Aldeia Arapiraca 2019: Jornada de uma heroína - "Chica Fulô de Mandacaru", da Casa Circo (Amapá)

Tessitura _ Bruno Alves

     A Casa Circo (AP), em sua segunda passagem por Alagoas, pelo Projeto Palco Giratório, apresentou, no dia 20 de setembro de 2019, na programação da Aldeia Sesc Arapiraca, o seu espetáculo Chica Fulô de Mandacaru.

     Chica Fulô de Mandacaru é um espetáculo sobre partida. Uma mulher sertaneja, fugindo de um casamento arranjado, percorre o sertão em busca de um lugar melhor para viver. É através de um Brincante ( Jones Barsou) e personagens mascaradas e a própria Chica (Ana Caroline) que vamos descobrindo, através de uma dramaturgia rica e poética, todo o seu percurso, as causas de sua partida, o crime que foi levada a cometer para escapar da violência contra o seu corpo e sua liberdade.  As lembranças são narradas, as imagens são construídas e as situações vivenciadas. Vamos percorrendo e retomando junto com ela a jornada de saudade e de dor pela partida.



     Quando começa o espetáculo, vemos ser construída uma imagem muito potente de uma mulher nas costas de um homem a dar-lhe punhaladas. Somente no decorrer da dramaturgia é que veremos essa imagem retornar de outro ângulo e dentro de um contexto.

     O personagem Brincante, que, com sua rabeca, nos introduz a história de Chica e seguirá narrando ao longo do caminho, nos pega de cara pela sua sonoridade e naturalidade fascinantes. Jones é um Brincante que, ao contar a história, envolve a plateia e consegue entrar em sua frequência, seja esta plateia um idoso quieto ou uma criança inquieta. Sua presença cênica nos leva junto com ele pelos caminhos da narrativa.

     Ana nos conta com seu corpo sobre Chica. É interessante observar na construção da personagem como ela não beira os estereótipos e segue um caminho de um corpo que possui formas e força nos movimentos. Sabemos que Ana percorreu, em sua trajetória, o balé clássico e agora vivencia a dança contemporânea. Vemos traços dessa trajetória na construção de Chica. Um corpo muitas vezes destoante do Brincante, mas que pode ser bastante interessante nessa narrativa. Um fato importante de se observar na construção é o como Ana é capaz de desconstruir esse corpo e se assumir uma Brincante toda vez que ela faz uso das máscaras. Seu corpo foge dos códigos de dança e acessa outros estados, nos conectando ao universo popular.



     Com uma dramaturgia poética, Chica Fulô de Mandacaru nos faz percorrer um universo popular com bastante ressignificação, pois, nessa história, Chica é uma sonhadora e, ao mesmo tempo, revolucionária ao ir de encontro à cultura de opressão feminina de seu tempo.

     Uma das cenas mais impactantes, e bem humorada, é aquela em que Chica foge de seu abusador dando-lhe golpes de facada e, num número acrobático misturado a xingamentos populares, eles reconstroem a imagem do começo do espetáculo com potência, humor e poesia.



     Chica é também um espetáculo que fala sobre sair do seu lugar para se reencontrar no mundo. Chica foge de um casamento arranjado, mas foge também de muitos estereótipos e preconceitos presentes na história de muitas mulheres. Foge para se perder no mundo ou como diz o espetáculo, "Chica ganhou o mundo e o mundo ganhou Chica".

     Não podemos esquecer da iluminação do espetáculo que narra essa história junto com esses personagens e as músicas que são de uma particularidade capaz de tocar com profundidade as nossas memórias. Quando Chica, em sua jornada de heroína, canta a saudade do colo de sua mãe, é a nossa saudade que ela canta.

 Espetáculo: "Chica Fulô de Mandacaru"
 Cia Casa Circo (Amapá)
Fotografias: Tarcísio Ferreira
Revisão: Felipe Benicio

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