MIT_SP: [Crítica] "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" de Renata Carvalho

 Rainha do Céu, a Deusa do AMOR
Por Lili Lucca

   Ontem, mais precisamente dia 08 de março de 2020, me encaminhei a sala Jardel Filho, uma sala de teatro no Centro Cultural de São Paulo, com mais de 200 lugares. Tinha fila. Uma imensa fila. Pensava eu que iríamos todos assistir um espetáculo, porém fomos para um arrebatamento. Foi uma lição de amor. Nunca ri tanto em um espetáculo, nunca senti tão forte minha respiração. Acho que Renata conseguiu me reconectar com minha fé. 




   Renata Carvalho, em sua performance em “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”  que desde sua estreia em 2016 vem sendo censurada, dá sentido real a vida de Jesus Cristo, um corpo sagrado. Um corpo sagrado como de todos que estavam naquela sala ontem, um corpo sagrado que foi morto, profanado pela ira, ignorância e hipocrisia dos homens. De todos os homens que habitam e habitaram essa terra e que valem de seu ódio para governar e colocar o mundo em ruínas. O corpo de Renata e de muitas mulheres e homens trans, é um corpo que se salva dessa ruína todo dia, a coragem desses corpos, sua certeza  pela vida, deve ser todo dia um ensinamento para todas nós.

   Na entrada do teatro recebemos vinho e uma vela, no palco uma mesa posta, com jarra, água e flores. Cantos antes do início do ritual. Ritual por transformar a todos ali presentes, ritual pela presença da performance que nos encara, questiona e atravessa. O teatro lotado, desce a escada uma mulher, forte e chique, carrega uma pequena mala branca e se refresca com um refrigerante Jesus.

   A performance de Renata, é posta em cena, vacilamos ao que virá, mas entre a festa e a alegria de estar viva, as lutas e os sermões, ela testemunha o real sentido da vida. Toda dramaturgia contada, já é conhecida por nós, vive em uma memória cristã que de alguma forma chegou até cada um, pelas igrejas, pelas bíblias ou lidas na escola, ou também orações feitas em casa. Esse dia foi histórico, pois Jo Clifford, autora e atriz do texto estava lá. Jo Clifford, que após 10 anos voltou a apresentar seu espetáculo na 7ª. MIT -SP, e conseguiu ver a versão brasileira feita por Renata Carvalho.  O encontro de ambas, prova que a arte além do poder de cura, de apagar territórios, consegue ensinar uma nova maneira de ver e viver a fé.



   Com uma luz pontual entre público e palco, com ausência total de luz, e a luz sendo feita pela plateia, a atriz-performance, nos emociona e nos alucina com seus gestos e ações. Nos trava a respiração quando corporifica Jesus, e fala seus sermões. A Rainha do céu, uma mulher trans, um corpo intenso, um corpo de combates, um corpo que foi crucificado, censurado, barbarizado, depreciado. Quantos corpos passam por isso todo os dias? Você os olha na rua? Os vê? Ou julga?  O corpo de uma mulher que luta todo dia para estar viva, para que a enxerguem, para que a respeitem, como toda MULHER deve ser respeitada.  Um corpo que é livre e que almeja viver essa liberdade, um direito de todos os corpos. De todas as mulheres, mulheres trans, sagradas e profanas. Todas elas, livres para o amor. O corpo de uma mulher que resiste e que mesmo ainda sendo crucificado por muitos, tem a força de apresentar o amor a todes, todos e todas.

E Renata nos deixa claro, quando nos apresenta o amor.



É aqui que seremos crucificados.

Nosso calvário, é aqui.

Na sala de casa. Na praça. No trânsito. Na cama do hospital.

Haverá tormenta, na entrega da vida.

Este nosso CORPO será quebrado.

Este nosso SANGUE será derramado.

   Quando a gente nasce vai tropeçando, a esperança da criança vai se perdendo, o mundo parece cheio de trevas. No caminho as pessoas se perdem. Aqueles que se dizem virtuosos, julgam, condenam tudo na sua veracidade hipócrita.

   Mas ainda assim haverá luz, haverá luz, pois, haverá o outro, aquele corpo que carrega o amor, aquele corpo que ensina o amor, aquele corpo que doa o amor. Que perdoa, que é resiliente e que deposita sua fé em um mundo onde todos possam amar e conheçam o amor. Já temos todes, todos e todas uma dávida, temos uma mãe. É nesse amor que nascemos. “O Evangelho segundo Jesus Cristo, Rainha do Ceú”, nos lembrou que o único propósito dessa vida é repassar esse amor.

                               Este é o propósito AMAR e ser AMADA.
   
   O teatro me ensina todo dia. A arte me atravessa os olhares e me muda as percepções de mundo. Ver Renata Carvalho no teatro me despertou minha fé. As falas de sua Rainha me fazem querer sentar, ler e conversar com Jesus, nem que seja em oração. A oração que ela proferiu ao fim do espetáculo, nos curou. Hoje é meu terceiro dia na MIT SP, e tenho a certeza que a experiência ao assistir “O Evangelho segundo Jesus Cristo, Rainha do Ceú”, foi algo sagrado. Não se explica, pela teoria teatral, filosófica ou estética. É necessário assistirmos Renata, para voltarmos as nossas religiões e/ou transformar esse mundo em destroços. A arte quando transforma, informa e muda. É capaz de transforma aqueles que desprezam o próximo.

                                  “AMAI VOS, UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI”…
                                                            Você ama o próximo seja ela/ele qual for?

                                                            Obrigada Renata, e a todas que construíram esse      evangelho. Que o amor e a liberdade sejam guias e que
a Rainha do céu te cubra de bênçãos diárias.


TEXTO: Jo Clifford
ATUAÇÃO: Renata Carvalho
TRADUÇÃO, ADAPTAÇÃO E DIREÇÃO: Natalia Mallo
PRODUÇÃO: Corpo Rastreado
DIREÇÃO TÉCNICA: Juliana Augusta
FOTOGRAFIAS: Silvia Machado



2 comentários:

  1. Parabéns. Bela análise. Um dia assistirei!

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  2. Simplesmente lindo, que arrebatamento que é essa peça, tanto pela apresentação da Renata, quanto da Jo, maravilhosas!!

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