, sente, corre, sacode, dispersa, o corpo se põe, sobrepõe, os pés se isentam. Tudo isso exposto é reconhecível. Se houvesse uma releitura de Abaporu de Tarsila do Amaral, talvez os pés fossem menores que a cabeça, mesmo que o círculo não enxergue o quadrado assim, nem o contrário, os dois parecem estar presos nessa imagem, e nem os maiores sociólogos apontam outra estratégia que não seja a do diálogo. Um de dois acredita no círculo, na bola, cinesfera e na ciranda. O dois de dois acredita no quadrado, terra plana, no quadro e quadrilateral. Quando ambos vão perceber que são linhas? Que linhas serão essas? Onde podemos nos desestruturar para voltarmos ao ponto inicial? Diálogo, para existir necessita de dois pontos de vista: o quadrado e o redondo. 

Significado de Diálogo:
substantivo masculino

Conversa; fala interativa entre duas ou mais pessoas. (Dicio, dicionário Online)¹

.


O espetáculo Silêncio, com direção de Reginaldo de Oliveira e feito pelos educandos do módulo IV da E.T.A. (Escola Técnica de Artes), traz várias imagens potentes sobre a nossa sociedade e críticas atuais presentes principalmente em redes sociais, expõe os textões do facebook e todo descontentamento por parte de um dos lados, mas no fim expõe o que talvez seja o ponto em comum das duas linhas: a passividade e a rejeição, o deslike, o deixar de seguir, o unfollow, bloquear, curtir, amei, hashtags pra subir nossa afirmativa, o alcance da publicação, o algoritmo que nos deixa confortáveis, te falo in box. E fomos ficando terrivelmente cansados de dialogar. O lugar do espectador também é direcionado a passividade, somos pegos contemplando a nossa auto afirmação e  nossa adorável maneira de gritar no silêncio, por que neste caso, o caos só é estabelecido na confusão de voltar ao mesmo ponto, pois não há um contraponto que nos leve a transformação. Estar no palco, a escolha de artista, já é por si só política, inegável e civil, devemos nos atentar aos discursos, assim como quando na descoberta do corpo somos minuciosos e pragmáticos, é preciso reaver a atenção à palavra para não correr o risco de sermos impotentes, dispensáveis:


A relação entre o teatro e a política tem sido tensa há dois mil e quinhentos anos. Aristófanes investiu, a partir do palco, contra demagogos e advogados da Guerra do Peloponeso; ele o fez na soberana forma artística da Comédia Ática, que atrai como forma teatral original mesmo lá onde as alusões políticas não são compreendidas. Mas quando se trata somente de provocação política, a sua atrelagem ao palco torna-se dispensável. 
(Berthold, Margot. História Mundial do Teatro.)²


O espetáculo Silêncio não é somente uma provocação política, a dramaturgia diz que não, o corpo diz que não, a iluminação diz que não, a cenografia diz que não, as fortes imagens criadas dizem que não, então qual o ponto enquanto artista? Reconhecer a amplitude de sua obra e não colocá-la num nicho do discurso político do círculo, ou reconhecer a autocrítica criada. E voltamos mais uma casa, que trata do espaço: Onde nos tornamos potentes? Em que lugar torno a criação indispensável? Em que zona consigo estabelecer um diálogo?  Pego meu sapato e volto para casa em silêncio? 


 Referências:
¹https://www.dicio.com.br/dialogo/
² Berthold, Margot. História Mundial do Teatro. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011. pp. 502





Ficha Técnica:


Diretor da Instituição _ David Farias

Direção de “Silêncio!” _ Reginaldo Oliveira

Professores colaboradores _ Alex Cerqueira, David Farias, Geová Amorim, Toni Edson e Valéria Nunes


Elenco _ Camila Moranelo, David André, Dávison Souza, Eduardo Alcântara, Emmanuel Lima, Jaysllany Florêncio, John Fortunato, Josival Silva, Marina Sales, Matheus Fonttes, Milka Freitas, Tauan Pita, Tamário e Thame Ferreira.



