Aldeia Arapiraca 2019: A corpa de Joana - “Mamilos”, da Coletiva Corpatômica (AL)

Tessitura _ Bruno Alves

     Tinha quatorze anos, ela, quando na rua descobriu que ter uma corpa poderia ser um crime. Alguém puxou-a pelos cabelos, olhou em seus olhos e falou que desejava que ela caísse em sua cama. Alguém, um homem.

     Joana descobriu ali, naquele fato, que uma menina com uma corpa na rua, querendo apenas passar e seguir seu caminho, estaria sempre em risco.

     “Nunca esqueci o que ele me disse. Fez me sentir violentada na rua”, ela nos contou.

     Passaram-se anos. Joana cresceu, mas a memória do assédio que sofreu percorre vez ou outra a sua mente.

     Mamilos poderia ser somente sobre os seios de uma mulher, mas é sobre uma corpa inteira.



       Essas mulheres voltam à cena e se mostram por inteira. Revelam-se e continuam a nos revelar.

    Não somente um espetáculo. Mamilos percorre uma jornada e agora entende-se como uma denúncia e como performance e dança também. 

     Uma dança que se propõe a dançar a honestidade de se sentir vulnerável e em risco constante a todas as horas. Uma dança que existe por que a corpa já não quer ser controlada e violentada. Agora a dor se transforma em códigos e símbolos.

     Descodificam o medo e a opressão.

     Mamilos poderia ser sobre Maria, Yolanda (que tem encontrado sua dança e se mostrado cada dia mais verdadeira e inteira) e Mirela, mas é sobre todas as corpas, as de ontem, as de hoje e as que virão. Poderia ser somente sobre elas, mas é sobre suas mães e sobre as nossas mães também.

     É interessante observar como um homem enxerga a denúncia de Mamilos de uma forma diferente. Enxergam a corpa muitas vezes tentando desconstruir uma ideia de fetiche, porque passam a enxergar a dor mesmo quando molham de sangue aquelas corpas ali presentes.



     Uma mulher verá Mamilos de uma outra forma. Não só verá a dor, mas voltará a sentir a dor, essa companheira tão íntima que só elas conseguem sentir. E quando se derrama o sangue sobre as que denunciam, é o sangue delas ali que também se derrama.

     Mamilos, que se apresentou na Aldeia Arapiraca 2019, segue cada dia mais forte, coerente em seus discursos, dramaturgicamente provocante, silenciosamente denunciante, corporalmente violento para nos mostrar o que fazemos, o que sabemos e aquilo que ainda precisamos fazer na construção de uma sociedade igualitária.

     Não à toa Joana, ali na plateia, se reconheceu.

     Era sobre Joana aquela noite.

     Sobre elas, sobre todas elas.


Mamilos
Coletiva Corpatômica 
Fotografias: Frederico Ishikawa
Revisão: Felipe Benicio

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