CAETÉS_ A culpa é sua!

 

Tessitura_Lili Lucca


Para esse diálogo de tessitura trago ideias de perguntas para processos criativos: É possível transformar a história através da arte?  Porque recontar ou como contar uma história através do tempo? A minha narrativa de cena percorre quais caminhos discursivos? O que estou pronunciando na minha criação de cena?

Interior, relativo a parte de dentro, interno. Interno, que fica do lado de dentro.  Assisti em meados de setembro o espetáculo Caetés, com artistas que estão escrevendo a cena do interior do nosso estado, na busca de uma estética realista, o discurso da cena é literal e representativo, assim a Humana Cena conta sua versão no espetáculo Caetés.

A cidade de Palmeira dos Índios tem aproximadamente 73 mil habitantes, segundo o IBGE. Quantos desses habitantes foram ao teatro em 2022? Quantos de nós, mais de 3 milhões de moradores de Alagoas, assistimos a espetáculos de teatro esse ano? Eu conto em minhas caminhadas esse ano, mais de 10 espetáculos vistos, são poucos para quem trabalha na cena. Recentemente em uma rede social do Twitter uma postagem da intitulada @soldefato que dizia assim. “Você sabia que de 6 em cada 10 brasileiros nunca foram ao teatro?” Nessa postagem em sua rede social ela trazia desdobramentos sobre questões cruciais para nossa classe artística e para a população brasileira, como acesso ao teatro, falta de investimento e a desigualdade social que atinge o setor cultural.

Qual o acesso que a população alagoana tem ao teatro? Eu, como estou professora da rede pública estadual, em diálogos em sala de aula digo que essa porcentagem cairia bem mais, porém são diversas as realidades. A conversa aqui é sobre pensarmos o teatro e como seu modo de criação artística, agrega, transforma e impulsiona muito do que somos. Muitos, são os espaços que um espetáculo de teatro e os artistas que o fazem ocupam. Ocupam e com isso tem a responsabilidade de como artistas modificar e construir uma outra possibilidade de ver o mundo, para os olhos que o alcancem.

Compreender cada cena como um recorte histórico, estético de nossos artistas, olhar para essa cena de maneira afetuosa e crítica é um trabalho constante aqueles do ofício teatral. Olhar nossa literatura, investigar seus desdobramentos em Palmeira dos Índios, de 2022 é um trabalho importante tanto de forma pedagógica/histórica e artística. Como investigar nossas memórias sociais e estruturais a partir da literatura local?  Há também de se perguntar, como contar essa história hoje? O que os olhares que nos alcançam irão ver em cena? O público é livre, mas ele está presente sobre a escolha de nossas narrativas de cena.

Caetés é um livro de 1933 escrito por Graciliano Ramos, nele temos a narrativa da pacata cidade de Palmeira dos Índios nesse período, é um romance onde se narra os devaneios descontrolados e amorosos de um triângulo amoroso e suas implicações sociais. Se pensarmos que Graciliano, em 1933 coloca como narrativa para o título de seu livro os “instintos” dos Caetés como paralelo para “afirmação” do conflito de sua cena literária, deveríamos estar atentos e propor uma descolonização de nossa cena hoje, evidenciando que a cultura histórica indígena não deve mais ser relativizada por achismos coloniais, aos quais nós ainda estamos presos. Como olhar para nossas narrativas históricas e transformá-las? É preciso rever as palavras e as histórias contadas, a normalização de discursos de violência deve e pode ser estilhaçado pela arte. Grada Kilomba em uma entrevista ao El País nos traz que:

“Desmantelar essas estruturas de poder'', defende Kilomba, passa também pela linguagem visual e semântica. "Normalizamos palavras e imagens que nos informam quem pode representar a condição humana e quem não pode. A linguagem também é transporte de violência, por isso precisamos criar novos formatos e narrativas. Essa desobediência poética é descolonizar"1

O teatro é palavra, presença de variadas formas, é a criação de uma poética única que pode transformar modos de ver e sentir e compreender o mundo por uma cena. Existe sempre naquele encontro a troca, a experiência e ela ocorre de forma única, coletiva e só. Contemplamos com nossos sentidos e com tudo que trazemos de bagagem.



