F.E.M.E. _ o poder feminino nas artes cênicas

Tessitura_Lili Lucca

 Claro que arte não tem gênero, mas artistas têm. Talita Trizoli

Registro aqui minha crítica para a ascensão contínua de mulheres na arte. Meninas, moças, mulheres, fêmeas, todas elas ao trabalho, às ruas e a luta pela sua arte. Todas elas ARTISTAS, todas na cena, fazendo a sua arte acontecer, com a fala, a criação e na execução do F.E.M.E- Festival de Mulheres Engraçadas de Maceió. Foi assim que presenciei esse festival, cheio de representatividade necessária, feito pelos Clowns de Quinta e com o apoio do Itaú Cultural. Como em seu texto Wanderlândia, a coordenadora geral do festival me coloca:

“Esse será o primeiro festival de mulheres profissionais na arte da palhaçaria e comicidade na cidade de Maceió. Teremos nessa programação Espetáculos, oficina, filme, mesa e roda de samba. Assim, movimentando a formação e apreciação para um olhar sobre a palhaçaria e comicidade feminina.
Serão cinco dias de evento onde colocaremos em pauta a representação da mulher e mulher palhaça e cômica no estado. Com convidadas de artistas locais e nacionais que estarão em intercâmbio construindo pensamento e compartilhamento de experiências.”  1


Experiências feitas e colocadas no cenário do teatro alagoano por mulheres, quantas barreiras e dedicação tiveram e ainda terão essas mulheres para levarem adiante sua palhaçaria? Não tenho aqui a resposta, mas nesses cinco dias de festival vi mulheres, vi o labor delas na produção, também artistas nesse revezamento de fazer e produzir arte. Não sei se preciso das respostas a essas perguntas, me apego aos caminhos feitos pelo meu ver (sentidos) no F.E.M.E.. 

Sentidos sim, pois foi pela visão que me fiz presente, mas o que percorri vai além do que descrevo enquanto registro e penso, pois  a dedicação presenciada neste festival e poder vê-lo me despertou um abraço dado à uma artista (essa que escreve) por aquelas artistas no palco. Vai além da visão, pois afetividades foram presenciadas.

“As relações e laços criados pela afetividade não são baseados somente em sentimentos, mas também em atitudes. Isso significa que em um relacionamento, existem várias atitudes que precisam ser cultivadas, para que o relacionamento prospere.” (dicionário onLine)2

Aquelas meninas unidas por um objetivo comum, afetaram a todas, não apenas as envolvidas no processo, mas as demais atrizes que emergiram no processo de afinidade. Afetividades. Para onde eu olhava, havia afeto. Olhos marejados de alegria e de realização. Por isso que, para mim as afetividades estavam em cena no F.E.M.E., nesses laços que apreciei em todos os dias, vi ali representadas mulheres de todo o Brasil, uma conexão e admiração entre elas, regadas à atitudes e muito mão-de-obra em arte. Mulheres, fêmeas, femininas que nenhuma descrição seja feita por dicionário, ele não é capaz de contar. Mulheres trabalhadoras do Riso e da Arte. Fêmeas que fazem.
Sim, um festival realizado por mulheres engraçadas. Que pousou em cena mulheres ao trabalho, ao trabalho árduo de conceber o rir. Mulheres díspares, de lugares diversos, de outros encontros e de reencontros. Mulheres que por serem potência e resistência dão-se as mãos e vão ao longe. Que buscam e inventam uma forma, uma nova estética em arte a partir de sua obra posta, Roberta Stubs nos diz quando explana sobre estéticas feministas na arte contemporânea:

“…o trabalho de muitas artistas mulheres carrega uma poética feminista posto que se alinha a uma postura ética, estética e política de resistência e criação de outras figurações para o corpo, o feminino e para a subjetividade. Além e aquém de uma identidade feminista, falamos, pois, de um posicionamento crítico-inventivo diante do mundo. Crítico posto que se opõe à lógica de controle biopolítico que opera sobre nossos corpos, desejos e subjetividade afim de docilizá-los. Inventivo posto que resiste a essa lógica criando outros modos de ser e estar no mundo, outros modos de viver a relação que estabelecemos com nossos corpos, práticas e desejos.”3

Reparem quando cito Roberta não digo que o F.E.M.E. é um festival feminista, digo sim que é feito por mulheres e que com ele abarcamos todas as suas subjetividades e valores culturais que foram impostos/postos na sua formação. E que ao se realizar o festival se torna imenso, pois é a resistência e o poder de mulheres na arte do seu lugar. É político! É domínio!  Ou seja, ele foi edificado tendo como protagonista mulheres. Essas que na Grécia antiga, nem em cena poderiam estar. 

        Quantos festivais de arte encabeçados por mulheres tivemos em Alagoas?

  Ser mulher e estar sentada vendo outras mulheres protagonizarem um festival é, mesmo que distante, estar ali de alguma forma, é sentir-se a vontade e convidada a estar em cena. Sendo enfática ou redundante como queiram ver e quero reafirmar nesse texto as palavras de empoderamento que são para mim uma missão, como o espetáculo “Opá”; é também uma mandato como o das atrizes do “Cabaré das Desgovernadas” para me manter desgovernada, livre para ter a coragem de colocar o machismo patriarcal dos homens, nem que seja na figura do voluntário de cena, no centro da chacota. Temos esse direito, como nos apresenta Talita Trizoli em um de seus trechos traz a fala de Luce Irigaray, lingüista e psicanalista francesa, nos comentários de Butler, colocando fatos históricos ultrajantes, mas ainda presentes no cotidiano de mulheres que fazem arte. 

