Aldeia Arapiraca 2019: "Eu sem você não sou ninguém" da Turma do Biribinha

Branco e Augusto de si mesmo
Tessitura_Bruno Alves

   Eu sem você não sou ninguém é um itinerário no ofício do ser ator e palhaço. Um diálogo por vezes antagônico da figura do artista com o seu personagem.

   Teófanes Silveira nos revela a sua trajetória e transforma o seu camarim em palco para celebrar os seus 61 anos de carreira e surgimento do célebre e querido palhaço Biribinha. É dentro desse universo íntimo, carregado das questões do artista mediante a sua carreira e o próprio envelhecimento, que ele brinca, transformando em riso um desencadear de revelações autobiográficas de sua jornada.
Era o fim do espetáculo. Era o começo. Em uma viagem surpreendente, Teófanes sai do Biribinha para que, de fora dele, possa enxergar melhor a si mesmo e as suas escolhas profissionais. Poderia escrever inúmeras coisas a respeito dessa relação artista/personagem, mas o que me chama atenção nesse processo de Teófanes é sua disposição para se fazer entender como ser humano/artista quando está dentro ou fora desse personagem.



   Somos envolvidos nessa história. O que pareceria ser um espetáculo de circo-teatro vai ganhando cada vez mais força e potência por trazer à cena questões cheias de experiência de vida. Vale ressaltar que, quando assistimos Teofánes/Biribinha, assistimos, antes de tudo, à sua própria trajetória personificada em cada mudança no corpo, no gesto e na voz. Teófanes é um artista resistente. Resistente no sentido de se tornar forte ao ponto de se reinventar para prosseguir, mostrando que o corpo que envelhece cheio de histórias é o mesmo que cada vez mais deita e rola para trazer vida aos personagens.

   É esse corpo engraçado, esse corpo que faz graça, que viu nesses últimos 61 anos as pessoas mudarem. Viu também nascer uma maior reflexão sobre o riso, sobre as coisas que nos fazem rir e sobre de quem nós estamos rindo, ou ríamos o tempo todo num passado muito perto de nós. Esse corpo sabe e esse corpo viu em sua trajetória que, em muitos casos, o riso esteve ao lado de opressões. Esse corpo entendeu isso e se reconstruiu, ou se reconstrói a cada apresentação.

   O uso de um boneco híbrido (no qual corpo de ator/manipulador e do boneco se mesclam), ou um boneco marionete, é um dos elementos mais surpreendentes dessa narrativa.  O jogo da palhaçaria acontece nas figuras de Teófanes e Biribinha. Criador e Criatura lado a lado, no mesmo palco, em corpos e formas diferentes. Branco e Augusto de si mesmo. Aí encontramos todas as questões que envolvem o pensamento do artista diante da sua criação, vemos também o pensamento da criação diante de seu criador.



   É interessante quando o Palhaço, fora desse corpo/ator que o domina e entende, tenta celebrar a liberdade de poder fazer piada com o que quiser, fora do controle desse artista que aprendeu a percorrer outros caminhos de riso. O palhaço fora do corpo do ator agora parece querer suavemente flertar com o que o ator entende como politicamente incorreto. Somos surpreendidos com esse palhaço que ousa desobedecer o dono e solta vez ou outra piadas um pouco pesadas. Somos surpreendidos, porque ainda rimos. Vale destacar que ali o boneco/palhaço está em um estado em que qualquer gesto seu é capaz de desencadear em nós uma chuva de risos. É surpreendente saber que rimos dele e que ele não precisa recorrer ao que o corpo do artista e seu criador tem deixado para trás.

   É notório o cuidado de Teofánes com a estética de seu espetáculo. Cada coisa que está em cena parece ter sido carinhosamente pensada e confeccionada para nos transportar para dentro do universo circense, o que nos surpreende quando vemos escapar alguma coisa descuidada: como uma mão da atriz que aparece enquanto, com todo o corpo coberto, ela manipula o boneco; ou mesmo quando vemos a luz se desencontrar e parecer fazer outro jogo antagônico ao artista e ao boneco que ali se entregam. Porém, é essa mesma luz que, ao final, nos oferece um fechamento apoteótico do espetáculo, com uma construção imagética cinematográfica deslumbrante e muito bem executada diante de nós.



   Eu sem você não sou ninguém vem para nos mostrar a potência da força do encontro entre artista, personagem e público. Vem, como uma declaração de amor, celebrar a trajetória de Teófanes Silveira, o Palhaço Biribinha, sim, sempre juntos um do outro, porque sempre lembraremos Biribinha ao falarmos de Teófanes, e sempre lembraremos e reconheceremos Teófanes ao falarmos de Biribinha. Reconheceremos também a nós, que juntos rimos.


Ficha Técnica do Espetáculo:

Direção: João Lima
Texto: Ilma Nascimento e Alberto Do Carmo
Elenco: Teófanes Silveira e Seliana Silva
Sonoplastia: Teófanes Silveira Junior e
Dinho Nascimento
Cenário: Rino Carvalho
Orientação Em Manipulação: Lily Curcio e
Jorge Morosi (Keke)
Criação De Iluminação: José Carlos Negão
e Marcelo Porqueres
Responsável Técnico: Dinho Nascimento
Figurino: Seliana Silva
Produção: Turma Do Biribinha
Fotografias de Frederico Ishikawa

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