Produção Executiva:

Teatro – Graduação _ Auryelly Matos, David William, Gaby Ferreira e Rayanne Accioly

Arte Dramática – módulo 2 _ Adda Feitosa, Alonso Rodrigues, Jéssica Marques, Karol Peixoto, Lavinnya Luciani, Millena Brandão e Rauny Soares

Produtoras convidadas _ Karlla Sart e Priscila Angel

Iluminação _ Moab de Oliveira e Adda Feitosa

Sonoplastia_ Brother e Priscila Angel

Concepção de cenário _ Moab de Oliveira

Concepção e execução de figurino _ Alex Cerqueira

Concepção de maquiagem _ Alex Cerqueira

Fotos_ Jadir Pereira e Washington da Anunciação

Homenagem _ Roberta Oliveira


CRÍTICA de "Mamulengos da Vila 12" do L.A.T.A. : A brincadeira é coisa séria!

Tessitura _ Bruno Alves

O teatro reflete em muitos aspectos a vida. Talvez a grande lição que ele tenha a nos ensinar seja sobre o momento presente, sobre estar presente no aqui e no agora e sobre o efêmero instante que é vivido por todos nós, afinal, nada é fixo, tudo está mudando o tempo todo.
Na semana de 25 a 29 de março aconteceu uma ação dentro do curso de Artes Cênicas: Teatro Licenciatura da UFAL. O Pluralidades Cênicas, uma mostra de trabalhos acadêmicos, processos, resultado de montagens, exposição fotográfica, dentre outras atividades. Espaço de encontro, de troca e portas abertas à comunidade.
Toda a ação homenageou a memória do ator e estudante do curso Hernandes Braz.
O Laboratório de Teatro de Animação - LATA, coordenado pelo professor José Acioli Filho, foi um dos espaços de pesquisa de Hernandes. Apresentaram na tarde do dia 27 um dos seus projetos, o “Mamulengos da Vila 12”.



Estavam em processo de retomada do trabalho, pois Hernandes era parte do elenco. Mais do que ser parte, ele e todas as pessoas envolvidas vivenciaram um processo de construção dramatúrgico que nasce antes mesmo da confecção do boneco, pois começam primeiro por entender o personagem e só depois chegam a sua construção e consequente manipulação.
Todo o espetáculo vai beber da tradição popular, hoje muito mais forte em Pernambuco, outrora muito forte aqui em Alagoas também, como dizia o professor Acioli.
Por trás do pano atores e atrizes manipulavam seus bonecos e construíam a narrativa do espetáculo. Um mestre na frente do pano vem com seu pandeiro entoar uma canção autoral apresentando os personagens da “Vila 12”. Eis que durante a apresentação uma boneca corrige o mestre de cerimônia ao dizer que já não são doze moradores, mas agora, somente nove.  



Personagens populares, regados por uma trilha sonora executada eletronicamente bastante irreverente de canções encontradas, digamos assim: nos mais tradicionais botecos de uma cidade do interior. Embora a trilha gravada seja bastante interessante, uma trilha autoral e executada ao vivo, como propõe a abertura, enriqueceria o trabalho.  Ainda faltava propriedade ao cantar a canção de abertura por parte do elenco. Muito mais potente seria ver todos entoando a canção e nos convidando para adentrar naquele universo que se abria, afinal, Acioli trabalha em seus atores e atrizes um processo de artesania teatral, no qual muito mais que um produto final apresentando, é mais importante o envolvimento físico e emocional em cada escolha que se dá.
Potencializar a musicalidade, investir na pesquisa dos ritmos populares e criar as próprias composições são caminhos que já se mostram na abertura do espetáculo.
O grupo faz escolhas importantes ao não seguir a tradição quando a questão é diminuir e ridicularizar as minorias oprimidas. É importante chegar nessas reflexões, pois elas surgem dentro de um contexto de construção de conhecimento e desconstrução de estereótipos e preconceitos, como é o que se propõe a universidade, porque assim escreveu Arantes ao dizer que:
(...) cultura é um processo dinâmico; transformações (positivas) ocorrem, mesmo quando intencionalmente se visa congelar o tradicional para impedir sua “deterioração”. É possível preservar os objetos, os gestos, as palavras, os movimentos, as características plásticas exteriores, mas não se consegue evitar a mudança de significado que ocorre no momento em que se altera o contexto em que os eventos culturais são produzidos.

