Festal 2019: O destino do Sorriso Ignoto



O destino do Sorriso Ignoto

Tessitura Cênica: Jocianny Carvalho



Ô viajante fica se te apraz, parte se é preciso. O que importa é sempre buscar o ignoto. Lula Nogueira



Dentro de uma Maceió existe uma singular cidade, ela merece essa nomenclatura por ser particularmente livre, dentro da sua estrutura organizacional ela tem sua própria atividade cultural, industrial e financeira. O sorriso é custoso, recôndito e apartado. Para conhecer é necessário a vontade, um olhar fraterno e curiosidade. A nossa moeda é a mesma, nossa língua e o valor da passagem de ônibus, mas o significado… Esse é bastante antagônico. Não só se gasta horas para encontrar o local no google maps, como presencialmente se gasta horas para assimilar tudo que esse espaço propõe.


O fato é este: Cidade Sorriso, com uma insolência desmedida, esta que vos escreve pretende ser grata e respeitosa contigo, julgando te conhecer infimamente dentro de sua amplidão. Afora esse encargo tem a questão da escolha, essa eleição por parte da 5ª edição do Festival de Artes Cênicas de Alagoas 2019 que nos provoca enquanto artistas a ir aonde o povo está. E nos inquieta com várias questões: É preciso um palco para ser um artista? O público de Alagoas se reduz a cada dia ou eu reduzo minha arte a um local específico? O quão longe eu posso ir dentro do meu próprio chão? Reconhecendo a bravura, urgência e humanidade da organização do FESTAL, penso falar por toda a classe artística quando digo: Gratidão. Dentro de suas possibilidades reafirmaram o indispensável para ser um artista, o outro. 


A programação do dia foi gradualmente cativando a atenção dos moradores, o Grupo Senzala Capoeira iniciou as apresentações e de forma muito contida nas laterais o povo observava, como quem observa à espreita para criar sua própria opinião sobre o que é visto. Logo na tardezinha veio com sua musicalidade ancestral a contação “História do Lar...de lá” com Toni Edson, os sorrisenses já pensavam em ir para o centro, ainda de forma comedida, alguns recriaram a forma infantil de receber histórias e sentaram diante do palco para ouvir, e cada história trazia uma experiência como a da menina Fanatu, que nos lembra a importância de voltar para casa.


O consentimento foi explícito de vez quando a Companhia Hip Hop começou a relatar o real, e todos os presentes se reuniram, os de fora e os dali e ouviram por um tempo o que aquelas vozes queriam dizer, os dali se reconheceram e os de fora identificaram-se por meio de empatia e foi um momento perdurável. 


“A onda leve não traz a margem. (...) Vai fundo, vê se sobrevive.” - Companhia Hip Hop


O coletivo Afro OGBON com seu ritmo forte e presente acessou o imaginário da criança dentro de nós, e nos convidou sonoramente a participar, de forma muito parecida nos atravessou o Coletivo Afro-Caeté, com uma singela diferença que aquela presença feminina quase total causou ali, o olho que brilhava das que assistiam e o acompanhamento forte da música saindo dessas meninas fez parecer que naquele momento elas tinham voz e vez, sui generis.

Tudo era muito atípico para um viajante, mas o artista precisa necessariamente ser confrontado, e estamos acostumados a sermos confortados. Um lugar muito corajoso escolheu o Coletivo Mambembe com o espetáculo In Progress, que aterrissou bem no meio da enorme euforia. A euforia causa diferentes reações a diferentes tipos de pessoa, ela pode ser tão incontestável que a pessoa não para de sorrir nem um segundo, e ela pode ser tão grandiosa em nós que sentimos necessidade de expulsá-la até mesmo de forma afrontosa. 



O espetáculo contava com uma cenografia bem circense, assim como o figurino e a maquiagem, e tudo girava em volta da caixa e o grande mistério que teria dentro dela. A dinâmica dos três palhaços em cena (Cafifofi, Criatura e Taquarana) é a marca mais significativa, a forma como se conectam com o espectador e com a cena, é de onde surgem os sorrisos mais sinceros. A performance entre os três é tão acalorada, que quando se põem sozinhos em determinadas cenas perde-se um pouco dessa energia, e acabamos procurando os outros com o olhar, e achamos imersos em outra ação. No teatro de rua estamos sempre em cena, por que nunca se sabe de onde vem o olhar, não estamos no nosso espaço cênico confortável, mas no espaço cênico indomável. Certamente foi o espetáculo onde o Coletivo Mambembe mais foi confrontado, e por isso extremamente cheio de ensinamentos, como o nome do espetáculo certamente já demonstra a sabedoria de nunca dar um ponto final, continuem avante! Dentro de sua incontestável impavidez, o coletivo se mostrou feito por artistas.

Todos esses escritos acima, a qualidade
 do encontro e o que reverbera em nós, faz surgir questões: Que tipo de artistas somos se não conhecemos nosso lugar? Se nossa busca não for sempre essa de seguir ao ignoto, somos artistas? Que tipo de vandalismo egocêntrico é esse que fala de mim e não fala de onde estou? Que onda leve é essa que nos transforma em ilhas solitárias em um terreno tantas vezes utilizado que já não é mais fértil? Por que escolho estar na ilha se posso conhecer a cidade? 

A cidade Sorriso expõe toda sua curiosa forma de ser sobrevivente, conta com a existência do Mestre Cabelinho e sua Banda Afro Dendê e se mantém insubordinada diante de um cenário cultural quase que excludente, alcançou o topo e nos dá lição de: Juntar, Criar e Resistir!








ARTISTAS PRESENTES:

Grupo Senzala Capoeira - @capoeira.senzala.alagoas

Toni Edson - @tonidiscipulo

Companhia Hip Hop - @

Coco de Roda Barreiros das Alagoas - @cocoderodaBarreirosdasAlagoas

Coletivo afro OGBON - @ogbonoficial

Coletivo Mambembe - @coletivomambembe

Coletivo Afro-Caeté - @coletivoafrocaete_al

Banda Afro Dendê - @afro_dende_9685

FOTOS: Benita Rodrigues


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