CRÍTICA “Silêncio” e as possibilidades de ser teatro.

Tessitura _  Bruno Alves

Ser grupo/coletivo de teatro envolve um processo de aproximação de afinidades e pontos de vistas heterogêneos. Não é fácil ser. Envolve entrega, generosidade para aceitar as escolhas dos outros e abrir mão muitas vezes daquilo que achamos que seria o melhor para o todo. Encontrar convergências dentro de um processo de criação é um ato caótico na maioria das vezes, alguns resistem, outros desistem.

Quando se fala em estar dentro de uma Escola Técnica de Artes, cursando um curso de Arte Dramática, é importante observar que quem estar ali não se escolheu, foi escolhido por um processo de seleção criterioso.

Em um grupo, geralmente, vamos nos aproximando por consequência e encontrando pares com quem desejamos criar. Na escola não. Temos que aprender a conviver com trinta pessoas de origens, pensamentos e anseios diferentes em relação ao teatro. Existem o que querem o teatro como profissão, mas também os que estão por necessidade de perder a timidez ou encontrar formas de se comunicar com o mundo, por exemplo.

Por que o teatro?


Eu sempre me pergunto e pergunto a quem está a minha volta. A resposta nunca chega no primeiro instante e a pergunta se repetirá por todo o tempo em que desejarmos fazê-lo.

Alguns princípios precisam ser avaliados ao falarmos de um trabalho de conclusão de módulo da Escola Técnica de Artes - ETA - UFAL. Primeiro que é sempre um trabalho em que todo o grupo deve estar envolvido e por serem futuros formados atores e atrizes, devem experienciar o tão desejado momento de estar em cena. A ETA na maioria dos seus módulos compõem uma construção de espetáculos que cada turma deve montar. Montar o espetáculo será a prova final que validará aquele ator e atriz?

Sabemos que a construção de um espetáculo é apenas um passo dado nessa formação que exige uma contínua busca por amadurecimento, investigação, formação e busca por aprimoramento. Estamos sempre em processo, descobrindo, desconstruindo e reavaliando até que ponto chegamos e aonde poderemos chegar.

É comum ouvir de pessoas que passaram por lá a seguinte pergunta: “Qual será o meu papel?”. O apego ao personagem também é comum quando ao falar sobre a obra alguns atores e atrizes se limitam a definir o desafio da construção de seu personagem e não o acontecimento teatral como um todo.

Reginaldo de Oliveira foi diretor de “Silêncio”. Reginaldo causa pavor em muitas turmas, porque parte do principio do corpo como elemento de composição da obra. Ainda é assustador saber que algumas pessoas desistem mesmo antes de começar a trabalhar com ele e mais ainda ouvir alguns dizerem que não sabem usar o próprio corpo. Essa questão e esse pavor se repete em muitas turmas que foram orientadas por ele. É claro que nem sempre temos um repertório de técnicas corporais, mas isso é estudo, dedicação e ralação mesmo, no entanto, a primeira coisa que se deve ter consciência ao cursar um curso de arte dramática , além dos motivos que te levam a fazer teatro, é que todo ator e atriz tem no corpo o seu instrumento de trabalho. Negar o corpo, ou tentar separá-lo das emoções, do pensamento e da razão é negar a complexidade da nossa própria estrutura pessoal e única.

Outra questão a ser avaliada nessa busca por se construir o papel é o entendimento de qual lugar ocupamos nesse estado de Alagoas. Nós não somos São Paulo ou Rio de Janeiro que chovem testes para integrar grandes produções, por aqui, na nossa realidade, a gente tem que aprender a duras penas a fazer o nosso teatro. Digo isso, porque até a alguns anos atrás era comum ouvir de recém formados na escola que não conseguiam entrar em grupos e coletivos, porque são fechados e não existe proximidade de diálogo. A nossa realidade é bem mais complicada do que essa afirmação. Por aqui os grupos e coletivos resistem, buscam formas de sustentar a sua criação e como dito anteriormente, os processos de entradas nesses grupos vão se dando de forma espontânea, se assim, posso dizer.

O que quero dizer com isso é que mais do que esperar por testes ou um convite, esse ator e essa atriz deveria sair da escola preparado para montar seu próprio grupo e construir as histórias que desejam contar. Parece simples falando assim, mas eu sei que não, aliás, desde que escolhemos fazer teatro sabemos que não é uma escolha fácil ou simplista. Envolve muito trabalho, muitos nãos e muitos sins também.

