“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca 
       Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu lado, sempre estarão alinhados aos nossos sonhos e lutas. Cheia de memória e saudosismos luto nesse tecer para levantar diariamente o trabalho de artistas alagoanos. Peço licença a vocês, uma saudade ainda latente instaurou nas minhas palavras no Penedo. 

Precisamos de Sonhos!

    Ao pisar no palco, seja ele em formato italiano, seja um tablado demarcando um espaço ou aquele auditório da nossa escola, onde uma história pode se tornar realidade. Ao me sentar nessa cadeira, para tecer essa experiência e escolher a que caminhos as palavras me levariam. Reli anotações, lembrei dos espaços que arruei por Penedo com meu companheiro(a)s. Coloquei assim: 
  
“Como nasce um artista em Penedo?”
    
    Mas será que eu queria mesmo falar sobre nascimentos, e então me veio a sensação da primeira vez que pisei no palco de um teatro, era de uma escola de freiras da cidade onde nasci. Eu tenho em minha cabeça decorado todos os cantos daquele “teatro” sei ainda todas as entradas e saídas, lembro dos instantes na coxia, espiando, lembro da sensação de subir as escadas para entrar em cena. E na sequência dessa memória, veio o dia da minha matrícula na Ufal, ao qual fizemos na sala da orquestra manualmente com Prof. Ronaldo, e do meu primeiro solo curto na sala preta. Todas essas pisadas e sensações estão vivíssimas em algum lugar da memória.
“Como foi a primeira vez que você pisou no palco?” 
    
    Volto aqui hoje para registrar a minha experiência e escuta com os artistas de teatro no Penedo. Em nossas prévias conversas a memória foi um fator importante de resgate histórico, esses artistas são sujeitos a que me orgulho imensamente de conhecer, de escutar e de erguer a eles monumentos, para que se lembrem diariamente da sua generosidade e majestade ao pisarem no palco e fazerem sua arte. Arte esta que resiste há muito tempo, antes eram feitas em estaleiros, onde se registram as primeiras apresentações teatrais do Penedo. 
    “Quem conta é Carlos Santa Rita. A arte de João Caetano não seria propriamente uma novidade por essas bandas das Alagoas, visto que 1876 já se apresentava no trapiche da extinta Companhia Pernambucana, na rua da Praia. Apesar dos inconvenientes que se pode imaginar, aquele armazém teria sido o mais antigo teatro público de Penedo. Tosco e improvisado, mas amplo e abrigado. Pelo menos, com a originalidade das construções lacustres. Palafita-teatro, sem similar.” SALLES(2013/pg.63)
   
     Para quem não sabe, as palafitas são sistemas de construção usados em edificações em regiões alagadiças cuja função é evitar que elas sejam arrastadas pela correnteza. Entre minhas memórias, e relatos históricos, quantos são os artistas de teatro de Alagoas, que já foram arrastados pela correnteza do esquecimento/apagamento. Impossível mensurar. Andar por Penedo, é encontrar casarões cheios de histórias, e se deparar com pessoas incríveis que a todo momento te contam um pouco dessas histórias e dão a sua versão da história, e eles contam cheios de orgulho e lamúria.
    É empolgante e revoltante que uma cidade como essa não seja berço do turismo-histórico nacional, que os espaços mal tenham manutenção, que os trabalhadores que ali mantêm o que resta dessa história em pé não tenham alguns nem seus mínimos direitos trabalhistas. Precisamos do sonho. 

  Seria possível estendermos as mãos uns aos outros em nossos coletivos teatrais? 

    Parece urgente para essa classe entendermos essa dinâmica do alagadiço nos afasta, nos arrasta correnteza abaixo. A cada vez que a maré enche, parece que somos afastados nos perdemos de vista, alguns voltam assim que a maré baixa. Outros precisam se re-construir em suas ilhas e lá permanecem. Será que é possível hoje com a tecnologia e a modernidade construir Palafitas-teatro em Alagoas?
    
    E nesse teatro sobre as águas, a gente não perca o olhar um dos outros, outras e outres e consiga em uma utopia diária, resgatar nossas histórias e viver um ritual de Dionísio ás Bacantes de Zé Celso. Um ritual de Corpos Atravessados de Jorge Schutze à Terra Terta da Cia. Penedense. Precisamos do sonho.
     Nesse percurso cênico alagadiço, encontramos alguns artistas do Penedo. A maré estava baixa. Miralindes Pereira, uma dama/trabalhadora da cidade do Penedo e do teatro que lá fomenta e faz, conta que em 1990, quando ainda era uma menina foi fazer uma oficina de teatro na escola. E da oficina, fundou com os demais companheiros a Cia. Penedense de Teatro. São 33 anos dedicados ao teatro, hoje em pausa. 
“Alguns precisavam sair para cuidar da sua vida.”Miranildes Pereira. 
    