É fato que somos transportados, ao assistirmos “Mamulengos da Vila 12”, para o universo das feiras e praças. Acreditamos na existência daqueles personagens e embarcamos em suas histórias, mas não podemos negar que é de dentro da universidade que nasce essa importante iniciativa de valorização e resgate da tradição cultural. É um ato de reconhecimento e fortalecimento de nossa base teatral, da qual fomos e somos alimentados durante muito tempo ao assistir aos mamulengos espalhados pelas feiras e ruas.
Certamente, devido a saída dos mestres mamulengueiros do nosso estado, o grupo carrega uma missão de propagar e incentivar a continuidade e ampliação desse fazer em Alagoas, pois muita gente da nova geração possivelmente ainda não teve a oportunidade de assistir e vivenciar essa experiência.
Ainda falta ritmo quando a questão é o tempo cômico e o improviso, ficando momentos de silêncio e de vazio nas cenas, nada que a prática não alcance. Ser um brincante envolve entrega intensa e generosa ao jogo, assim como fazem as crianças ao brincar, que acreditam e vivenciam intensamente aquele momento.
Em sua dissertação Ana Caldas Lewinsohn cita Barroso para potencializar a questão do ator brincante, ao lembrar que:
Mais do que apresentar ou que representar, o termo brincar parece mais adequado para designar o fazer do ator brincante. Na brincadeira, rigorosamente, não se apresenta, não se representa, simplesmente se brinca. Brinca-se no sentido de que os brincantes apenas se divertem,junto com o público, que também faz parte da brincadeira. E aqui se usa o termo brincar, na acepção mesma de brincadeira infantil. Mas de uma brincadeira infantil coletiva (como são mesmo a maioria das brincadeiras infantis), na qual os brincantes, a partir de um acordo sobre uma estrutura, vivem uma outra vida, uma vida de faz-de-conta, improvisando livremente (Barroso, 2004: 84-5 apud Oliveira, 2006: 45).



Quando o elenco relaxa e assume seu lado brincante vemos fluir de maneira divertida e viva cenas, como a do Barbeiro desastrado. Quando esquecem de brincar, o ritmo do jogo cae.
Assumir o brincar é um ato importante. Afinal, estão nesse espaço de experiência, de aprendizado e de criação.
“A brincadeira é coisa séria!” me disse uma vez o senhor Biu antes de entrar em cena e se transformar no Mateu do Reisado do Bananal em Viçosa.
Que a brincadeira seja séria e muito divertida para o elenco e para nós que assistimos.
Não poderia finalizar sem destacar que ao final temos a entrada do boneco de Hernandes Braz.
Deslumbrante.
Viçoso.
Presente!
Já não são mais nove. Nunca foram. São doze. É a “Vila 12”.
Sempre será!

Referências:
ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo. Brasiliense. 1981.
LEWINSOHN, Ana Caldas. O Ator Brincante; no contexto do Teatro de Rua e do Cavalo Marinho. / Ana Caldas Lewinsohn. – Campinas, SP: [s.n.], 2009.

SERVIÇO:
Espetáculo _ Mamulengos da Vila 12
Direção _ José Acioli Filho
Atores e Atrizes Brincantes _ Robson Xavier,  Osvaldo, Leylane Maria, Samara Rayra, Josival Silva, Emanuelly Góis, Junior Cravo,  Karol C. Lessa,  Eduarda,  Magna.
Composição da música _ Robson Xavier
 
Foto _ José Acioli Filho


CRÍTICA de "Mamilos" da Coletiva Corpatômica: Feminina Explosão

Tessitura _ Bruno Alves
Não estava preparado para encontrar no dia 29 de março de 2019 A COLETIVA CORPATÔMICA durante o Pluralidades Cênicas do Curso de Teatro Licenciatura da UFAL.
Entreguei-me ao silêncio de três mulheres sentadas, vestindo calçolas vermelhas e de seios de fora.
“Mamilos” é o nome do trabalho da coletiva que já disse para que veio desde o momento da escolha do próprio nome.

