CRÍTICA de "Mamulengos da Vila 12" do L.A.T.A. : A brincadeira é coisa séria!

Tessitura _ Bruno Alves

O teatro reflete em muitos aspectos a vida. Talvez a grande lição que ele tenha a nos ensinar seja sobre o momento presente, sobre estar presente no aqui e no agora e sobre o efêmero instante que é vivido por todos nós, afinal, nada é fixo, tudo está mudando o tempo todo.
Na semana de 25 a 29 de março aconteceu uma ação dentro do curso de Artes Cênicas: Teatro Licenciatura da UFAL. O Pluralidades Cênicas, uma mostra de trabalhos acadêmicos, processos, resultado de montagens, exposição fotográfica, dentre outras atividades. Espaço de encontro, de troca e portas abertas à comunidade.
Toda a ação homenageou a memória do ator e estudante do curso Hernandes Braz.
O Laboratório de Teatro de Animação - LATA, coordenado pelo professor José Acioli Filho, foi um dos espaços de pesquisa de Hernandes. Apresentaram na tarde do dia 27 um dos seus projetos, o “Mamulengos da Vila 12”.



Estavam em processo de retomada do trabalho, pois Hernandes era parte do elenco. Mais do que ser parte, ele e todas as pessoas envolvidas vivenciaram um processo de construção dramatúrgico que nasce antes mesmo da confecção do boneco, pois começam primeiro por entender o personagem e só depois chegam a sua construção e consequente manipulação.
Todo o espetáculo vai beber da tradição popular, hoje muito mais forte em Pernambuco, outrora muito forte aqui em Alagoas também, como dizia o professor Acioli.
Por trás do pano atores e atrizes manipulavam seus bonecos e construíam a narrativa do espetáculo. Um mestre na frente do pano vem com seu pandeiro entoar uma canção autoral apresentando os personagens da “Vila 12”. Eis que durante a apresentação uma boneca corrige o mestre de cerimônia ao dizer que já não são doze moradores, mas agora, somente nove.  



Personagens populares, regados por uma trilha sonora executada eletronicamente bastante irreverente de canções encontradas, digamos assim: nos mais tradicionais botecos de uma cidade do interior. Embora a trilha gravada seja bastante interessante, uma trilha autoral e executada ao vivo, como propõe a abertura, enriqueceria o trabalho.  Ainda faltava propriedade ao cantar a canção de abertura por parte do elenco. Muito mais potente seria ver todos entoando a canção e nos convidando para adentrar naquele universo que se abria, afinal, Acioli trabalha em seus atores e atrizes um processo de artesania teatral, no qual muito mais que um produto final apresentando, é mais importante o envolvimento físico e emocional em cada escolha que se dá.
Potencializar a musicalidade, investir na pesquisa dos ritmos populares e criar as próprias composições são caminhos que já se mostram na abertura do espetáculo.
O grupo faz escolhas importantes ao não seguir a tradição quando a questão é diminuir e ridicularizar as minorias oprimidas. É importante chegar nessas reflexões, pois elas surgem dentro de um contexto de construção de conhecimento e desconstrução de estereótipos e preconceitos, como é o que se propõe a universidade, porque assim escreveu Arantes ao dizer que:
(...) cultura é um processo dinâmico; transformações (positivas) ocorrem, mesmo quando intencionalmente se visa congelar o tradicional para impedir sua “deterioração”. É possível preservar os objetos, os gestos, as palavras, os movimentos, as características plásticas exteriores, mas não se consegue evitar a mudança de significado que ocorre no momento em que se altera o contexto em que os eventos culturais são produzidos.

É fato que somos transportados, ao assistirmos “Mamulengos da Vila 12”, para o universo das feiras e praças. Acreditamos na existência daqueles personagens e embarcamos em suas histórias, mas não podemos negar que é de dentro da universidade que nasce essa importante iniciativa de valorização e resgate da tradição cultural. É um ato de reconhecimento e fortalecimento de nossa base teatral, da qual fomos e somos alimentados durante muito tempo ao assistir aos mamulengos espalhados pelas feiras e ruas.
Certamente, devido a saída dos mestres mamulengueiros do nosso estado, o grupo carrega uma missão de propagar e incentivar a continuidade e ampliação desse fazer em Alagoas, pois muita gente da nova geração possivelmente ainda não teve a oportunidade de assistir e vivenciar essa experiência.
Ainda falta ritmo quando a questão é o tempo cômico e o improviso, ficando momentos de silêncio e de vazio nas cenas, nada que a prática não alcance. Ser um brincante envolve entrega intensa e generosa ao jogo, assim como fazem as crianças ao brincar, que acreditam e vivenciam intensamente aquele momento.
Em sua dissertação Ana Caldas Lewinsohn cita Barroso para potencializar a questão do ator brincante, ao lembrar que:
Mais do que apresentar ou que representar, o termo brincar parece mais adequado para designar o fazer do ator brincante. Na brincadeira, rigorosamente, não se apresenta, não se representa, simplesmente se brinca. Brinca-se no sentido de que os brincantes apenas se divertem,junto com o público, que também faz parte da brincadeira. E aqui se usa o termo brincar, na acepção mesma de brincadeira infantil. Mas de uma brincadeira infantil coletiva (como são mesmo a maioria das brincadeiras infantis), na qual os brincantes, a partir de um acordo sobre uma estrutura, vivem uma outra vida, uma vida de faz-de-conta, improvisando livremente (Barroso, 2004: 84-5 apud Oliveira, 2006: 45).



Quando o elenco relaxa e assume seu lado brincante vemos fluir de maneira divertida e viva cenas, como a do Barbeiro desastrado. Quando esquecem de brincar, o ritmo do jogo cae.
Assumir o brincar é um ato importante. Afinal, estão nesse espaço de experiência, de aprendizado e de criação.
“A brincadeira é coisa séria!” me disse uma vez o senhor Biu antes de entrar em cena e se transformar no Mateu do Reisado do Bananal em Viçosa.
Que a brincadeira seja séria e muito divertida para o elenco e para nós que assistimos.
Não poderia finalizar sem destacar que ao final temos a entrada do boneco de Hernandes Braz.
Deslumbrante.
Viçoso.
Presente!
Já não são mais nove. Nunca foram. São doze. É a “Vila 12”.
Sempre será!

Referências:
ARANTES, Antônio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo. Brasiliense. 1981.
LEWINSOHN, Ana Caldas. O Ator Brincante; no contexto do Teatro de Rua e do Cavalo Marinho. / Ana Caldas Lewinsohn. – Campinas, SP: [s.n.], 2009.

SERVIÇO:
Espetáculo _ Mamulengos da Vila 12
Direção _ José Acioli Filho
Atores e Atrizes Brincantes _ Robson Xavier,  Osvaldo, Leylane Maria, Samara Rayra, Josival Silva, Emanuelly Góis, Junior Cravo,  Karol C. Lessa,  Eduarda,  Magna.
Composição da música _ Robson Xavier
 
Foto _ José Acioli Filho


2 comentários:

  1. Muito lindo fazer parte disso tudo 😍

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  2. Nós do Coletivo Filé de Críticas agradecemos a sua leitura e comentário.
    Que cada vez mais possamos impulsionar diálogos através da arte, seja nos palcos, seja em espaços como esse.
    Volte sempre!

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