Tessitura _ Bruno Alves
No calçadão do comércio da cidade de Arapiraca, assistimos na tarde do dia 19 de setembro ao espetáculo A Mulher Braba, da Cia LaCasa, durante a programação da Aldeia SESC 2019.
O espetáculo é uma adaptação de Abides Oliveira do texto espanhol de 1335 O moço que casou com a mulher braba, de Don Juan Manuel.
O espetáculo possui um elenco experiente com a prática da rua, um figurino com cores e camadas visualmente interessantes e uma musicalidade executada ao vivo por Gama Júnior, que traz um tom de suavidade e leveza ao espetáculo.
Esse elenco conhece a rua e sua necessidade quando o assunto é estar nela para fazer teatro. Sabem improvisar com o espaço e estão abertos a tudo que acontece ao redor para responder sem negar o chamado da rua em nenhum instante. Essa maneira de jogar faz com que nos conectemos rapidamente à história que querem contar. São engraçados, com uma caracterização não convencional ao espaço cotidiano, e possuem essa musicalidade que nos atrai. Embora, nessa apresentação especificamente, o grupo parecia estar um pouco desconectado de si mesmo, deixando o ritmo do espetáculo mais lento, o que pode ter sido ocasionado pelo atraso, devido a problemas técnicos.
Há de se destacar que o uso de aparatos tecnológicos (no caso o microfone facial), embora sejam grandes aliados do teatro e, principalmente, do teatro de rua, muitas vezes pode causar muito incômodo a quem assiste, principalmente na hora em que cantam e realizam muita movimentação. O que poderia ser um aliado, pode, muitas vezes, atrapalhar se não for bem executado.
Mas a grande questão do espetáculo ainda está na construção dramatúrgica, especialmente da dramaturgia falada e cantada. A Mulher Braba é uma história de relacionamentos abusivos tanto para os personagens masculinos como para os femininos. É uma história sobre violência, sobre A Mulher Braba ser obrigada a casar e, além disso, casar com alguém que tortura seus animais para tentar exemplificar o que pode acontecer com ela, caso não se amanse.
O que em 2019 poderia ser uma história sobre protagonismo feminino, como sugere o título, acaba por reforçar estereótipos relacionados à imagem da mulher que é obrigada a casar e tem que se tornar mansa para agradar ao marido.
A Mulher Braba tem tudo para ser o que ela quiser em 2019, no entanto, mesmo com tentativas de dizer que ela não se amansou, o que vemos é ela cedendo à tortura psicológica do marido, que possui uma tentativa de mostrar que o que ele faz é por conta de um estado de loucura.
Outra cena emblemática é quando o noivo da mulher braba diz ao sogro que conseguiu amansá-la e ensina as técnicas de tortura psicológica para que ele faça com a sogra. E quando o sogro tenta reproduzir com a esposa o que aprendeu, ela responde dizendo que é tarde e que ele deveria ter feito isso há trinta anos, quando começaram o casamento. Nesses discursos vemos o quanto é perigoso a reprodução do uso da violência sendo reforçado dentro do teatro e, principalmente, na rua, um espaço onde pessoas das mais distintas histórias e culturas atravessam e são atingidas de alguma maneira por aquela história.
Termina o espetáculo e nos entristecemos ao ver que ela foi domada, mas, no fundo, a tristeza pode ser por se tratar de uma história em que todos os personagens são abusivos e vivem histórias de desamor.
Embora a experiência e a técnica teatral do grupo nos conquistem, e saibamos de sua importância para o teatro de rua em Alagoas, somos afetados pelo tempo em que a obra é exposta e pelas vezes em que ela poderia ampliar possibilidades e se limita a, de alguma maneira, alimentar discursos que o teatro tem lutado tanto para superar.
Espetáculo: A Mulher Braba
Cia LaCasa (AL)
Fotografias: Frederico Ishikawa
Revisão: Felipe Benicio
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