Aldeia Arapiraca 2019: MINI CABARÉ TANGUERO: CHIQUITO, PERO BIEN MANEIRO (Cia Fenomenal - AL)

Tessitura _ Felipe Benicio *

     Mini Cabaré Tanguero, da Cia Fenomenal (AL), é um espetáculo ao estilo dos shows de variedade, composto por vários números independentes, que exploram linguagens como a do teatro, do circo, da dança etc. Em cena, temos uma Julieta Zarza multiartista, que faz pantomina, manipulação de bonecos, truques de mágica e, de quebra, nos dá uma aula de tango. Ocupando a função de um mestre de cerimônias desse show, temos Cachito Buonnasera, um boneco manipulado por Julieta, que é um misto de Vincent Price e latin lover, e que, com sua voz grave e seu sex appeal, canta, dança e ainda distribui beijos para a plateia. 

Mas que não se entenda essa organização em números como sinônimo de aleatoriedade. Embora tenha esse caráter mais fragmentado, o que, nas palavras de Julieta, segue uma dramaturgia da necessidade — ou seja, a ordem em que são apresentados os números é aquela que melhor se adequa às rápidas mudanças de figurino entre uma e outra cena —, todos os elementos desse mini cabaré gravitam em torno de um ponto em comum — o tango. Seja enquanto música, na trilha sonora, ou enquanto estilo de dança, presente na aula de Cracotzian Style of Tango ministrada por Anyeska Fuska, ou na inusitada coreografia minimalista performada apenas com as mãos (criativamente convertidas em dois bailarinos), o tango é uma constante no espetáculo.



No entanto, para além dessa maneira mais explícita, o tango também parece estar presente enquanto um princípio. Em um primeiro momento, pode-se até pensar que é um contrassenso ter apenas uma personagem em cena em um cabaré que se pretende “tanguero”, uma vez que, pelo menos enquanto dança, o tango pressupõe um par, uma relação com um outro. Mas essa relação está lá, e ela ocorre, creio, tanto de maneira explícita, quando as pessoas da plateia são convidadas a participar, quanto de maneira implícita e simbólica. Mesmo quando está sozinha no palco, Julieta nunca está sozinha em cena, e o seu par pode ser desde um cigarro (que some e reaparece diante de nossos olhos) ou mesmo um chicote (utilizando com finalidades meramente “pedagógikas”), com quem ela performa uma coreografia pós-contemporânea e neotanguera pra Pina Bausch nenhuma botar defeito. Até na cena em que a personagem de Zarza apropria-se de uma mesa em que há uma placa de “reservado”, essa figura do outro está ali, indiretamente, e rimos não só da ousadia da personagem, mas desse alguém que acabou de ser ludibriado.   

A apresentação desse Mini Cabaré Tanguero ocorreu no Teatro Hermeto Pascoal, como parte da programação do Aldeia Arapiraca, e teve casa cheia. Acredito que isso se deva, para além da força de atração que a linguagem circense exerce sobre as pessoas em geral, ao fato de que o público arapiraquense tem uma estreita relação com circo, uma vez que esta cidade é o berço do palhaço Biribinha, tendo, inclusive, uma escola voltada às práticas circenses. A plateia esteve entregue ao espetáculo do início ao fim. 



     Ao ver o cabaré de Zarza foi impossível não lembrar que em março deste ano ocorreu o primeiro festival de palhaçaria com recorte de gênero realizado em Maceió: o F.E.M.E. – Festival de Mulheres Engraçadas, organizado pelo grupo Clowns de Quinta, que teve a sua programação composta apenas por mulheres (Julieta foi uma delas), uma oportunidade de promover uma reflexão acerca dos modos de se fazer humor, que por muito tempo estiveram escorados quase que exclusivamente em piadas de cunho preconceituoso. Nesse sentido, uma das primeiras cenas do Mini Cabaré Tanguero é bastante significativa. Cachito Buonassera diz para a personagem de Julieta que ela só dançará tango se alguém a convidar — seguindo a tradição dos bailes em que as mulheres deveriam esperar o convite de alguém (um homem) para poder dançar. Imediatamente, a personagem vai à plateia e encontra um par para o seu tango. Parece algo bobo, mas, tendo em vista a história do tanto, é um ato bastante subversivo. A realização do F.E.M.E. e a apresentação de Julieta no Aldeia Arapiraca são provas de uma presença cada vez maior das mulheres no universo do humor. Mas não apenas isso, uma presença também cada vez mais consciente do seu papel na quebra e no questionamento de paradigmas.   

     Mini Cabaré Tanguero é uma experiência curta, mas muito divertida e intensa. Como diz Buonnasera, “es chiquito, pero bien maneiro”. E eu fico muito feliz em reconhecer que a palavra “mágica”, neste espetáculo, nomeia não apenas uma forma de arte, mas a pessoa que a realiza.
   
* Felipe Benicio é poeta, ficcionista e doutorando em Estudos Literários (Ufal). É também membro dos conselhos editoriais da Revista Fantástika 451 (SP) e da revista do Coletivo Volante de Teatro, #Textão (AL) e  colaborador do Coletivo Filé de Críticas.

Espetáculo: Mini Cabaré Tanguero
Cia Fenomenal (AL)
Fotografias: Frederico Ishikawa

Um comentário:

  1. fico grata por ter este enorme privilégio de compartilhar mais uma vez visões, conhecimentos, ideias e saberes com vcs ! Salve salve filé!!!

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