Cenas do Nordeste: Entrelaçando Discursos Singulares


Tessitura_ Lili Lucca    


    Entre os dias entre 02 e 10 de abril de 2021 fomos apreciados por um encontro virtual com as artes cênicas nordestinas. Alguns dos artistas de Natal em conjunto com a Ardume Produções, que foram contemplados pelos incentivos da Lei Aldir Blanc, fomentaram mais um trabalho: a segunda edição do “Cenas do Nordeste”. Um encontro de artistas dos nove estados que compõem o nordeste representados em dezoito trabalhos, os quais aconteceram pelas plataformas virtuais, no aplicativo ZOOM Cloud Meetings e com exibição pela plataforma do Youtube.   

Um festival que interliga estados, fortalece esses territórios e os artistas que ocupam as artes cênicas, frente a uma vasta produção artística absorvida através de plataformas online, uma experiência única de conhecer, acessar e degustar a produção daqueles que nos cercam. As presenças e a proposta do “Cenas do Nordeste”, trazem consigo a troca com outres, por meio das janelas virtuais, em um momento no Brasil e no mundo em que vivemos uma pandemia há mais de um ano, vindo a ser estabelecida como a única possibilidade segura para o diálogo e encontro.  Hoje, há aqueles que quase em coro esperam ansiosos pela volta da presença física, mas há também aqueles que experimentam o virtual e compreendem nele outra viabilidade para olhares cênicos.  

No “Cenas do Nordeste”, ao vislumbrarmos os artistas e seus trabalhos, por meio de telas distantes, somos contemplados com novos olhares, às vezes com fotos ou imagens escuras que iam a cada encontro se revelando, e de lá vozes, olhares tímidos e sorridentes, cenários diferentes, expressões, cores e troca de gestos, palavras e sentimentos. Um encontro efêmero nas nuvens do online todos os dias, novos sons, imagens, sotaques, e laços surgiam, nesse ritual da conversa, da escuta, do simples nome impresso na tela escura, da contagem de pessoas chegando, da voz que diariamente anunciava os trabalhos, construiu-se o efêmero de um festival que deixará em seus vestígios de laços e fortalecimento indispensáveis.  

Espetáculo- Pra Frente o Pior - CE

Os dezoito trabalhos, que compuseram a programação do “Cenas do Nordeste”, trazem em seus discursos e imagens, toda a probabilidade de criação dos noves estados que compõem o Nordeste, de povos diversos, que são imensos e engenhosos, e que elaboram onde a probabilidade se resume de forma simples: aqui tudo é possível.  

Tecer essa experiência é uma forma aqui de saudar a troca, a força de trabalho desses artistas e produtores e documentar a memória efêmera de quem estava presente na construção diária desse festival, criando vínculos, tensionando cenas, respondendo perguntas, acendendo a escuta, esgarçando o tempo, rompendo e ultrapassando toda a potência desses artista, e nesses encontros tínhamos a acolhida acalorada de Daniela Beny e todo o magnetismo de Franco Fonseca. Ambos na curadoria, mediação e apresentação desses artistas e seus trabalhos, conversando com o público e promovendo arte. 

Entrelaçar os vestígios do online é um pensamento acerca da experiência da junção pela arte, é a construção de um olhar atravessadamente crítico do “Cenas do Nordeste” o qual lança um olhar para aqueles que nos veem de todos os outros lugares. Nesta cena, como eu já disse e repito, tudo é possível, o que escrevo, visita as minhas sensações e curiosidades, presenciando estéticas, atravessamentos de poéticas e dramaturgias, mas como dizem os antigos, o teatro, logo as artes cênicas, acontecem na presença, detalhado aqui que o que vivi nesses encontros efêmeros será um documento do que foi o “Cenas do Nordeste” em 2021. Demonstrando que os trabalhos exibidos são a história de artistas brasileiros, sua cultura, seu local geográfico, sua classe social e tudo que se ergue hoje em nossa sociedade. 