Poderíamos sentar nas cadeiras espalhadas pelo pátio bem próximo as performers, mas eu como a maioria das pessoas que lá estavam, preferimos sentar a distância. Parecíamos temer qualquer ameaça de um corpo livre e empoderado.
Verônica Veloso escreve sobre esse incômodo que nós espectadores contemporâneos carregamos conosco ao dizer que:

 “A questão do espectador está diretamente relacionada ao seu atual estatuto dentro da cena teatral contemporânea e também da performance. Se em uma acepção mais convencional do teatro, o espectador sabe exatamente como  deve  se  comportar,  por  já  ter  sido  disciplinado  para  isso,  nas  modalidades  cênicas  deambulatórias  que  ocupam  o  espaço  público,  o  corpo  do  espectador  passa  a  ser  interpelado  de  outras  formas.”

Nossos corpos ali pareciam também estar em risco. O risco que a performance e alguns espetáculos teatrais trazem consigo ao nos fazer viver uma experiência e não somente apreciar alguma coisa que se passa.  Sobre isso Larrosa vai nos dizer que:

“É experiência aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação.”

Assistir “Mamilos” é portanto um processo de transformação, principalmente do olhar.
Olhar esse que não tinha como fugir a ação silenciosa das performers. Durante alguns (longos) minutos sentadas, respirando e nos observando percebemos que ali elas encontram um lugar de tranquilidade e de naturalidade com seus corpos e suas histórias. Não é o seio de fora que incomoda. É a nossa nudez se revelando enquanto espectadores. Nós quando experienciamos a ação vamos sendo despedidos e nossas fragilidades se revelam pelo simples fato de termos em nossa frente mulheres que afrontam e enfrentam todos os pudores morais.
Enquanto elas respiram, nós vamos ficando com a respiração oscilante, procurando uma outra maneira de se sentar, querendo talvez uma fuga para sair dali de fininho, antes que a nossa moralidade seja despida por completo.
O estado de presença das performers durante o longo silêncio é revelador de todas nós. É ousada essa entrega, é estado de risco, é estado de nudez da mais potente forma, como escreve Schechner ao dizer que:
“A  performance  se  resume  a  esse  ato  de nudez  espiritual,  uma  des/coberta  que  não  é construção de personagem, no sentido convencional do termo, mas também não é muito diferente. É um ato que acontece naquela região difícil, entre o personagem e o trabalho que o performer faz sobre si mesmo.” 
E eis um ponto que chama atenção ao longo do trabalho. Depois da quebra do silêncio, surge um encadeamento de ações. As mulheres correm ao encontro da plateia, seus seios quase encostam os nossos rostos, elas nos mostram os seios, pegam, balançam, batem no próprio corpo. É uma sequência cheia de aflição para quem assiste. Elas correm, entram dentro de formas geométricas desenhadas no chão e começam a criar paralelamente partituras corporais. Vão se transformando, agora já não há silêncio, há um lugar que beira a uma revolta, é sobre violência que elas trazem em seus corpos. É sobre sangue derramado. É sobre beber o próprio sangue e ressurgir mais forte.
Se segundo Schechner, “a performance é esse ato de nudez espiritual, uma des/coberta que não é a construção de uma personagem” vemos em “Mamilos” uma nudez espiritual quando ali em cena/vida estão expostas diante de nós a verdade de cada uma das performances, porém existem disparidades em alguns momentos entre as performers durante a ação. O rosto de Mirella e Maria, vindas da dança, constroem uma narrativa que vai da neutralidade ao afrontamento durante a ação, isso torna bastante potente o mínimo gesto que elas fizerem. Yolanda Ribeiro, que tem em sua trajetória o teatro, transita entre a neutralidade, o afrontamento e nas ações finais um rosto que me parece ser a construção de uma personagem. Quando uma personagem exita em surgir diante de tudo que foi construído, torna frágil e tende a nos desconectar, não por que ela não esteja fazendo bem, mas por que do início ao fim vemos ser proposto um jogo da verdade, sem máscaras, jogo de exposição, afrontamento e da cara  exposta no sol. Ali quanto mais forem Mirella, Maria e Yolanda mais potente o trabalho ficará.
É entre “silêncios”, corridas, olhares e enfrentamento que “Mamilos” vem ao mundo dizer que cada corpo tem sua história. Que todo corpo é bonito. Que quanto mais coragem se tem de ser o que se é, mais a vida vai se transformando.
Elas sabem a corpatômica que carregam. Sabem o que é ser mulher todos os dias e ser sempre um corpo em risco. É por isso que gritam em seus silêncios que é dos seus corpos que saem às suas próprias regras.
Gritam em seus silêncios o sangue derramado, porque sabem que em 2018, segundo uma pesquisa do Datafolha, encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 16 milhões de mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência, com uma média de 536 mulheres agredidas por hora e 177 espancadas.
Gritam porque sabem que esses números tendem a crescer com o aumento do conservadorismo, com homens decidindo a vida das mulheres, com uma sociedade que cada vez mais vai querendo tirar seus direitos que a muito sangue derramado foram alcançados.

