MIT_SP: [Crítica] Espetáculo POR ONDE ANDAM OS PORCOS




PORCOS, corpos como metáfora da espécie

Por LILI LUCCA



Corpos em movimento contínuo são os nossos. Corpos que estão em transformação, degradação e mutação. Como andam os CORPOS, para que lado, o que é visível e o que realmente vemos no outro?

Ontem na 7ª.MITsp, assistimos ao espetáculo Por Onde Andam os Porcos, escarnando a potência de vida de um corpo e o fazendo potente, o fazendo dilacerar-se perante nossos olhos. Desafiando todo um sistema de lógica e mostrando o sacrifício de se manter em pé durante a vida.

Corpos em risco, corpos no risco. É constante a sensação que nos passam aqueles corpos pulsantes, aqueles corpos que respiram por todos os buracos do corpo. Em meios a contatos e repulsão esses corpos se movimentam em um tempo uníssono e um tempo que oscila, reagem um ao outro, se expelem e encontram constantemente. Ainda existe o olhar.

O som está como bússola em alguns momentos, mas esses corpos são incitados por um drone pontual que contém um poder e modifica o tempo das cenas. Tem a sensação de vigia pela equipe técnica que ronda o cenário toda de branco coberta dos pés a cabeça, como se espreitasse por todos aqueles animais ali, no caso nós como animais também, acuados em algumas ocasiões pelos porcos que desmoronam junto a nós.


Corpos que se olham e foliam pelo espaço. Corpos nus que agora reagem ao espaço em constante variação. Muda a respiração, mudam os apoios do mover-se. Espasmos. Estado alterado. Um corpo carne, uma letargia que se instalada nesses corpos em vida. Letargia essa que os aniquila o sentir e suas subjetividades. Vai lhes colocando outros modos de operar o corpo e de sentir.

A operosidade desses corpos em cena, e o retrato da anulação de suas subjetividades, nos causam incômodo físico, nos descortinam a retina poética e a violência. O desespero, a insanidade e a fúria desses corpos me revelam a um cotidiano em que somos inseridos e que temos a destruição contínua do nosso modo de vida na terra. Um corpo que pensa, cria, morre, sofre e sobrevive diariamente, sem se entender como. Como esse corpo ainda está ali?


Nós, como aqueles corpos em cena, em nosso cotidiano encontramos modos de respirar, girando no mesmo lugar por horas, sem cair. Passamos por choques, componentes químicos, nos enfiamos em máquinas, inserimos suportes, dentre outros. Tudo para achar uma possibilidade de uma cura, de um re-começo.

Por onde andam os CORPOS de todos nós que ainda resistem ao silenciamento social do nosso país?

A grande questão de “Por onde andam os Porcos”, vai além do da exibição de esgotamento que estão os corpos hoje no mundo, e sim da busca da humanidade compreender seu estado de destruição e mutação. Por quanto tempo esses corpos ainda andarão?

Nas cenas finais de degradação e exaustão desses corpos, a mutação física proposta modifica totalmente cada espécie humana ali presente. Eles se movem e reagem apenas aos seus modos físicos de mutação, e aos seus instintos de animais que é o que sempre unirá as espécies desse mundo. A busca pela sobrevivência ou a fuga desses coletivos do opressor? E foi o que fizemos nós na fuga dos corpos aniquilados da cena, não suportamos o barulho ensurdecedor sobre nossos ouvidos. Saímos do teatro com os ouvidos em chama e com efeito de nossos corpos em ruínas. Ruína essa que é a certeza dessa vida. Uma hora o corpo cai, uma hora o corpo para. 



Ver aqueles corpos que deflagraram através da arte os sintomas e a condição física e emocional dos nossos corpos democráticos. Queríamos nós ver corpos arruinados, mas corremos da agressão física do som. Voltamos ao total silenciamento da mente, mas em nosso corpo aquele esgotamento da cena está presente diariamente, mas nosso processo é quase invisível, não conseguimos sentir. 

A performance que tem a direção de Kildery Iara, nos provoca com o corpo dos intérpretes, esses corpos questionam o real sentir hoje em nosso cotidiano, nos buscam no despertar da inteligência, das sensações e dos sentimentos. A agressividade e a força desses corpos em cena despertam a potência do estar vivo mesmo em decomposição da nossa matéria.

O artifício de ver é o atravessamento não tem como sentir, ou você sente esses corpos ou você não se dispôs a ver. Ou você não sente mais. Essa é uma das buscas e das questões desses corpos, eles sentem a todo momento que estão em processo de ruína e apagamento total de si. Como nós todos em nossos dias. O acordar será junto ou não existirá.




Assista ao teaser clicando AQUI!

Fotografias: Nereu Jr.

FICHA TÉCNICA:

DIREÇÃO GERAL: Kildery Iara
DIREÇÃO DE ARTE: Iagor Peres
DIREÇÃO ARTÌSTICA: Iagor Peres e Kildery Iara
INTÉRPRETES-CRIADORAS: Kildery Iara, Marcela Aragão, Meujael Gonzaga e Marcela Felipe
FIGURINO E PRÓTESES: Meujael Gonzaga
ILUMINAÇÃO: Iagor Peres
OBJETOS DE CENA: Iagor Peres e Meujael Gonzaga
AMBIÊNCIA SONORA: Hugo Coutinho
PRODUÇÃO: Kildery Iara
OPERADOR DE DRONE: Ricardo Moura






Nenhum comentário:

Postar um comentário

“Estendam ás mãos já! - Narrativas Individuais para Construções Coletivas”

    Tessitura_ Lili Lucca            Ainda andamos de mãos dadas Cacau, aqueles que na cena construíram espaços de criação de arte ao seu la...