Desde que foi declarada a pandemia da Covid-19 pela OMS(Organização Mundial da Saúde) em março de 2020, estamos experimentando outras formas de ser em sociedade, nós os artistas, críticos e produtores, procuramos arquitetar novos caminhos de sobrevivência e para isso buscamos também nosso público, vislumbramos novos meios de encontro, de impulsionar a arte, como transformar a tela em “palco” e trazer o público para essa nova realidade. Como enxergamos tudo ao nosso redor no s recolocarmos em cena, para onde direcionamos esses olhares. Demonstro e sinto um pouco do que vejo, impossível não sentir, e acendo com minhas orações um olhar que quer ampliar essas cenas.

Olhar para o céu e querer voar, “PARA ONDE VOAM OS PÁSSAROS, da Sociedade T do RN”,  um trabalho que se direciona já para o online, um dia sairemos das animações da tela e voltaremos a contar histórias as crianças, a inventar. Dois meninos grandes, que se vestem igualmente, contam o que um dia lhes foi contado ou visitam uma história de livros criando personagens reais e concretos como o palco em que estão habitando.

 Você tem olhado o céu? 

Tem contado histórias? 

Tem visto os pássaros? 

Um trabalho que usa elementos de cena simples e simbólicos, que podemos criar com nossas crianças, uma história que te chama a olhar para o céu, a viver como os pássaros livres.  Reaprender a brincar, a imaginar, contar uma história com o que você tem em casa, rastros de um fazer de conta. Soltem os pássaros, é na liberdade que aprendemos, tanto é na liberdade, como naquilo que não é visto de forma nítida, que estão nossas forças alternativas de mundo e de arte. 

O artista cria com total liberdade, é assim que na criação de trabalhos ele alcança imagens e nos entrega o mundo, que muitas vezes não enxergamos. “SONHORIDADES PARA DESADORMECER SERPENTES, de Elton Panamby do MA”, um trabalho que segundo o artista em nosso encontro no zoom, foi também criado para o online, mas que traz consigo processos de alguns caminhos já percorridos pelo artista. A elaboração da imagem, acessa nosso despertar e nos leva a estados de sonho. Um trabalho cênico, em vídeo, editado e processado, uma estética para subverter a que tradicionalmente vemos. Estamos diante de outra corporeidade, um corpo que não ocupa espaço físico convencional, a imaginação tem um corpo, a imaginação ocupa um corpo. É como despertar perante um sonho, líquidos, sonoridades, fractais, apenas vestígios de imagens nos atraindo ao afundamento, é como se no sonho a vida estivesse latente e fizesse sentido. Vestígios de vida muitas vezes insignificantes, assentados perante todos nossos sentidos, conseguimos desadormecer e percebê-los? Até onde alcançamos nossa consciência. 

Sentidos, sentimentos, silenciamentos, sonoridades, vozes, caminhos, o caminhar de mulheres. Foram aproximadamente 26 mulheres em cena, todas empunharam sua voz, seu corpo, sua força, e poesia para contar suas histórias e das outras, outras essas que como nós muitas vezes, falam e não são ouvidas, passam e não são vistas. As mulheres presentes no “Cenas do Nordeste”, carregam em seus trabalhos o gestar feminino, trabalhando aliadas a homens elas apontaram para cena como protagonistas do Festival, não pela quantidade de trabalhos feitos por elas, e sim pela coragem de suas dramaturgias colocadas em cena. A mulher que por anos foi musa de artistas, agora desenha a cena e conta histórias, estabelece seu enredo, e seu corpo que foi inspiração, agora é revolução. O corpo fêmeo, a voz que grita e narrativas, que trazem mulheres diversas cheia de luta e vida. Artistas que em seu trabalho depositam no Cenas um diálogo feroz, revelador e aglutinador de muitas de nós.   

Espetáculo - Vulcão - SE

Nem todas têm a mesma cor, e muito menos a mesma dor e realidade, mas todas elas conversam e expressam em seus trabalhos o engajamento imprescindível dessa união. Corpas no espaço. Corpas em um espaço que já lhes foi negado. O movimento da mulher move o mundo, elas criam vidas. 