Durante a performance eu me perguntava o tempo todo ao perceber algumas reações na plateia:
Por que ainda incomoda tanto a nudez do mamilo feminino?

E talvez eu não encontre a resposta, mas veja refletida no cotidiano o incomodo que é para uma sociedade machista ver a mulher sendo o que ela quiser.
Que elas ocupem todos os espaços e que desnudem toda a hipocrisia. Que haja explosão desses e outros corpos. Que continuem denunciando com seus corpos, vidas e ações. E que incomodem ao ponto de causar uma explosão feminina de empoderamento e transformação.

Referências:

Jorge Larrosa Bondía. Notas sobre a experiência e o saber de experiência
Schechner, Richard. (2009). Performer. Sala Preta, 9, 333-365; 
Veloso, Verônica. (2017). Quando olhar é fazer: do espectador convidado ao espectador ausente. Sala Preta, 17(1), 103-122;
Pesquisa DataFolha sobre Agressão a Mulheres em 2018. Acessada em 03/04/2019 às 17h39min. Disponivel em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/02/26/mais-de-500-mulheres-sao-agredidas-a-cada-hora-no-brasil-diz-pesquisa.ghtml

SERVIÇO:
Performance _Mamilos
Criação_COLETIVA CORPATÔMICA
Performers_ Maria França, Mirella Pimentel e Yolanda Ribeiro.

CRÍTICA de “ Igreja Dialética Brechtiana - O Acordo”: Pelo direito a dúvida.

Tessitura_Bruno Alves


Lançar dúvidas sobre nós. 

Era essa a missão do Corpo Cênico de Teatro da UFAL com o seu espetáculo “ Igreja Dialética Brechtiana - O Acordo” apresentado no dia 27 de março, na última edição do Pluralidades Cênicas do curso de Artes Cênicas: Teatro Licenciatura.

Com a direção e também atuação do professor Marcelo Gianini que dentro do curso tem sido um dos pesquisadores/propagadores do jogo teatral e da dramaturgia de Bertolt Brecht.

A montagem parte de uma das obras das seis peças didáticas de Brecht escritas a partir de 1928. Tem como ponto de criação a “A peça didática de Baden Baden sobre o Acordo”, na qual após a queda de um avião, seus tripulantes pedem ajuda a um grupo de cidadãos para saber se os aviadores devem ou não serem ajudados. 



É com a estrutura litúrgica da igreja Católica que a montagem se desenrola, obviamente uma liturgia subversiva e irônica, tendo Brecht como mentor e Papa da dúvida instaurada. Somos recebidos com a “Paz de Brecht” e sua inquietação nos acompanha ao longo de cada cena.

