Festal 2021: Descendo pela máquina de Pinball

                                                                                                                 
Tessitura_Jocianny Caetano




Legenda: registro da performance Estranhe de Ayó Ribeiro. Fotografia por: Alvandy Frazão
Texto alternativo: performer no centro da imagem, sustenta-se entre fitas na cor preta que são presas através de três mastros de ferro. Atrás du performer está a entrada da Secretaria de estado da Cultura de Alagoas.


Em um desses programas sobre coisas grandiosas inventadas por humanos, uma mulher explicava porque era moradora daquele maior prédio do mundo, e ela conta que está ali porque quer participar da história, e mesmo com aquele prédio de 828 metros balançando, ela participa. Aquela mulher parece com essa que escreve.

O Pinball é um brinquedo retangular, que consiste em duas palhetas que seguram a bola e a empurram em vários desafios e obstáculos até que se chegue no final. O Festival de Artes Cênicas de Alagoas em 2021 - FESTAL 2021 é sobre girar, e esse movimento da infinitude de um círculo é uma idealização. O que se quer é circular, mas ainda estamos aqui descendo pela máquina de Pinball, é isso que percebemos na terceira gira do FESTAL com o tema de “acessibilidade”, a resistência de um Festival que permanece há seis anos e em sua sexta edição buscando aproximar-se de quem vê e quem faz artes cênicas em Alagoas, desta vez no formato online.


A janela é muito pequena

A mesa redonda com o tema “Acessibilidade: potências, entraves e pré-conceitos na produção e recepção de trabalhos artísticos” contou com as presenças de Igor Rocha, professor, ator e palhaço e da Isabel Alvim, pedagoga e poeta. São histórias potentes na arte, houve muita reflexão e luta para ocupar os seus lugares, apesar das cadeiras estarem reservadas para eles na mesa, as condições para chegarem até ela não foram iguais, e aqui cabe uma reflexão: onde está realmente a deficiência? Na pessoa ou na sociedade?

O palhaço Surddy de Igor trouxe para ele uma possível resposta do que significa a arte, que o corpo é uma língua que dialoga com u outru. Isabel se encontrou na poesia Slam, um espaço para compartilhar gritos guardados e corações que batem em todos os lugares. Igor apresenta Lucas Ranon, surdu cartunista alagoano, Isabel traz Catharine Moreira, atriz, poeta, Slammer e dançarina que lhe impulsionou a ocupar sua cadeira. Pessoas que oportunizam outras pessoas porque a janela é muito pequena. E nessas falas provocadoras para nós ouvintes, o que fica é a certeza de que vocês não são capazes de serem menos, continuem trincando os vidros.

O que se nota é um encontro nas falas sobre o momento em que se viram artistas, no dia 26 de setembro, dia du surdu. Pode ter sido em uma quinta para Isabel, em um sábado para Igor, mas o redescobrimento foi feito a partir desta data; o que nos faz voltar ao questionamento da Isabel, quando perguntada sobre a eficácia da legenda e da tela de acessibilidade, que questiona: por que a janela é tão pequena? Por que não ser 50%? Estamos em outubro, e refletimos sobre isso, mas o FESTAL, apesar de disponível em seu canal do Youtube, possui um mês de duração, o dia 26 de setembro apenas 24 horas, precisamos começar a reformar a janela.

O que acham de começar essa reforma de vez? Compartilho alguns nomes de artistas e coletivos aqui, e os convoco a também compartilhar nos comentários, valendo: Carolina Teixeira, Instituto Teatro Novo, Vitória Bueno… (continue)


Tapete marrom de pelos

 


Legenda: registro do espetáculo "O que existe entre nós da Cia. Mestres da Graça de Palmeira dos Índios. Fotografia: Mário Zeymison
Texto alternativo: dois atores no centro da imagem, vestidos de camisa e calça na cor vermelha. Um dos atores está sentado com os dois braços nos joelhos, se coloca de forma lateral, o outro está agachado com as duas mãos sobre o ombro do primeiro. Há um músico no canto esquerdo da imagem com seus instrumentos musicais.



No dia 15 de outubro de 2021, dia dus professores, a prática artística “O que existe entre nós?” da Companhia Teatral Mestres da Graça, localizada em Palmeira dos Índios, foi compartilhada no Festal 2021. São três personagens em cena, corpos que possuem a intenção de se perder mas ainda não são entregues ao abismo, porque se distribuem nos limites da dimensão do tapete marrom de pelos. Somus convidades a investigar as relações, mas no escuro das entradas e saídas e choque entre lirismo e cotidiano feroz, ouvimos o som curto e pontual do músico presente, um ponto e vírgula, exclamação, reticências e fica a interrogação: o que existe entre eles?