     No início de sua trajetória, que começou com oficina de teatro na escola, ela aprendeu que para ser artista de teatro, é preciso ocupar todas as frentes(atua, dirige, faz figurinos e cenários), conta que aprendeu um pouco de cada função dessa arte coletiva, a partir dessa oficina com outros companheiros de cena eles fundam a Cia. Penedense de Teatro. Conta também que por muitas vezes quiseram atuar e não tinham palco. O teatro 7 de setembro não era um espaço que eles artistas de teatro podiam ocupar com facilidade nessa época.
  “Queremos atuar, mas não temos palco. Na época o teatro era uma casa de show.” Miranildes Pereria 
    Eles não pararam e ocuparam as ruas, penso que as Palafitas-teatro nesse período também já tinham sido varridas pela correnteza, se não da água, do que na época deveriam se chamar de progresso. Nessa narrativa Miranildes, fala dos festivais estudantis, da busca por parcerias com artistas de Sergipe e da capital alagoana. Narra também a busca de novos integrantes e da realização de novas oficinas em parceria com a prefeitura, o surgimento de novos grupos e artistas. As temporadas dos espetáculos, a circulação desses pelo estado e pelo país. 
“Eu ainda vou voltar não sei quando...”Miranildes Pereira

    O caminho do artista, na sua formação, no seu trabalho é árduo, cansativo, não tem como medir por palavras ou descrever esses percursos únicos. Todos creio eu na minha crença de artista, que todos, todas e todes carregam no peito a utopia de pela arte inventar novos mundos. Novas narrativas com a de Miranildes, que começam a ser escritas em oficinas pelas escolas de Penedo. Fernando Arthur, Ladilson Andrade, Kall Liws, Anderson França, Jéssica Oliveira, Priscilla Calumbi, Emmanuel Silva, Juliana Felix, Ravy Thiago e Alle o Santo são hoje alguns nomes do teatro vivo no Penedo.
    Precisamos dos sonhos. A construção narrativa dessa tessitura parte também de uma educadora, que junto a mais dois educadores enchem o coração de entusiasmo mesmo cansados de sala de aula, pois nesse encontro de memórias e conversa descobrem que o teatro feito na escola é um nascedouro de liberdade criativa. Como se por algumas horas de conversa nosso trabalho intenso em sala de aula fosse esperançado por todos esses artistas do Penedo. Bell Hooks, em seu livro fala do aprendizado como prática libertadora. 

  Como escolher caminhos ou descobrir se na escola nossa criatividade/liberdade não é praticada? “O compromisso com a pedagogia engajada leva em seu bojo a disposição a ser responsável, não a fingir que os professores não tem poder para mudar a direção da vida de seus alunos.”hooks(2017/pg.272) 

    Cada artista hoje do Penedo, sabe a importância do teatro em sua vida, e de como a escola com práticas pedagógicas pode mudar a sua perspectiva de futuro. Eles seguem no caminho do teatro, buscando estratégias de sobrevivências para pagar as contas do mês, como todos nós em terras alagadiças. Mas em cada um deles, nas suas falas esta disposição de mudar a direção do olhar de outros pela arte. Precisamos de sonhos.

    
    Fernando, seguiu para o caminho do direito, porém continua produzindo arte e ocupando espaços de produção de arte e festivas que ocupam a cidade do Penedo. Conta que foi preciso e é sempre preciso abrir espaço, ocupar espaço para grupos, lembra que na sua época atuante na cena conseguiram uma sala para guardar as nossas coisas, mas não era fácil conseguir o espaço para ensaiar. Relembra com entusiasmo que no período de 2013/2016 foi um período em que muitos grupos de teatro movimentaram a cena Penedense. Eram mais de 6 grupos: Maria Dengosa, Flor do Sertão, O Núcleo, Cia Penedense,Os Nordestinos, Artes Ribeirinas. Grupos em movimento que participavam das ações na cidade e na cultura local. 
   