Escolhas muito bem definidas, quando se tem como base a estrutura de missa, lá seus fiéis que compõem esse coro da dúvida, estão com a “bíblia” na mão para acompanhar cada passo da história. Poderíamos receber pelo celular todo o texto lido pelo coro durante a celebração  se quiséssemos, ali éramos parte importante da narrativa, éramos personagem também.
Levantar-se, sentar-se, levantar-se, sentar-se… Como manda toda tradição de uma igreja. Aos poucos nos vemos de joelho diante da dúvida que nos é lançada:

“O homem ajuda o outro homem?”

Somos, nós plateia/personagens, divididos em dois grupos e temos que defender o sim ou o não sobre a questão lançada. Depois em outra rodada aqueles que disseram sim são convidados a dizer não, e os que disseram não são convidados a dizer sim. Como defender o que não acreditamos? Como defender para “ajudar” o nosso grupo a vencer aquela batalha? Eis que a montagem nos coloca na experiência de discutir ideias, como em fóruns virtuais nos quais por trás das telas lançamos e rebatemos opiniões. Ali na igreja/teatro,  estávamos olho no olho para defender o que nos era colocado.

Ali o jogo entre plateia, atrizes e atores é o ponto mais forte, por isso, quanto mais o elenco se dispor a jogar sem medo mais rica e forte fica essa estrutura, porque foi visível que encontrarão pelo caminho plateias dispostas a tirarem as certezas do lugar.

Estrutura simples de figurino e cenário. Uma iluminação geral, na qual todas as pessoas eram vistas. É uma igreja, não precisa de tantos artifícios para repassar a sua dúvida, não há a ilusão, está tudo ali exposto diante da gente como quando vemos as imagens das mazelas humanas. Escolhas acertadas, diretor dentro do jogo que está proposto, plateia dentro do jogo. Ninguém escapa à dúvida.

É nesse contexto, no nosso contexto, que Brecht se faz presente e atual mais uma vez, como escreve Concilio (2011):

“Brecht, de certa forma, já antevia a diluição do discurso do autor no discurso do grupo que compõe a cena. Ao propor que os textos de suas peças didáticas sofressem constantes reescrituras pelos grupos de atuantes, ele ofereceu, às suas peças didáticas, a possibilidade de serem eternamente atuais, porque imperfeitas e abertas à constituição de uma solidez urdida no trabalho coletivo.” 

O “Corpo Cênico” se debruça sobre as questões do nosso tempo, nos faz revisitar as nossas certezas, porque em tempos em que pouco se duvida das coisas e que se responde violentamente com fake news, é preciso lançar a dúvida mais uma vez, a dúvida como uma certeza que devemos ter em nossas vidas.


Referência:

CONCILIO, Vicente. Baden Baden Adentro: Encenação e aprendizagem com a peça didática de Bertolt Brecht. Florianópolis: UDESC; Professor Adjunto; Universidade de São Paulo; Doutorando; Ingrid Dormien Koudela.

SERVIÇO:
Espetáculo_“ Igreja Dialética Brechtiana - O Acordo”

Textos _ BERTOLT BRECHT
Músicas _ KURT WEILL e HOMERO, GLAUCO e IVAN FERREIRA
Encenação _ MARCELO GIANINI

Preparação vocal _ PEDRO BRAGA
Elenco de Atuadores  _  AURY CAMPOS, BEATRIZ OLIVEIRA, EMERSON MACHADO, EVANDRO J., HELENA MARIA, LEÃ POEMA, MARCELO GIANINI, MARIO RODRIGUES, MAYKO JEIZO, MICHELÂNGELLO MARCIEL, MILLENA MORAES, SAULO PORFÍRIO, VANESSA ALVES, VICTOR EL VIEIRA

Estagiários_ ANA BEATRIZ PEREIRA DE OLIVEIRA, ELIANE MARIA DA ROCHA CASTRO, EVERARDO SATURNINO DE BARROS, LEYLANE MARIA DA SILVA VERÇOSA, MANOEL VICTOR NÓBREGA TAVARES.
Foto_ Acervo Filé

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...