A morte de Leonardo, por apenas andar de mãos dadas na rua ao lado de seu companheiro nos causa revolta e tristeza porque nada é ficção, apesar da poesia com que se diz, o coração figurativo branco neve que repousa logo atrás do casal no chão do tapete marrom de pelos, que agora sangra, é real. Quatro casos de homofobia por dia, 5 mil mortes em 20 anos, um professor Acioli no mês de setembro. Há uma ação dita de Palmeira dos Índios e uma reação vinda de vários lugares, porque o arquivo cênico nunca morre, ele vive sempre que há alguém para acessá-lo, que esteja disponível, presente. O palco entre artista e espectador é sagrado, seja no espaço que estiver.


3x4 para guardar


Legenda: registro do espetáculo Eu sem você não sou ninguém da Cia. Turma do Biribinha de Circo e Teatro de Arapiraca. Fotografia por: Samuel Fotografias
Texto alternativo: ator e seu boneco no centro da imagem, ambos com maquiagem de palhaço. O ator à esquerda da imagem possui expressão de surpresa e blusa de listras horizontais nas cores, azul, cinza, vermelho e branco. O boneco está a direita da imagem, veste um colete zadrez amarelo, e blusa listrada nas cores vermelho e branco. No cenário atrás dos dois existem figurinos de cena e uma mala de bolinhas coloridas.



- Eu caí, e foi bom.
Denise M. Lucca


Eu sem você não sou ninguém da Cia. Turma do Biribinha de Circo e Teatro de Arapiraca, é o presente de um amigu. Uma foto 3x4 para por na carteira e te acompanhar. Ao assistir você sai com com a história de alguém de lembrança, Teófanes e seu boneco Biribinha, um fim que é o começo. Também é um diálogo com o tradicional e o atual, e que potência que o circo tem! Eles perguntam e nós respondemos, pelo chat ou pela tela.


O tempo da resposta está com eles há mais de 63 anos, quando Teófanes nasceu, nasceu também um leão. Um leão por dia desde então, Teófanes, Biribinha, Seliana e sua turma precisam matar, para manter o picadeiro que desta vez surge em luzes piscantes que formam um triângulo, remotamente. A necessidade de sobrevivência é o que torna Biribinha acessível a nós, e nos faz refletir se somos bonecos, ou se somos gente. Ou ainda, se estamos conscientes todo tempo ou são as quedas que nos tiram da alienação. A queda faz a gente se descolar e refletir sobre esses fragmentos. Teófanes caiu, e foi bom.


Placa da rua do sol


O que fica dito na performance Estranhe de Ayò Ribeiro, é que precisamos estranhar o centro, esse lugar tão terrivelmente confortável que traduz uma impressão de equilíbrio. O que fica dito, é que u performer está respondendu, sinalizandu e mastigandu lugares impostos ao corpu trans-não-binárie. Existem lugares impostos a corpus trans não-bináries? Ou será que ainda vão criar para vender, cobrando alguma moeda nova tipo pink money?


Ayó, atrás de você aparece o sol, é uma placa com o nome da rua. A rua do sol, o palácio do governo, o azulejo de uma representação de Jesus cristão, bandeiras, uma porta da secretaria de cultura que se fecha, pausadamente. São muitos signos, muitas simbologias, muitas reações. Ayó escancara o desequilíbrio, a censura, caixinhas de gênero, as notinhas de repúdio. Dançar aqui é urgente, é um reexistir. Essa performance se propõe a debater sobre as saídas e discursos criativamente preguiçosos que são impostos a corpus que não cabem na caixa. Confiem nelu e elu fará grandes coisas.


A terceira gira do festival termina com o show da cantora Malta Lee, que com sua calmaria canta sobre sobre “us que querem ser amadus e não permitem-se ao amor”. A delicadeza dela se encontra com us interpretes de libras : Danilo Jatobá, Roberta Rafaele, Charliane Ferreira, Bruna Vasconcelos, Renata Costa e Bárbara Lustosa, que buscaram traduzir com o máximo de gentileza cada palavra dita pelus artistas.


O engenheiro do prédio que foi citado no início do texto conta que ele balança mas que sua estrutura engana o vento. Que o FESTAL continue enganando o vento, sendo uma palma de mão aberta que se empenha para que o encontro das artes cênicas em Alagoas seja sempre acessível a todes, que a busca seja sempre ser um girar mesmo que descendo pela máquina de pinball.









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