 “ ‘Uma mulher não pode usar a primeira pessoa, “eu”, porque, como mulher, o falante é “particular” (relativo, interessado e perspectivo), e invocar o “eu” presume a capacidade de falar em nome a condição de humano universal: “um sujeito relativo é inconcebível, um sujeito não poderia absolutamente falar.’ Deixando de serem espectadoras, as mulheres tomaram a “liberdade” de serem criadoras, e de determinarem suas imagens artísticas, de elegerem seus tópicos plásticos. O movimento feminista na arte vem então para desconstruir a premissa de mulher objeto de desejo. De musas inspiradoras para o olhar do artista, passamos a ser o olho e a mão que cria.” Deixando de serem espectadoras, as mulheres tomaram a “liberdade” de serem criadoras, e de determinarem suas imagens artísticas, de elegerem seus tópicos plásticos. O movimento feminista na arte vem então para desconstruir a premissa de mulher objeto de desejo. De musas inspiradoras para o olhar do artista, passamos a ser o olho e a mão que cria.” 4


Sujeitos, não. Sujeitas! Todas elas donas de si, estavam a frente de um festival, feito por mulheres essas que sempre e por anos tiveram seus corpos à servir e a ser objeto de desejo e entusiasmo criador. Hoje estão a frente, e  não só tem a palavra e a cena para si, como trazem a possibilidade de execução aliando-se a mais artistas, homens e principalmente mulheres. Elas não oprimem. Empoderam as demais.  Vestem o poder, e são elas que criam e ordenam o fazer da festividade. É a alegria do riso, potencializado no vigor das palhaças e atrizes Wanderlândia Melo, Nathaly Pereira e Elaine Lima.



Um festival que homenageia um patrimônio vivo do circo alagoano, mais que uma educadora circense, “Peró de Andrade” é aquela que seguiu seu sonho e foi ser artista, sabendo o que é uma verdadeira artista: uma batalhadora da poesia, ela por sua vez o fez no picadeiro. E estava lá no F.E.M.E. como consagrada, e não só de consagração em vida foi feito esse festival, resgatamos a memória e colocamos no fluxo a história de uma “palhaça” nunca antes contada em Maceió, e deu-se através do filme “Minha Vó era Palhaça”, dirigido por Ana Minehira e Mariana Gabriel. Tivemos então acesso a uma lacuna da arte da palhaçaria nacional que nos foi apresentada na exibição do filme. O filme de 50 minutos tem esse nome porque na verdade, Maria Eliza se apresentava como “Xamego”, palhaço homem, no início da década de 40 e era a grande atração do Circo Guarany. Esse documentário além de trazer inúmeras questões sobre a mulher na arte, a mulher NEGRA na arte, traz o registro da primeira mulher negra e palhaça do Brasil, que tinha em sua identidade o nome como já dito de “Palhaço Xamego”. Esse apagamento da memória não pode persistir, ao final da exibição tivemos um bate-papo com a filha (Daise Alves dos Reis Gabriel) e neta (Mariana dos Reis Gabriel) do Palhaço Xamego, que nos trouxeram não só relatos afetivos como aprendizados de resistência e de vivência em arte. Há muito que ser registrado, há muito que ser contado sobre essas artistas do Brasil, as escolhas do F.E.M.E. nos fortalecem, a história nos faz maior, nossas avós são a nossa construção feminina na vida e na arte, a então palhaça Xamego nos ensina com sua história contada pelo cinema que a arte é fragmento da vida e que sem ela estaríamos em pedaços. 

Todo dia a mulher se reafirma e se refaz, afinal ela sempre foi a musa inspiradora, agora ela está à frente. São seus os impulsos e invenção  que vemos em obras de arte pelo mundo, não só pela beleza dita e verbalizada como algo a que a mulher "tem" que deter, mas por ser artista. Artista que reconhece sua necessidade de expressar, se auto declarar, auto - retratar, contar e construir uma nova passagem para a arte. Durante o F.E.M.E as afetividades estavam presentes acho que as meninas descobriram na arte a potência da sua fúria transformar tudo em riso, sem para isso precisar perder a ternura. 

Durante esses encontros cheios de afetividades, fui abraçada por conversas ouvidas, aprendi com a escuta e o olhar para a obra dessas artistas engraçadas. Em cinco dias de festival, Maceió e seu público presente mostrou que é possível fazermos arte, que queremos ver, que temos apetite por arte. Avante todas e que a força do riso nos faça resistir e criar muito, Mulheres! 


1-Melo, Wanderlândia- Coordenadora Geral do F.E.M.E
2- https://www.significados.com.br/afetividade/
3- Stubs,Roberta-  Pensando uma estética feminista na arte contemporânea: diálogos entre a história e a crítica da arte com o feminismo/ Rev. Estud. Fem. vol.26 no.1 Florianópolis  2018  Epub Jan 15, 2018
4- Trizoli. Talita- O Feminismo e a Arte Contemporânea - Considerações.Panorama de Pesquisa em Artes Visuais Agosto/2018
Fotos _  Nivaldo Vasconcelos

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