Um corpo que é livre, investiga, transpõe e subverte o que lhe foi posto pelo patriarcado. O corpo feminino que traz desobediências libertárias e únicas para sua criação. “”Utopyas to Everday Life, de PE”, são corpos expandidos, uma utopia de encontrar-se para existir, o desejo é simplesmente de colocar esse corpo em movimento. O corpo é maior que o espaço. Corpos e corpas que, em sua materialidade, se movimentam, criando sentidos, comunicando e dilatando-se. Libertas em uma única ação utópica, o encontro do meu corpo no espaço. A música, as imagens desses corpos são um convite ao movimento e à dança. Utopyas é o simples e preciso movimento de termos todas as corpas libertas!  Corpas em erupção, que correm, brincam pelo espaço, e dizem sobre si suas dores e desejos. 

Um VULCÃO. Anos convivendo com silêncio, mas agora elas se movimentam. “VULCÃO, do Caixa Cênica_ de SE”, vem cheio de memórias, palavras arrebentadas de uma atriz que explode em contos sobre sua “casa” teatro. Esse Vulcão, alcança a todas nós. Somos ensinadas a não sentir, a deixar tudo no avesso, e assim vamos definhando em nosso íntimo tudo que é sentido, tudo que precisamos dizer para viver. O Vulcão que parece íntimo diz sobre todas as amplitudes que pode conseguir a mulher, mas ela não sabe chorar, ela é apertada, seu corpo adoece. Até que uma revolução interna acontece e as erupções nos contagiam. No quintal de uma casa, com bonecas e vestidos correndo a cena junto ao público. O momento de falar da atriz é grandioso.  

Grandiosas. A continuar seus caminhos e criar suas histórias, de seus lugares, a olhar para suas mulheres, estender os braços, escutar e contar a importância de todas. Caminhar por solos arenosos, argilosos, rasos e profundos, caminhar mais e encontrar, mares, rios e lagoas.  

“Ela não sabia que dentro dela existia uma força.” “Entre Rio e Mar Há Lagoanas, do Coletivo Hetéaçã -AL” vem contar a realidade das mulheres à beira da lagoa, das mulheres à margem da sociedade e trazem para a cena o discurso de anos de histórias de mulheres que são invisibilizadas. Mulheres cotidianas, a máscara é o elemento que dá voz e protagonismo a essas história, e nesse solo híbrido que sobrevivem essas mulheres, o sururu, o canto, a esperança e a força das águas com seu movimento de todas as figuras femininas nesta região prossigam, mesmo contra a corrente. Ser mulher nesse país, ver e observar suas histórias, a violência sobre seus corpos, é sobreviver. Entender como sobrevivermos é a busca do poder, pela vida. Mulheres e seus corpos como objetos, servis, corpos negros, corpos que são diariamente violentados de todas as formas.

Medéia é considerada uma espécie de feiticeira, na antiguidade. “Medéia Negra, de Márcia Lima- BA”, traz em suas mãos o fogo em meio aos cantos, dança e ocupação de sua casa, ela apresenta suas palavras de ordem, violência, estupro e morte. A montagem traz em sua narrativa toda violência que o corpo das mulheres negras sofre diariamente em nossa sociedade. Aqui é necessário sobreviver e quando o poder é usado como violência, contra você, seu corpo, quem você sonha ser, não existe ato maior que resistir e lutar. Transcrevo a dramaturgia de Márcia Lima que nos diz: 

 “Quando se morre negra todos os dias, quando se compreende que você não pode mais que o estado, quando ele te coloca na senzala ou te encarcera. Não se pode mais ser ingênua. É preciso viver, arrastando o fardo de ser mulher, queimando panelas. O que restará dessas mulheres?”

 Por isso, a violência deve ser entendida como ação, afinal é a ela que resistimos e ainda vivemos. Fiquem atentas. Márcia Lima expressa: “Se der converse, se não der mate.”

Mas continue mulher, por dentro de sua casa, pela beira da lagoa, ocupando os espaços com seu corpo, despindo-se das dores, enfrentando os desafios, locomovendo-se, atravessando. “NEBULOSA, do PI”, é um corpo luz, que precisa continuar para atravessar e buscar outras formas de se mover, impulsionar seu respirar e assim pisar no chão e a cada passo o corpo estende-se com novas imagens, como o passar desse corpo no espaço, arquiteta-se a materialidade dos seus vestígios no caminho, uma evolução inventada na ação. Nebulosas, sombrias, confusas, é no movimento que esses corpos femininos também estão e são. Movimento e lugar, livre de cenários, apenas o essencial, assim esse corpo que já carrega histórias de passado e presente, além de passar, ele dança e não só dança como te convida a dançar. 

