CRÍTICA:"Pós-Medusa" do espetáculo "Medusa ao Reverso" de Kamilla Mesquita

Tessitura _ Jocianny Carvalho 


  O espetáculo de dança “Medusa ao reverso” foi visto no sábado dia 29 de junho de dois mil e dezenove. O solo de dança é da bailarina e professora Kamilla Mesquita, que conta agora com o dramaturgismo de Jessé Batista. Antes de mais nada é uma espécie de ritual feminino, algo que reverbera sensações mesmo que distante. Talvez essas vibrações não sejam perceptíveis num texto, talvez não seja possível colocar num texto, talvez nem seja visível para todos, a olho nu.


  Um corpo feminino que dança, um corpo inegavelmente conquistado. Uma carne que pesquisa, que se mantém firme e elástica a todos os vieses dessa medusa. A estrutura física oferece a liberdade para que surjam dali centenas de significados possíveis. O seu olhar não assusta a todos. Assustar quem sabe não é sua intenção, alertar possivelmente? A medusa seria um terrível monstro ou uma criatura forte o suficiente para intimidar? Os grunhidos delas, das várias criaturas ali poderiam ser interpretados de várias maneiras, elas estavam encarceradas dentro daquela ordem carnal.


   A estátua grega feita de mármore deixava até a luz que sempre fora quente, fria. O corpo cinza, só o vermelho é fogo. A consciência corporal é exposta sempre de dentro pra fora, difícil acompanhar só com o olhar tantos detalhes, o tufo de cabelo, a briga interna, os dedos das mãos, os pés, o vestido, são camadas e camadas mas é apenas uma mulher. A água posta através do som parece uma lâmina cruel que reflete cada deslocamento e deixa claro para os seres ali que não há nenhum completo domínio, deve ser um corpo que gira, deve ser um corpo volante, deve ser tensão, deve ser equilíbrio.



  Uma mulher e um universo inteiro, o corpo feminino e toda sua mutação, seus hormônios e órgãos postos pra fora fazendo uma dança inquieta, sendo levemente ou bruscamente convidados a voltarem para o interior. A mulher que deveria ser contida, em sua trança, mas que não conseguia por ser forte sua natureza fêmea. A mulher que se auto mutila e se desfaz, e refaz. Essa mulher é reconhecida, o alumínio cancerígeno nas axilas, depilação à cera, sutiã, salto alto, cinta modeladora, o furo na orelha da recém-chegada, cerrar cabelo com os dentes, todas formas de se lacerar. É um enfrentamento de uma parte feminina que cabe no universo de maneira dócil e uma intransponível e insubmissa. Uma Pós-medusa que não cabe em si, mas que deve caber.


FICHA TÉCNICA:

Espetáculo _ Medusa ao Reverso

Criação e Interpretação _ Kamilla Mesquita

Dramaturgismo _ Jessé Batista

Produção _ Sara Lessa

Fotografias _ Nivaldo Vasconcelos

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