Um Chapéu


Tessitura: Jocianny Carvalho


"Todo mundo pode ir à cavalo, ou de trem, mas o jeito mais legal é de viajar no chapéu". - Chapeleiro Maluco. (Alice - Lewis Carrol)



Alice primeiramente é um emaranhado, desde de sua obra original de Lewis Carroll à adaptação “Alice?! da Cia. do Chapéu. O que mais se observa é a quantidade de questionamentos que surgem como uma necessidade de quem está perdido se encontrar. Alice, seja como for, sempre será necessária porque em algum momento da vida, mesmo o mais encontrado de todos irá se perder, nem que seja por um segundo, e aquele que não se perde nem que seja por um instante, corre o risco de perder-se para sempre. E perder-se tanto na obra original quanto na releitura do Chapéu é abrir-se para novas descobertas.

Admirável mundo novo, daqueles que sonham e se colocam em algum lugar com a força da imaginação. Admirável a vontade de estar presente. Admirável caixinha de Lhama na porta do Complexo Deodoro. Admirável Cia. do Chapéu que resiste desde 2002. Admiráveis por dar a oportunidade de alguém ver pela primeira vez um trabalho tão ímpar sobre uma obra tão revista.

A Cia. do Chapéu faz o teatro como aprendemos aqui nesse lugar, quando a criatividade tem que ter custo zero, e de certa forma a grande maioria das pessoas de teatro de Alagoas, conservam com muito esmero sua criança interior, porque se essa singularidade nos faltar, fica quase impossível gerar uma nova montagem teatral. E nessa montagem em especial você vai se deparar com a vontade e a imaginação dessas crianças da Companhia do Chapéu, diante de você irão surgir coisas inesperadas, apenas com retalhos de panos. Esse jogo lúdico que se cria durante as trocas dos cenários e figurinos prende a atenção e mostra a genialidade do grupo em ter que persistir. É necessário afirmar que criança sendo posta aqui não é de forma alguma no sentido imaturo, mas na celebração de nosso auge de fantasiar de forma produtiva.

O espaço cênico, onde se desenrola a ação, é uma estrutura de metal como um grande retângulo aberto, que demarca bem onde transcorre a ação. Já que é da celebração da criança Alice que estamos falando, imaginem uma peça de dominó (certamente ela gostaria mais de xadrez, paciência), o jogo. Durante toda a encenação a peça exposta era raramente aquela em que aparece a dupla, ou bomba como chamam em alguns lugares. Havia um desequilíbrio ali, algo que é sentido e tratando-se de uma representação contemporânea essa experiência se dá mais por questão enérgica do que escolhas espaciais, ma ainda assim são escolhas que deixaram o desequilíbrio em evidência, como Anne Übersfeld afirma no Livro Encenação em Jogo de Marcos Bulhões:

“A representação contemporânea trabalha essencialmente sobre o espaço. Longe de unificá-lo, ela o fragmenta; longe de torná-lo coerente, ela o irracionaliza; impedida de o tornar de o tornar como um todo lógico, organizado. O espectador, fisicamente integrado ao espaço, algumas vezes agredido por ele, é forçado não a aceitá-lo, mas a decifrá-lo e, no limite, a reconstruí-lo”¹

Mas havia uma instabilidade notável também em relação ao espaço, mas especificamente ao espaço do ator, o espaço gestual, o enérgico e acontece que ele destacava-se justamente por essa desproporção da peça de dominó cênico. Quando o Pavis fala sobre o ator em seu livro “Análise dos espetáculos” ele fala de as condições do ator:

“O ator de teatro tem pois um status duplo: é pessoa real, presente.” ²

Essa pessoa real e exposta ali, esteve presente na maior parte da peça de dominó, mas não em sua totalidade. E isso foi reparado.



Durante todo o emaranhado de questionamentos dramatúrgicos e têxteis surgem questões políticas, pessoais e extremamente humanas. Alice?! seja ela/ele quem for, é alguém se descobrindo. É um país jovem, uma política que põe em risco a educação, um coletivo de atores lidando com questões financeiras, alguém que não tem certeza sobre ter filhos, é colocar todxs para refletir e é, principalmente, ser artista em Alagoas. Alice?! tem a assinatura da Cia. do Chapéu principalmente quando afirma que não afirma nada, é lagarta em construção, é ouvido para ir mais adiante e é capacidade de conserva-se criança.



Referências:
1- Martins, Marcos Bulhões. Encenação em Jogo. pp. 37.
2- PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos.pp. 53.


Espetáculo- Alice?!
FICHA TÉCNICA:
Elenco:
Donda Albuquerque
Joelle Malta
Laís Lira
Larissa Lisboa
Magnun Angelo
Direção: Thiago Sampaio
Música: André Cavalcante



Fotos: Benita Rodrigues

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