Tessitura_Bruno Alves
Lançar dúvidas sobre nós.
Era essa a missão do Corpo Cênico de Teatro da UFAL com o seu espetáculo “ Igreja Dialética Brechtiana - O Acordo” apresentado no dia 27 de março, na última edição do Pluralidades Cênicas do curso de Artes Cênicas: Teatro Licenciatura.
Com a direção e também atuação do professor Marcelo Gianini que dentro do curso tem sido um dos pesquisadores/propagadores do jogo teatral e da dramaturgia de Bertolt Brecht.
A montagem parte de uma das obras das seis peças didáticas de Brecht escritas a partir de 1928. Tem como ponto de criação a “A peça didática de Baden Baden sobre o Acordo”, na qual após a queda de um avião, seus tripulantes pedem ajuda a um grupo de cidadãos para saber se os aviadores devem ou não serem ajudados.
É com a estrutura litúrgica da igreja Católica que a montagem se desenrola, obviamente uma liturgia subversiva e irônica, tendo Brecht como mentor e Papa da dúvida instaurada. Somos recebidos com a “Paz de Brecht” e sua inquietação nos acompanha ao longo de cada cena.
Escolhas muito bem definidas, quando se tem como base a estrutura de missa, lá seus fiéis que compõem esse coro da dúvida, estão com a “bíblia” na mão para acompanhar cada passo da história. Poderíamos receber pelo celular todo o texto lido pelo coro durante a celebração se quiséssemos, ali éramos parte importante da narrativa, éramos personagem também.
Levantar-se, sentar-se, levantar-se, sentar-se… Como manda toda tradição de uma igreja. Aos poucos nos vemos de joelho diante da dúvida que nos é lançada:
“O homem ajuda o outro homem?”
Somos, nós plateia/personagens, divididos em dois grupos e temos que defender o sim ou o não sobre a questão lançada. Depois em outra rodada aqueles que disseram sim são convidados a dizer não, e os que disseram não são convidados a dizer sim. Como defender o que não acreditamos? Como defender para “ajudar” o nosso grupo a vencer aquela batalha? Eis que a montagem nos coloca na experiência de discutir ideias, como em fóruns virtuais nos quais por trás das telas lançamos e rebatemos opiniões. Ali na igreja/teatro, estávamos olho no olho para defender o que nos era colocado.
Ali o jogo entre plateia, atrizes e atores é o ponto mais forte, por isso, quanto mais o elenco se dispor a jogar sem medo mais rica e forte fica essa estrutura, porque foi visível que encontrarão pelo caminho plateias dispostas a tirarem as certezas do lugar.
Estrutura simples de figurino e cenário. Uma iluminação geral, na qual todas as pessoas eram vistas. É uma igreja, não precisa de tantos artifícios para repassar a sua dúvida, não há a ilusão, está tudo ali exposto diante da gente como quando vemos as imagens das mazelas humanas. Escolhas acertadas, diretor dentro do jogo que está proposto, plateia dentro do jogo. Ninguém escapa à dúvida.
É nesse contexto, no nosso contexto, que Brecht se faz presente e atual mais uma vez, como escreve Concilio (2011):
“Brecht, de certa forma, já antevia a diluição do discurso do autor no discurso do grupo que compõe a cena. Ao propor que os textos de suas peças didáticas sofressem constantes reescrituras pelos grupos de atuantes, ele ofereceu, às suas peças didáticas, a possibilidade de serem eternamente atuais, porque imperfeitas e abertas à constituição de uma solidez urdida no trabalho coletivo.”
O “Corpo Cênico” se debruça sobre as questões do nosso tempo, nos faz revisitar as nossas certezas, porque em tempos em que pouco se duvida das coisas e que se responde violentamente com fake news, é preciso lançar a dúvida mais uma vez, a dúvida como uma certeza que devemos ter em nossas vidas.
Referência:
CONCILIO, Vicente. Baden Baden Adentro: Encenação e aprendizagem com a peça didática de Bertolt Brecht. Florianópolis: UDESC; Professor Adjunto; Universidade de São Paulo; Doutorando; Ingrid Dormien Koudela.
SERVIÇO:
Espetáculo_“ Igreja Dialética Brechtiana - O Acordo”
Textos _ BERTOLT BRECHT
Músicas _ KURT WEILL e HOMERO, GLAUCO e IVAN FERREIRA
Encenação _ MARCELO GIANINI
Preparação vocal _ PEDRO BRAGA
Elenco de Atuadores _ AURY CAMPOS, BEATRIZ OLIVEIRA, EMERSON MACHADO, EVANDRO J., HELENA MARIA, LEÃ POEMA, MARCELO GIANINI, MARIO RODRIGUES, MAYKO JEIZO, MICHELÂNGELLO MARCIEL, MILLENA MORAES, SAULO PORFÍRIO, VANESSA ALVES, VICTOR EL VIEIRA
Estagiários_ ANA BEATRIZ PEREIRA DE OLIVEIRA, ELIANE MARIA DA ROCHA CASTRO, EVERARDO SATURNINO DE BARROS, LEYLANE MARIA DA SILVA VERÇOSA, MANOEL VICTOR NÓBREGA TAVARES.
Foto_ Acervo Filé
Quase de férias e só agora podendo respirar e agradecer.
ResponderExcluirGrato pela crítica, Bruno!
A generosidade de seu olhar com certeza irá ser muito proveitosa para melhorarmos mais nossa "missa".
Marcelo Gianini
Nós do Coletivo Filé de Críticas agradecemos a sua leitura e comentário.
ExcluirQue cada vez mais possamos impulsionar diálogos através da arte, seja nos palcos, seja em espaços como esse.
Volte sempre!
Ao tempo em que parabenizamos por todo trabalhado construído com o Corpo Cênico.
ExcluirQue tenha vida longa e que venham muitos mais trabalhos pela frente.