CRÍTICA "Os que vêm de longe" do Teatro da Poesia

Crítica "Os que vêm de longe" *
Tessitura _ Jocianny  Carvalho

A condição da existência humana pode ser a possibilidade de gerar significado. Ações, objetos, pessoas e reticências... Literalmente tudo pode significar, e o quão longe podemos ir com uma cadeira? Palestina? Sudão? Síria? Congo? Colômbia? Um oceano de possibilidades. A companhia Teatro da Poesia propõe uma imersão na realidade dos refugiados lançados ao redor do mundo, e é inegável que conseguimos enxergar, a cada momento de apresentação, todo longo dia de trabalho que aplicaram ao longo de nove meses, e como resultado, sem dúvidas, temos um belo espetáculo que reflete de forma benéfica o Festival de Teatro de Alagoas - FESTAL e o cenário teatral maceioense.



Em seu livro A imaginação, Sartre diz que a imagem é “uma coisa menor, que tem sua existência própria, que se dá à consciência como qualquer outra coisa e que mantém relações externas com a coisa da qual é a imagem”. Faço esse passeio por Sartre porque o espetáculo em questão, Os que vem de longe, proporcionou uma infinidade de imagens que se transformaram potencialmente em coisas diante de nós. E ainda que a imagem seja teoricamente menor do que a coisa, neste caso, de forma tênue, ela foi tornando-se quase real, mas, mesmo conseguindo esse status de imagem-coisa, ela não deixa de ser imagem, não deixa de ser ínfima, o que a transforma em mito, utopia. 


A montagem trata de várias realidades, que conseguimos acessar através das várias imagens e diversas palavras poéticas. E sim, eles podem esbarrar com algum espectador cansado, querendo mudança, que diga: fake news e apropriação cultural!  Mas, a ele, simplesmente responderia: tornamos imagens em coisas, então, nesse caso, o resultado é totalmente positivo. Tornamos o invisível em visível. E visibilidade é realmente algo especial. Algo que faz com que o ser humano que habita, às vezes descansando, em cada um de nós, desperte e faça alguma “coisa”, que pode ser apenas uma lágrima simplória, mas que nos lembra da nossa banal existência.  Mas, para além desse espectador cansado, também é necessário dizer que, mesmo com todo esmero e dedicação de uma pesquisa, jamais conseguiremos estar lá naquela grama, procurando as cabras curiosas de Sunamita. É preciso dizer que isso é poesia, por mais que essa vívida representação nos toque, nos cause catarse, ainda assim é necessário dizer: não estamos no mesmo barco. E talvez, ainda assim, seja necessário explicar: existem muitos barcos. 



Cadeira. A única coisa que de fato é posta concretamente para nós. E que, por ironia ou poesia, como diz Faruk, “queimamos primeiro das escolas”. Escolher a coisa que mais rapidamente pode ser descartada como o eixo central da cenografia, e que também podemos associar a esses “refugiados”, que facilmente foram (e são?!) descartados e lançados à diáspora — não podemos negar, isso é poesia. O que propõe, já no nome, o grupo. 

Se possível for, não usem mais o canhão de ar: ele corta as suas palavras e banaliza a sua poesia. Se esse robô fosse programado evaporar quando a cabra curiosa fosse bisbilhotar na grama, poderia ser um “talvez”, mas, ainda assim, parece que sobra. 

É possível imaginar? É possível ser mãe e sentir-se só? É possível voltar a comer patacones com alegria? É possível não sentir algo musicalmente celestial? É possível existir? É possível resistir? Eles nos mostraram que sim. Eles, que vem de longe. 


* A crítica foi escrita durante a apresentação do espetáculo no Festal 2018 e publicada na Revista #Textão nº 7



FICHA TÉCNICA
Direção: Jadir Pereira
Dramaturgia coletiva
Texto: Jadir Pereira, Jamerson Soares e Louryne Simões
Elenco: Aldine de Souza, Camila Moranelo, Jamerson Soares, John Fortunato e Louryne Simões
Direção de Produção: Geraldo Neto e Lídia Santos
Cenografia: Jadir Pereira e Louryne Simões
Figurino: Meson de Lira
Iluminação: Moab de Oliveira
Sonoplastia: John Fortunato
Maquiagem: Lucas Lerato
Responsável Visual: John Fortunato
Fotografias: Amanda Môa






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