MIT _SP: [Crítica] Espetáculo "STABAT MATER" de Janaína Leite

 Temos Coragem para atravessar? 
Por Lili Lucca

   Na 7ª.Edição da MITsp assistimos ao espetáculo de Janaina Leite, Stabat Mater, presenciamos, por assim dizer, a coragem da verdade em uma desconstrução do teatro e de sua performance, na qual artista dialoga diretamente com o público, sobre sua pesquisa e obra. Nos apresenta a coragem da verdade, mas não da verdade do outro e sim sua verdade. A coragem de olhar profundamente através de seus traumas, através de seu corpo feminino, através da relação com sua mãe e assim constrói seu documento autobiográfico de cena. Nos trabalhos de Janaina Leite, existe a constância autobiográfica, ela diz:

  “O autobiográfico pode aparecer na forma de um texto, de algo que se assemelhe a um depoimento ou relato a partir de uma experiência vivida. Mas não só um ‘texto’ propriamente, no caso das artes cênicas, configura um depoimento autobiográfico.”¹
   Janaina Leite, desorganiza a performance, ela vai atrás do que ainda não sabe, desperta novos lugares pela arte, e escolhe para seu espetáculo lugares que não habitou. No espetáculo a dramaturgia autobiográfica exposta e narrada pela filha, que performa e desconstrói a cena constantemente, temos a presença de sua mãe Amália Fontes Leite, que juntamente com ela narra os traumas vividos por ambas e “representa” a figura imaculada da mãe sempre santificada e presente. E também temos a figura do homem que é representada por um ator pornô, que personifica a virilidade masculina e a objetificação da mulher.



   Com imagens fortes, a presença da mãe na cena, o corpo feminino exposto e profanado pela violência do terror, é com os sentidos alterados pelo álcool que consome  é que Janaína Leite, conduz as cenas que se intercalam por conversas, que contam a ausência da mãe no estupro da filha, a fala da mãe culpada  e  da mulher traída,  que no seu discurso nos desperta raiva, mágoas,  amor e uma profunda identificação. Uma constante impregnada na herança histórica e cultural da relação entre mães e filhas.



   Nessa história estilhaçada, somos também o corpo feminino exposto, profanado pela estética dos filmes de terror a qual ela divide com todas nós,  somos o corpo feminino objeto  profanado pelo desejo masculino. A mulher virgem pura sobrevive, a que cumpre seus desejos e vontades é amaldiçoada.

   Somos filha de uma mãe imaculada virgem, que sobre a luz maternidade é sagrada e condenada a carregar o sofrimento e o sacrifício romântico de ser mãe. Somos também a filha da mãe, que nunca pode ser sexualizada pelo castigo do pecado que só pertence a corpos profanados das então filhas.

   Constituímos naquela cena o feminino em lugares de encontro, em lugares comuns. E nesse lugar de encontro que vejo esse trabalho como a força e a precisão de ser uma experiência singular. Onde o corpo feminino identifica e acende uma experiência e alvos únicos. Ao presenciarmos a coragem da verdade, as questões que surgem com a experiência, será que são toleráveis?

“Quanto de verdade somos capazes de suportar? Ou ainda: quantos tem a coragem para aquilo que sabem? O parresiasta não pode deixar de avaliar até onde as pessoas estão dispostas a ouvi-lo, a enfrentar seus demônios, a questionar suas próprias vidas. Toda parresia anuncia uma espécie de rompimento possível. É uma potência disruptiva da fala. Quando se efetua, é um acontecimento: instaura novas verdades, faz variar as relações de poder, implica no cuidado de si.”2
   O que somos capazes de suportar ou melhor o que realmente temos coragem de suportar. A reelaboração de seus traumas, o reconhecimento de seu corpo feminino, a posição desse corpo artefato, a busca constante pela santificação da mãe e profanação da mulher. Com que olhar se contemporizam esses corpos?


   Ela oferece a culpa e a ausência posta a mulher na construção social desses “personagens” mãe e filha. A filha que não percebe a mãe sempre presente, a culpa pela ausência. A mãe que se culpa constantemente por suas ausências. Uma culpa cristã que parece ter “nascido” com o feminino. Uma mãe, uma filha e todos as conversas nunca ditas, toda negação e toda devoção de uma pela outra. Dois corpos femininos sua relação exposta e tensionada, perante a nossa catarse. Estamos ali tensionadas com elas.



   Stabat Mater, Sempre esteve. A coragem que afronta a todas, uma forma poética e viva de se fazer teatro, é um desafio a todas que estão naquele espaço mesmo sendo um documento autobiográfico, ele nos desperta as mais angustiantes perguntas, nos revela toda nossa inércia e nos joga em meio a nossa culpa e condenação. Encarar isso é como repensar toda nossa vida, mas para que isso aconteça precisamos nos aliar as nossas mães. Ou afastar se, mesmo que um dia  regressem ao seu colo. 

   Reafirmo meu ver de que compomos naquela cena o feminino em lugares de encontro, em lugares comuns. E nesse lugar de encontro que vejo esse trabalho como a força e a exatidão de ser uma experiência no palco, que transforma a forma de fazer teatro para impulsionar nos outros a coragem de olhar se mesmo que de longe. Temos coragem para atravessar o palco?

Assista ao teaser clicando AQUI!

 Referências:
¹-      file:///C:/Users/note/Downloads/document.pdf
- https://razaoinadequada.com/2018/06/27/foucault-o-parresiasta/
Fotografias: Guto Muniz

FICHA TÉCNICA:

CONCEPÇÃO, DIREÇÃO E DRAMATURGIA: Janaina Leite
PERFORMANCE: Janaina Leite, Amália Fontes Leite e Príapo
PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS: Príapo amador (Lucas Asseituno) e Príapo profissional (Loupan)
DRAMATURGISMO E ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO: Lara Duarte e Ramilla Souza
COLABORAÇÃO DRAMATÚRGICA: Lillah Hallah
ASSISTÊNCIA GERAL: Luiza Moreira Salles
DIREÇÃO DE ARTE, CENÁRIO E FIGURINO: Melina Schleder
ILUMINAÇÃO: Paula Hemsi
VIDEOINSTALAÇÃO E EDIÇÃO: Laíza Dantas
SONOPLASTIA E OPERAÇÃO DE SOM E VÍDEO: Lana Scott
OPERAÇÃO DE LUZ: Maíra do Nascimento
PREPARAÇÃO VOCAL: Flavia Maria
PROVOCAÇÃO CÊNICA: Kenia Dias e Maria Amélia Farah
CONCEPÇÃO AUDIOVISUAL E ROTEIRO: Janaina Leite e Lillah Hallah
DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA: Wilssa Esser
PARTICIPAÇÃO EM VÍDEO: Alex Ferraz, Hisak, Jota, Kaka Boy, Mike e Samuray Farias
IDENTIDADE VISUAL, PROJEÇÕES E MÍDIAS SOCIAIS: Juliana Piesco
ASSESSORIA DE IMPRENSA: Frederico Paula – Nossa Senhora da Pauta
FOTOS E REGISTRO EM VÍDEO: André Cherri
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO E CIRCULAÇÃO: Carla Estefan
GESTÃO DE PROJETO: Metropolitana Gestão Cultural

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...