         Vamos dançar? “MI MADRE, do grupo Corpo Semente Sagrada-PE”, discorre sobre a ancestralidade de suas mulheres, mas dialoga diretamente com o público, em um dançar de cena trazendo suas avós, mãe, tias, irmãs e homens que passaram por suas vidas.  Uma dramaturgia-diário, antes trancada na casa de todas nós, se apresenta como um retrato nos álbuns e prateleiras de casas, que fala diretamente com cada um ali. Nessa conversa a atriz, que fala de todas as dores e amores, ao contar de si e de outras, ela nos invoca: “Se eu cair você me ajuda a levantar?” Ao levantarmos ela, estamos todes saindo um pouco do chão, expondo nossos traumas, curando nossas histórias, e dançando junto com ela toda nossa memória. Memórias que ficam. Que deixam dores, que o tempo faz germinar.  

Germinar. Gerar. Como a terra. As plantas e as mulheres. Uma performance, uma ação cotidiana que a vida de tão grande às vezes esconde, “PLANTAS E FANTASMAS do PI/SP”, apresenta o trabalho de três performances, relação do corpo vivo com corpos que já morreram, nomes que são escritos, entonados em vogais para germinar, para suspender o fim dessas histórias. Ritualizar na ação, o luto, lamentos, os choros, construir travessias, acolher, plantar esses nomes no tempo, para que germinem da vibração das vozes, que alcança nossas memórias ou fazem a nós mesmas alcança-las, a morte não tem história, germinar e gestar o tempo para que as plantas floresçam, e aos fantasmas dissipar-se pelas vozes. Vozes que nos afligem e desprendem. Cada ação, narrativa e escolha estética se cria a partir do que carregam essas mulheres, artistas que delegam suas vozes ao falar de todas, ao falar de si.  Vestígios de mulheres artistas que confirmam e peregrinam por todas as inúmeras configurações de arte e continuarão.

Prosseguem a fazer suas escolhas, aceitar os convites, inventar sua forma e suas teorias e que carregam a cultura do seu lugar que é imaginável aos outros. Pra frente. Avante. Reorganizando nossa existência. “PRA FRENTE O PIOR, da Inquieta Cia- CE”, anda pra frente pois não consegue parar, como o existir da vida, esses corpos se movem, vê-los pela tela é a certeza de que devemos ir, corpos que sobrevivem, que no movimento descobrem meios, acordos, conflitos para existir e para permanecer. Um indivíduo que carrega seu corpo, seu corpo que carrega suas subjetividades e ali estão imagens que dizem sobre eles e sobre cada um de nós. O movimento aberto como arte, que articula nossa existência. Que andemos sempre em frente, adequando-se aos espaços, lutando para ser, desviando dos rótulos, um corpo que continuará, um corpo em fim de festa. A festa é na rua. O palco é como rua, estamos de passagem.

E o brincante que passa, personifica e no movimento faz a dança circular. “TERREIRO ENVERGADO- PB” multiplica a potência dos corpos, apaga as linhas e territórios e demarca nesse mesmo corpo a manifestação de tudo que lhe atravessa e agita. São brincantes a contar uma história com uma sacola plástica, uma saia, malas e caixotes o que vale é o encontro com os outros. E o que os outros me contam, ensinam e dançam. Do break ao cavalo marinho, o corpo se expande, não é alegórico, é um corpo que se manifesta e que compõem imagens, do que somos, do que seremos e do que quisermos ser.  É pela dança que ele se manifesta, narra e comunica.