Fotografia: Sombra


     O trabalho de Caetés da Cia Humana cena, evidencia a cultura e a vivência de todos aqueles artistas e fazedores de cultura, a necessidade do realismo nas cenas, a busca constante pela catarse do público e o clímax, a sonoridade quase como uma interferência das cenas. Os atores que declamam a cena, parecendo se deslocar para 1933, outros ao narrarem a cena com todo fervor deglutindo cada palavra nos conectam ao longo do espetáculo, esses são essenciais para a espera da longa da catarse tão ambicionada. Ao longo do espetáculo a culpa moralista é jogada no colo da mulher, os homens têm sempre suas ações e falas justificadas por “instintos selvagens”, tais quais os indígenas como narram os personagens de Graciliano em 1933. Uma sociedade machista e patriarcal onde a culpa cristã beneficia o perdão ao homem de “bem”, ainda é essa sociedade que queremos representar?  Essa é ainda a atual Palmeira dos Índios?

Que se libertem os indígenas dessa narrativa, essa culpa eles nunca cultuaram. Qual a cena que escolhemos contar no teatro? Que artifícios de liberdade precisamos conquistar e que estratégias de libertação conseguimos colocar no fazer cênico. Paulo Freire nos apresenta o seguinte, texto de Teresa Nunes:


“A educação libertadora tem, fundamentalmente, como objetivo desenvolver a consciência crítica capaz de perceber os fios que tecem a realidade social e superar a ideologia da opressão. Na educação como prática da liberdade, os homens e as mulheres são vistos como “corpos conscientes”.2


A libertação é individual, mas ela só será estabelecida de forma coletiva, pelo povo consciente de sua realidade, superando a opressão e as narrativas colocadas de forma poética e normativa. Quem sabe um teatro de libertação, uma cena de forma consciente, abrangente dando espaços e caminhos, esperançando olhares, encontrando habilidades, destravando lutas e cultivando plateias.

O teatro é um lugar de pouco acesso ainda hoje para a maioria da população, seja pelo local, pelo valor de ingressos, pela divulgação, nós somos um estado que não temos uma lei de incentivo, ficamos à mercê de editais nacionais e estaduais esporadicamente. Ou seja, quando surgem.



Fotografia: Sombra


Em 6 anos desses trabalhadores da cultura, quantos de nós acessamos esses colegas, apreciamos e dialogamos sobre o nosso fazer teatral. Quantas pessoas tiveram acesso à experiência ao longo desses 6 anos nas cidades do interior? Há de se aplaudir esses colegas, seu empenho, sua perseverança e torcer para sua continuidade quanto mais nos espalharmos, maiores ficaremos.  A Humana Cena, é uma produtora artística e de eventos, que vem desde de 2017 atuando na cidade de Palmeira dos Índios e região, nesse período foram mais de 8 espetáculos, oficinas e cursos de teatro para a população em geral. Além de promover eventos com artistas de outras linguagens artísticas e regiões para o espaço da cidade. 

  Re-aprender nossas histórias, observar nossas memórias, construir um espetáculo olhando aonde queremos chegar, o que queremos e vamos contar, o que podemos transformar. O extraordinário é nunca parar, o artista é movimento ele quando se movimenta leva com ele muitos, quantas pessoas tiveram acesso à arte pelo trabalho da Humana Cena, que ela chegue a tantos e tantas outres. Que esses trabalhadores cênicos andem por outros caminhos, o encontro os espera. E a cada dia tenhamos novos espectadores,assistindo cenas pela primeira vez, essa é a nossa luta. Teatro deve ser para todos, todas e todes.



