Myo_Clonos, uma dança de sintomas



Tessitura Lili Lucca



Ontem em Maceió, mais precisamente 18 de maio de 2019 deu se início a semana do Aldeia Palco Giratório, uma mostra de trabalho dos artistas locais e dos que circulam pelo projeto nacional do Sesc. Para além da mostra de teatro, dança, exposições e música aconteceram atividades formativas e troca entre os artistas alagoanos e os que circulam nacionalmente. Nesse espaço estou eu na tessitura do que vejo e sinto. Colocando palavras a pensar as obras e registrar, mas também na busca de dialogar com todos que estão no movimento necessário do fazer a arte acontecer.

Na abertura tivemos a obra de Alexandre Américo de Natal-RN. Com o espetáculo Myo_Clonos. Um corpo. Sua história. Um corpo com sua história. Uma dança. Um Dançar intransitivo, ir de um lado a outro desordenadamente; oscilar, balançar. Uma dança convulsionada pelo seu movimento de se pôr em distúrbio alternando com seus silêncios. Um corpo em pesquisa que baila ao som dos impulsos dado pelos espasmos de seu corpo. Um corpo vivo. Um corpo que sente. Que faz sentir. O movimento não é linear. Não é contínuo. Mas tem latência de vida. 

“Não há intenção se não há uma mobilização muscular adequada.”J. Grotóvsky

Grotóvsky, quando pede a atores que compreendam suas ações no impulso é totalmente acolhido por Alexandre, que em sua dança, coloca perante nossos olhos uma obra que é feita pelo artista que descobre em seus músculos o impulso de criação, de seu movimento. Aquele que sente e que nos faz sentir, que nos assenta perante os olhos um corpo no seu pulsar espasmado foliando e dividindo o que sente. Nesse território do corpo em dança, do corpo em ação, o ponto aqui é de um corpo em pesquisa intensa de investigação na tentativa de expressar o movimento na sua forma mais bruta do espasmo, como nos coloca o próprio criador quando diz sobre sua obra. O movimento dançado no espasmo, o espasmo que gera movimento real, que gera impulso.

“ A dança teatro se alimenta da realidade, em vez de abstrair se dela, como na dança pura; traz a realidade até si, em vez de afastar se dela” Pavis.

Sinceridade, uma obra onde o artista não aloca a representatividade, nem o seu dançar precisa de extensão. Ele sente seu corpo, sua concretude, tudo ali é consciente e é assim que se revela aos nossos sentidos.

Não vejo precisão nem necessidade de nomenclaturas para essa obra, não a coloco com dança-teatro quando cito Pavis, apenas a vejo no ato consciente e leal do artista que enquanto se movimenta dança. A arte não necessita da representatividade. Tudo bem se ela acontecer ou for vista por alguém assim. Vejo um corpo posto em cena impulsionado pelos espasmos. Esse corpo age, reage e dança. Um artista com o microfone na mão que inventa e se delineia: Sou um negro e periférico no sentir. E sendo franco.

A ARTE HOJE PRECISA SER VERDADE. 

Pode ser lúdica, representativa, utópica. Ou não. Mas a sinceridade de quem a faz precisa estar no ato de sua ação. Uma música, que toca uma guitarra que corre o espaço com seu som, em meio a espasmos dançados. Espasmos esses sentidos por ele e que impulsionam o movimento que o lançam no espaço. Silêncios para sentir. 

Espaço em que um corpo que dança. É sentido. É sentido em todas as possibilidades da palavra. Um corpo que se ofende ou melindra facilmente; suscetível, sensível, que causa pesar; plangente, lamentoso, que está em começo de decomposição, um tanto podre ou estragado. Um corpo que está vivo. Um corpo que opera e vibra em sua dança. O instante, o impulso que move e dança.

Assisto Alexandre Américo pensando que sua dança está a margem de tudo que pode ser a dança, ele coloca ali uma pesquisa de ações dos seus espasmos coisas que no mais comum devem ser “ajuizadas” para que na dança flua o movimento, ele quebra essa forma de dança quando no seu dançar traz esses espasmos que o colocam movimento. Sua dança não tem a busca figurativa e intencional no ver. Ela vai além é um corpo que dança para ser e para existir. Quando abrirmos os sentidos do ver, as imagens e sensações poderão ser colocadas na experiência e assim a arte no seu mais alto grau de sinceridade se transformará em obra, em dança no olhar de quem sente.

E o que seriamos nós sem sentir? Sem caçar sentido? 

Sentido do olhar de Alexandre, que por vezes ultrapassou o palco e fez sentir, na música hora vibrante, ora pausada que se estendia até a ação de forma presente. No lugar de sua fala, sincera. No posicionar - se. No lugar da fala que assume a invenção de uma obra. Com o microfone na mão ele nos autoriza. Estimula. Cada vez mais devemos falar. O artista é aquele que cria, que incita, que expressa, que luta. Sua vida, sua arte, atrelada ao ser e seus sentidos e sua voz. Não paremos de inventar e de criar, ou então pararemos de existir. A obra nos convida a exteriorizar nossos espasmos, é necessário pegarmos nossos microfones e falarmos nossas verdades, para não convulsionar. Ou para sentir o que nos faz convulsionar e então reagir e atuar, a arte é cada dia mais luta e arma de verdades que precisam ser ditas por sujeitos únicos e indispensáveis. Dancemos. 



Referências:
1-GROTÓVSKY, Jerzy.Conferência feita por Grotóvsky em Liége; em T.Richards, op.cit.
2- PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro.pág84.b.


Espetáculo- Myo_Clonos
FICHA TÉCNICA:
Bailarino e criador: Alexandre Américo
Trilha Sonora: Alexsandro Araújo
Foto: Sesc Alagoas




Nenhum comentário:

Postar um comentário

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...