Espetáculo- Dança Anfíbia -AL

O existir desses corpos, que se encontram e bebem em seus territórios, por vestígios, cacos, formas, sempre catando maneiras de se erguer e locomover. É ser como anfíbios. Corpos que se adaptam, corpos que transbordam. “DANÇA ANFÍBIA, da Cia.dos Pés- AL”, vem desvestir aos nossos olhos com seus corpos, corpos como ilhas, que ao inundar se imersos a tudo que os rodeia, e os inventa coletivamente e enquanto indivíduos.  É pela dança que se cria imagens de corpos diversos, metafóricos que transpõem a realidade de quem os vê. Corpos que dançam as circunstâncias de um território em constante modificação. É como se nos invocassem aqueles corpos, transpassados de si e dos outros, estamos vivos e nos abraçando para viver com nossas circunstâncias. Nos vestimos e dançamos com eles, corpos híbridos encontrando seus caminhos. Um manifesto de corpos, pela potência de suas culturas, pela força de sua gente e pelo poder de sua arte, pelo movimento de seu corpo na dança e na cena.  Escutem o recado das comunidades. Abram os ouvidos, corpos manifestados, corpos que falam e dizem, essas terras podem tudo. Alguém nos ouve?  Ou querem nos dizer como fazer. 

“ATENAS: MUTUCAS, BOY, E BODY da Santa Ignorância Cia. De Artes – MA”, traz com suas mutucas uma narrativa que preenche a realidade de um nordeste explorado pelo capitalismo, anuncia em seu espetáculo aquilo que tudo já sabemos, quer seja em ATENAS, no Pinheiro, Porto Dantas, Paripe, Mucuruipe, São José, Potengi a exploração desse território servirá apenas a uma classe, anulará apenas um povo. É um projeto de cidade e país que não nos agrega, uma grilagem das terras e de nossas histórias, uma anulação e colonização de nossa cultura. Transformada em técnica, em rótulo e em folclore. Os mutucas rompem com as nossas divindades e crenças para sermos salvos, parece que já ouvimos essa história. Mutucas, é algo comum a todos os insetos dípteros, de corpo robusto e tamanho médio. É preciso exterminar os insetos. Mutucas são insetos, os povos são Mutucas. O espetáculo Mutucas, revela a realidade de populações, em meio a crenças e conflitos sociais temos a riqueza da nossa cultura popular, que se manifesta em nosso corpo. Atravessando o palco e se colocando em nosso cotidiano, trazendo a sabedoria e a oralidade...é um grito que precisa ser ouvido e seguido por todos.   

O que restará dos lugares? 

O extermínio de nossa população já se anunciava em uma sociedade onde o capital promove a barbárie de um contra o outro. Hoje em tempos de pandemia, a máquina da morte está apontada novamente aos mutucas, ao povo. Ou acordamos, levantamos nossas vozes em coro, ou a chacina das instituições nos aniquilará. Seremos todes nós, mutucas a rastejar pelo mundo com sua culpa. Cantos populares são a revolução. Revolução essa que está em cada corpo manifestado. Em cada corpo/corpa nordestino.

 Aos trabalhos apresentados, ofereço a todes que construíram essa edição e aqueles que vem fazendo o Cenas do Nordeste, que a cada frase aqui assista a esses muitos artistas e  seus agrupamentos como Grupo Estação de Teatro, Boca de Cena, Garajal,Grupo Graxa de Teatro e Cia de Teatro UFBA colocando na cena toda diversidade e expandido suas falas e corpas/corpos.

Corpo que se manifesta, que manifesta sua arte, sua cultura popular, seu folguedo, seu sotaque, que investiga e dilata seu corpo com todas as técnicas, teorias, ideias concebidas pelo colonizador. Entendendo o colonizador como aquele que está no topo da pirâmide cultural, que detêm o poder e as regras do jogo, tendo ao seu lado pelo “privilégio” da geopolítica desse país, a validação de suas práticas ambas cambiadas pela aceitação acadêmica ou do status quo da arte.  Somos corpos híbridos como os anfíbios, estamos à margem, não valoramos a arte dos demais, bebemos dela, aprendemos e seguimos. 

Mas nossos corpos nessa cena são Corpos Manifestados, pois nossos discursos, criam nossas estéticas, que dialogam com o mundo à nossa volta, que dizem tudo. O tudo citado aqui desde o começo, é aquilo que queremos dizer, que necessitamos gritar, que desejamos e vamos mostrar e criar. 