     Ladilson, fez também uma oficina de teatro, montando um grupo Cia. Passo a Passo, e comanda o festival estudantil por 4 anos, escreve e atua no espetáculo Borda Bordado e bordão. Ele traz a urgência do reconhecimento da classe e do público com os grupos e artistas de teatro no Penedo. E por essa urgência de direito, é que são enfáticas as falas desses artistas. Precisamos do sonho, mas precisamos comer, vestir se, pagar as contas.

  “Não consigo sobreviver do teatro, faço parte da Cia Flor do Sertão desde 2009, antes de chamava cena em ATO.” Anderson França 

“Tentar conciliar teatro e trabalho, o tempo é algo muito difícil para produzir. Tenho dificuldade em produzir pela questão do tempo.” Jéssica Oliveira 

“É preciso ter informação para viver da arte, a arte não enche barriga.”Ravy Thiago. 

    Quando vamos até Penedo, encontramos a realidade da maioria dos artistas de teatro desse país, não é possível viver de arte, ela a arte não enche a nossa barriga. Esse trabalho árduo a que nos dedicamos a nossa vida, estudamos, preparamos o corpo, pesquisamos e parece que não demanda tempo de vida. Até quando conseguimos viver de sonhos em mundo onde tudo é consumo e lucro.

  Você que consome tudo, qual o valor do trabalho de um artista? 

    O que produzimos não é conteúdo, é arte. Ela transforma a vida, muda o caminho e uma construção coletiva, que pode dar novas perspectivas de ser. Por isso a utopia, ela nos mantém na arte. Construções coletivas que vieram também de Anderson, hoje membro da Cia. Flor do Sertão, atua, dirige e já ministrou oficinas onde se encontrou com Alle. Oficinas que chegaram até Ravy e Juliana, que tiveram por esses caminhos sua estreia nos palcos. Alle, que é artista independente e atua em várias linguagens de arte, narra que viu no teatro a possibilidade de reaver o seu corpo. 
 
  “A escrita me dá a vida, a música me dá a voz, e o teatro recupera meu corpo que eu tinha perdido.” Alle o Santo.

    Artistas de múltiplas faces do Penedo, buscando também dar acesso ao teatro a outras pessoas, afirmando-se nessa ação como um agente transformador pela arte. Como fez Kall Liws, e como faz a atriz Priscilla, que acredita na força de cada artista penedense, que se põem disposta a plantar novas cenas e a construir novas possibilidades para o teatro em sua cidade. Ela também atua como produtora, e está na feitura de mais um Intercâmbio Teatral Estudantil, que acontece do dia 06 á 10 de novembro no Teatro 7 de setembro de 2023. Ela nesse fazer artístico irá guiar novos passos a pisar no palco e dar continuidade a essas construções coletivas de arte. Precisamos do sonho.
    Necessitamos estender as mãos e nessa ação cênica, compor a dramaturgia dos vestígios da nossa história, e se for imprescindível para que o subir da maré não torne a nos alagar enquanto sujeitos de cena, construir nossas palafitas-teatro usando toda nossa tecnologia e artifícios. Que elas sejam feitas pelas nossas narrativas individuais dentro dos casarões de teatro do tempo colonial, afinal o território em que nascemos é esse, ele nos pertence somos maiores que as edificações, a história que se escreve ali naqueles espaços somos nós os criadores. Artistas de teatro.

“Artistas de teatro que estão a tecer essa cena, que fizeram sua história. No meio desse caminhar um grito parece abrir o céu para a subida de mais uma estrela. Mais uma estrela do teatro alagoano, a professora e atriz Cláudia Paes, uma artista cheia de luz, energia e alegria. Cacau, por onde passou deixou sua voz e presença viva naqueles que a encontraram. Aqueles que te encontram na cena nunca irão esquecer o seu brilho. Que sua luz, nos ilumine aí de cima, como no teatro sua história está viva em nossa memória.” 

Agradecer a Painho, conhecido como Emmanuel Silva, um artista de teatro que estendeu a mão a esse coletivo e seguiu ao nosso lado com sua generosidade contando a história dos artistas do Penedo. Ter um trabalhador e história viva do teatro penedense ao nosso lado, nos guiando foi um imprescindível. 

Referências: 

SALES, Francisco Alberto. Arruando para o Forte: roteiro sentimental para a cidade de Penedo. -2.ed. - Penedo: Fundação Casa de Penedo, 2013.

Hooks,Bell. Ensinando Transgredir: a educação como prática de liberdade. -2ed.-São Paulo: Editora WMF Martins Fontes 2017.

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