Fotografia: Sombra





Referências:

1-https://brasil.elpais.com/brasil/2019/08/19/cultura/1566230138_634355.html

2-https://educacaointegral.org.br/reportagens/paulo-freire-em-seu-devido-lugar/?gclid=CjwKCAiAmuKbBhA2EiwAxQnt7-hIMQYHao8MJOEBAIRahkJC1WdJacniT1QMXKHaWSCsGF5K1F8SHBoCQ7IQAvD_BwE

Serviço:

Dramatugismo: Moisés Monteiro de Melo Neto 


Direção: Robson Silva 


Elenco: Lydianne Ferro, Gabriel Philippe, Tamário Rodrigues e Rubens Einstein


Sonoplastia: Túlio Francino 


Iluminação: Carlos Junior 


Cenografia: Robson Silva


Maquiagem e Penteado: Allan Cavalcante e Erika Morgana


Técnica: Pivette Curly e Felipe Erick 


Bilheteria: Beto Vianna e Jéssica Leitte


De Zé Sabido a Marcos Vanderlei, símbolo e memória de um movimento cênico/ Maceió(AL)Abril, 2022.

                                                                                                  Tessitura_ Lili Lucca


Sentar à mesa do bar é um ritual, é ritual também o teatro, ambos se dão no encontro. Aqueles que nunca degustaram de uma boa dose de algo etílico, ao menos espero que aqui junto a nós tenham se inebriado da arte e poesia daquele que em cena conta causos tontos de dias de embriaguez. “Há multidões em mim” é o que versa em suas palavras o personagem Zé Sabido, e o que acontece em cena há mais de trinta anos de trabalho do ator Marcos Vanderlei, composição de histórias.





    Puxe sua cadeira, desce mais uma, mais uma conversa a beira do palco esse é o efeito que nos causa, estamos achegados a ele, ali nas frestas das luzes. Entrelaçados pelas vivências contadas, à beira de paisagens feitas de calçadas e quadrados amarelos, onde as mãos suavizam e tocam garrafas levando a boca de copos liquidez, e então inebriando nossos sentidos.

    A dramaturgia das peripécias de botecos, realidade e/ou ficção permeiam a todos pela memória, aqueles livres que ao invés de régua da moralidade permitem vivenciar o efeito do álcool. Não coloco aqui o álcool como o centro do conflito de cena. Busco aqui a liberdade daqueles que são abraçados pela rua, das pessoas que vivem a descobrir, o mundo em outras pessoas. Daqueles que não estão previamente planejados, que curtem o improviso da vida, que esquecem o dia de amanhã para viver o hoje. Qual a certeza do amanhã? Escutar as histórias do Zé Sabido, é também lembrar-se do presente. E o hoje?






    O êxtase do momento é o que Zé Sabido discorre em cena, é um daqueles que como muitos de nós experimenta o sabor e os devaneios da vida.

    Um encontro que necessita do básico, um ator, algumas boas histórias e uma plateia atenta, ali como no teatro, somos capturados pelo trabalho de Marcos. E alucinante a simplicidade do palco vazio, a luz que vaza pela caixa de cerveja e desenha a cena que povoa e reanima nossas lembranças, somada ao trabalho autêntico, intenso e gentil de Marcos.

    Comparecer ao espetáculo Zé Sabido, e ver Marcos Vanderlei, em cena é como ver muito da história do teatro alagoano viva pulsando. Anoto aqui uma tentativa de catalogar e compartilhar com vocês, um pouco da nossa história cênica e híbrida de nossas terras. Há algum tempo acompanhando e fazendo parte do cenário Alagoano, a imagem de Marcos, permeia minhas referências cênicas. Sua imagem nos palcos alagoanos é algo muito concreto, ele sempre esteve ali no tablado. A grafia de seu trabalho de ator é um presente e um legado para a história da arte alagoana.






    Maceió, é uma terra onde a história do nosso teatro, ouso dizer, é feita por seus artistas e seus caminhos. Andar pelos espaços de ocupação cênica desse ator, é se deslocar há 1990, no Infinito Enquanto Truque, é escrita de uma dramaturgia do Teatro da Meia Noite, é acessar os jogos do Cena Livre e hoje aplaudir sua jornada na Cia. Imaginário.

    Cia. Imaginário, que desde os anos 2000 se intitula como propagador cultural na cena Alagoana. O espetáculo Zé Sabido, segundo me contou em uma prévia conversa a diretora do espetáculo Beth Miranda, é o primeiro espetáculo adulto do grupo e que queria homenagear o trabalho de mais de três décadas do colega de cena Marcos Antônio da Silva Vanderlei. O espetáculo que nasce de maneira coletiva no grupo, tem também o texto tecido por Márcio Veloso.