Mas a escola tem se reinventando aos poucos. Vemos recentemente a atriz e diretora Waneska Pimentel apresentar nos conteúdos do curso ferramentas e formas desses novos atores e atrizes ganharem o mundo e ocuparem esse estado com os seus teatros.

Outro exemplo são os trabalhos do professor Toni Edson que expandem as barreiras da Sala Preta e ganham uma continuidade fora do curso. O mais recente exemplo é o surgimento do grupo “Os Bufões da Mãe Joana” que seguem descobrindo seus caminhos e colocando seus corpos no mundo.

Todo trabalho que se continua fora da escola é fruto de um envolvimento com o processo colaborativo. Por lá existem processos que colocam a responsabilidade da criação nesses futuros atores e atrizes. Fazem eles entenderem que são responsáveis pela criação e que tem direito a voz em cada parte do processo. Enquanto, essa nova geração vai se apropriando de seu poder de criação, por outro lado é espantoso ver que ainda existem aqueles que estão ali esperando o seu papel para decorar e ir para casa com o sentimento de missão cumprida.

A escola precisa instalar o caos. É preciso tirar esses atores e atrizes do lugar de conforto ou de idealização midiática. 

Ver “Silêncio” é um salto dentro desse contexto.

Sala limpa sem cenários exuberantes, não que não seja legal em algumas propostas, mas ali o importante era o corpo inteiro e entregue.

Exercícios básicos de espacialidade sendo transformados em cena e com precisão.
O respeito e a busca por ser um corpo só, numa respiração compartilhada.

A turma agora com quatorze pessoas, sabe o que quer dizer, solta o seu grito em meio a passividade em que vivemos. Um grito que nós ali sentados de pés descalços tentamos dar fora daquela sala, mas que ultimamente, no contexto político em que vivemos, não estamos conseguindo.

“Silêncio” me fez questionar quem é o público desse espetáculo, se somos nós que um dia tentamos gritar e hoje nos vemos de alguma maneira imobilizados com tamanha barbárie que se anuncia, ou se é um grito para ser dado fora dos muros da escola, onde está o verdadeiro “sanatório geral”, como canta Chico Buarque.

É de se aplaudir o trabalho da turma que agora se forma e já sabe o seu discurso. É de se aplaudir vê-los inteiros e dispostos a deixar o corpo falar.

É bonito saber do processo de transformação que sofreram e o choque de não  ter um papel pronto para decorar e ter que colaborativamente  criar, criar, criar e criar em meio ao caos da construção e da vida aqui fora.

Pronto. Agora estão formados e o jogo só começou.



Ficha Técnica:

Diretor da Instituição _ David Farias

Direção de “Silêncio!” _ Reginaldo Oliveira

Professores colaboradores _ Alex Cerqueira, David Farias, Geová Amorim, Toni Edson e Valéria Nunes


Elenco _ Camila Moranelo, David André, Dávison Souza, Eduardo Alcântara, Emmanuel Lima, Jaysllany Florêncio, John Fortunato, Josival Silva, Marina Sales, Matheus Fonttes, Milka Freitas, Tauan Pita, Tamário e Thame Ferreira.


Produção Executiva:

Teatro – Graduação _ Auryelly Matos, David William, Gaby Ferreira e Rayanne Accioly
Arte Dramática – módulo 2 _ Adda Feitosa, Alonso Rodrigues, Jéssica Marques, Karol Peixoto, Lavinnya Luciani, Millena Brandão e Rauny Soares
Produtoras convidadas _ Karlla Sart e Priscila Angel
Iluminação _ Moab de Oliveira e Adda Feitosa
Sonoplastia_ Brother e Priscila Angel
Concepção de cenário _ Moab de Oliveira
Concepção e execução de figurino _ Alex Cerqueira
Concepção de maquiagem _ Alex Cerqueira
Fotos_ Jadir Pereira e Washington da Anunciação
Homenagem _ Roberta Oliveira


2 comentários:

  1. Nós do Coletivo Filé de Críticas agradecemos a sua leitura e comentário.
    Que cada vez mais possamos impulsionar diálogos através da arte, seja nos palcos, seja em espaços como esse.
    Volte sempre!

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