 

Espetáculo-Atenas: Mutucas, Boi e Body - MA

O Cenas do Nordeste nesses dias de encontro ONLINE, estabeleceu e afirmou uma ponte entre nós, não só pela troca de conversar efêmeras feitas pelas plataformas online. Como trouxe a experiência do encontro com o trabalho de outres, que distante pelo espaço, diversos pelas formas de fazer, foi nos apresentado o deleite da arte.   Revela, pelos arquivos e encontros online com artistas e público que estamos todos prontos para tudo e para avançar, para renovar e para ajuntar todas as possibilidades desses 9 estados e aglomerados de artistas e criadores. Seguimos e seguiremos agora mais fortes, durante esses 10 dias de encontro ouvir esses artistas e refletir o coro de suas vozes é único. Mas trago a imagem do épico clipe que vende nossas misérias, e diz se preocupar com elas ao exportá-las em tom de caridade, para servir a um capitalismo que nos serve em cotas. Michael Jackson, no clipe They Don’t Care About Us, traz uma voz de menina que diz:

     - Michael, Michael – ELES NÃO LIGAM PRA GENTE!

     Se eles não ligam para gente, nós seguiremos, com nossos terreiros, batuques, tambores, coco de rodas, salas de ensaio, exaustão, e como mutucas resistiremos, nós ampliaremos. Como mulheres avançaremos a gestar e germinar nossos discursos, escutem! E com nossos corpos dilatados e híbridos alcançaremos todas as possibilidades de cena. Corpos manifestados, e seu trabalho na arte. E se um dia eles ligarem, seja eles quem forem, nós estaremos prontos. Nossas conversas no ZOOM, efêmeras foram ditas pra ser ação, é como se nesse território do ONLINE, nós antes que por condições e realidades tantas não conseguíssemos alcançar uns aos outros e dizer que podemos seguir juntos, que estamos prontos nos fortalecendo e que queremos e devemos seguir coletivamente. O CENAS DO NORDESTE, ao interligar esses artistas, ao propor a efemeridade de palavras que irão virar ação, nos apresenta mais um trabalho pela frente. Raymond Williams, alega a organização pela luta e diz:

 “...sei que há um trabalho fundamental a ser feito em relação à hegemonia cultural. Acredito que o sistema de significados e valores que a sociedade capitalista gera tem de ser derrotado no geral e no detalhe por meio de um trabalho intelectual e educacional contínuo. Esse é um processo cultural a que denominei, a revolução longa e, ao fazê-lo, eu queria assinalar que era uma luta genuína, parte das batalhas necessárias da democracia e da vitória econômica da classe trabalhadora organizada. “....a tarefa de um movimento socialista vitorioso envolverá a imaginação e o sentimento não no sentido fraco- “imaginar o futuro” (o que é uma perda de tempo) ou “o lado emocional das coisas”. Ao contrário, temos de aprender a ensinar uns aos outros as conexões que existem entre formação política e econômica e, talvez o mais difícil, formação educacional e formação de sentimentos e de relações, que são os nossos recursos mais imediatos em qualquer forma de luta.”

Somos uma imensa coletividade, precisamos organizar a classe trabalhadora e criativa do Nordeste, investigar entre nós o que temos a ensinar e aprender uns aos outros. Vamos juntes? Os nossos recursos mais imediatos de luta, nossos sentimentos e relações estão colocados em cena... é muito de nossa criação. É preciso também reconhecermos a grandiosidade de nossos trabalhos, não em relação a qualquer hegemonia que nos cerca. Estabelecer nossas batalhas coletivas e avançar, imaginar nossas conquistas e concretizar nossa utopia e poesia, cada dia mais. O Cenas do Nordeste é um festival que por meio de arquivos anuncia vestígios de luta e revolução pela arte. Sigamos na luta, no entrelaçamento de nossas criações que a conversa entre nós avance, não estamos no topo da pirâmide, mas nós pulverizamos pelo espaço. 

 

Referência:

Williams,Raymond- Palavra Chave: Um vocabulário de Cultura e Sociedade.

 


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