    Zé Sabido é ligeiro, tem sua história tecida entre uma dose/cena e outra, ao seu redor no teatro Deodoro, olhos atentos ao seu movimento e ao seu caminho. Que siga contando, percorrendo e edificando a história do teatro em Alagoas. Marcos daqui te digo, uma coisa é certa seu trabalho está escrito na memória daqueles que te presenciaram em cena. Sua trajetória é um documento vivo do teatro alagoano.


 SERVIÇO:

Teatro é o maior Barato

20 de abril de 2022

Zé Sabido

Monólogo com o ator Marcos Vanderlei

Texto: Márcio Veloso

Direção: Bethe Miranda

Produção: CIA Teatro do Imaginário

Classificação: 14 anos

Fotos- Roberta Brito


Festival de Teatro de Taquarana - FESTA 2022


 FESTA

Tessitura_Homero Cavalcante*

    


E, se deu o FESTA - Festival de Teatro de Taquarana! Se deu, gestado nos quinze anos de "Semana de Arte da Escola Santos Ferraz". Ousada concepção e teimosa persistência, do Ígor Rosa. Nobilíssima ousadia, deste que é nobre e admirável personagem no fazer teatral em terras das Alagoas. Querido e respeitado por seu trabalho e , ainda, por nos fazer enxergar e distinguir os que são do tablado e os que apenas se comportam como a gralha de fábula de Esopo. Um irmãozinho de cena, sem os falsos sorrisos ou fraseados incensados por perfumes baratos que chafurdam pela internete.

E assim sendo, a pequena cidade de clima quente, situada a trezentos metros acima do nível do mar e com pouco mais de dezenove mil almas; foi o palco seguro para artistas participarem do FESTA. Em assim sendo, este pedaço de agreste que é a transição entre zona da mata e sertão, se fez metáfora para nos encorajar nas travessias que promovam o teatro.

Legenda: registro do espetáculo "Cravo na Pedra, Amor no Coração" da Cia. Príapo de Teatro. Fotografia: Homero Cavalcante


    Tudo que afirmei, é bastante e dou fé. Haja vista, o privilégio de estar como plateia e responsável pelo espetáculo "Cravo na Pedra, Amor no Coração" da Cia. Príapo de Teatro. O que muito me honrou e estimulou a continuar conjugando o verbo teatrar.

    Viva a paixão pelo teatro que, também, propiciou a construção do Anfiteatro Odeon, na cidade das taquaras! Evoé !


*Homero Cavalcante, faz parte da história do teatro alagoano, escrevendo, dirigindo, atuando e dançando. Participou ativamente Ata (Associação Teatral das Alagoas), foi também, professor da Universidade Federal de Alagoas e sua atuação no estado é responsável por impulsionar grupos e artistas a serem e a fazerem teatro, recentemente dirigiu e escreveu trampolinagens para Cia. Mestres da graça de Palmeira dos índios. Presenteou o Filé com esse registro do FESTIVAL FESTA, que agora compartilhamos com tod@s! Quer saber mais sobre o Homero? Temos uma entrevista super divertida com ele no podcast do filé, acesse aqui.



Artistas presentes no FESTIVAL FESTA:

O FESTA - @festataquarana

Grupo Imbuaça (Aracau- SE) - @imbuaca

Teatro Camboio de Doido (Taquarana - AL) - @camboiodedoido

Trupe de Teatro de Bonecos de Alagoas (MACEIÓ - AL) - @

Pastoril da Santa Cruz - @pastoril_sc

Julian Neves (Palmeira dos Índios - AL) - @juliannevesduarte

Filhos da Marta - @filhosdamarta

Rodrigo Lima - @limardr

Danny Menezes - @_danny.menezes

Cia. Biribinha Teatro e Circo (Arapiraca - AL) - @biribinhacircoshow

Clowns de Quinta (Maceió - AL) - @clownsdequinta

Cia. Fulô de Mandacaru (Arapiraca - AL) - @ciafulo

Cia. Príapo - @ciapriapo

Luis Miguel - @

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...