MIT_SP: [Crítica] Espetáculo "PRA FRENTE O PIOR"

Pra Frente, pois não conseguimos parar.
Por Lili Lucca 

   E quando o fim se anunciar,  o que faremos?

   Andaremos para Frente.  PRA FRENTE O PIOR. Desde o anúncio do espetáculo me vem a reflexão constante de tudo que estamos vivendo nesses últimos anos: desgraças, extinções, afundamentos, desmoronamentos, destruições de vida - sejam elas quais forem. Mas como espécie humana que somos, continuamos para frente.

   As pessoas no mundo se agarram à palavra esperança de maneiras viscerais. Esperança, sentimento de quem vê como possível a realização daquilo que deseja; confiança em coisa boa. Uma palavra que nos deixa fortes, nos faz aguentar, nos dá coragem. Mas já pensaram em esperança perto do fim? É com essa imagem que começo, com o anúncio do fim e o relato de corpos em batalha - não sei se foi pela esperança, ou por simplesmente nesses corpos existirem vida. Vida e tudo que nela permanece, mas eles continuaram PRA FRENTE.


   Dia 14 de março de 2020, no Teatro Conteinêr Mungunzá, assistimos a PRA FRENTE PIOR, da Inquieta Cia de Fortaleza- Ceará na 7ª.MITsp. Com corpos plurais e sujeitos presentes, a obra desperta um olhar autêntico e atual dos corpos que habitam a terra. E eles anunciam que o que veremos nada mais é o que veremos.

   O que você vai ver?

   É o que você vai ver.

   Pessoas caminhando até o fim. Simplesmente.

   Pessoas com raiva. São apenas pessoas com raiva. Pessoas escovando os dentes. São apenas pessoas escovando os dentes. Uma pessoa atropelada por um carro. É apenas uma pessoa atropelada por um carro. Uma pessoa com dor. É apenas uma pessoa com dor.

   As coisas são como são.

   Como num movimento natural o corpo se põe em movimento pela música. Aqueles sujeitos e seus corpos não são nada mais que corpos, e sua maneira de viver, sobreviver, de se comportar, se relacionar e de criar uma ação e obra. Uma obra que desperta um olhar cotidiano na sua dramaturgia. Ver no outro e despertar em você. Caminhamos para onde? Todo dia? A humanidade, em sua constante relação com o mundo, caminha para onde?

   Para o fim.

   PARA FRENTE O PIOR é uma dramaturgia que coloca corpos em movimento no andar incessante de quem caça no coletivo. Não chegar ao fim… mas ele é inevitável. Um dia, uma hora, em um segundo nosso caminhar chega ao fim. Mesmo que recomece. 

   A dramaturgia desses corpos não me revela o PIOR, mas o esgotamento, a luta coletiva, a violência, as selvagerias, os surtos que explodem fisicamente e nos incidem o peito em AGONIA.

   Uma angústia e uma inquietação perante nossos olhos, uma agonia concreta. Aqueles corpos que caminhavam sem parar, sem soltar as mãos, sem se desligar um do outro. O que os movia, a que reagiram?  À vida, ou a necessidade de responder a ela. 

   No caminhar acontecem coisas, despertamos, desejamos, resistimos. E ali, no momento da ação daquele coletivo, à luz de uma cena, postos ao nosso olhar, existia a necessidade de durar - que chamei de esperança - mas que podia ser seu antônimo desesperança. O que realmente nos mantêm em pé, o que nos coloca nesse desenvolver da vida, nesse insistir? A que passo percebemos o mundo que caminhamos? E por que motivo continuamos a caminhar para o PIOR?

   Pior, péssimo, numa relação de comparação. Aquele ou aquilo que, sob determinado aspecto, é inferior a tudo o mais. O PIOR, na relação de comparação como dita assim, pois é isso que observamos ao nosso redor. Tudo está desacertando. E nós continuamos para frente, que outra opção temos? 

   Há inúmeras configurações de se percorrer uma obra, relacionar-se com ela. Ela te acessa lugares impraticáveis e triviais. E eu recorri a um recorte de uma entrevista de Eliane Brum com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, em 2014, para apresentar minha agonia:

“As espécies estão se extinguindo, e a humanidade parece que continua andando para um abismo. O mundo vai, de fato, piorar para muita gente, para todo mundo. Só o que vai melhorar é a taxa de lucro de algumas empresas, e mesmo os acionistas delas vão ter que talvez tirar a casa de luxo que eles têm na Califórnia e jogar para outro lugar, porque ali vai ter pegado fogo. Se houver uma epidemia, um vírus, uma pandemia letal, violenta, tipo ebola, pode pegar todo mundo. Enquanto os sujeitos têm corpo de carne e osso, ninguém está realmente livre, por mais rico que seja, do que vai acontecer. Mas é evidente que quem vai primeiro soçobrar serão os pobres, os danados da Terra, os condenados da Terra. Algumas pessoas estão começando a se preocupar, mas não conseguem fazer parar, porque todas as outras estão empurrando. E você diz: "para, para, para!". E você não consegue. “ 1
   Na entrevista acima intitulada “Diálogos sobre o fim do mundo”, o fim é determinado pelo consumo capitalista. Consumo este que decreta o fim das espécies, que aniquila corpos.

   O fim, que é o fim. O que iremos ver é apenas o FIM.

   Não conseguimos parar. Por mais que se diga pare, continuamos pra frente. Aqueles corpos plurais singulares de sujeitos vivos. Coletivamente na ação de caminhar com seus desejos, instintos, loucuras, lutas, força. Se transportavam, se amparavam, se expeliam, atacavam e careciam um do outro para seguir, o fim era coletivo. Será coletivo.  Corpos esses preenchidos de existência, que esgotaram toda sua energia para chegar ao fim, mas que foram quase que inteiramente silenciosos. Em momentos de exaustão, de desistir, ouvíamos gritos, alento, grunhidos, clamados por coragem. O fim não é individual, ainda não abordamos o fim. Era sim que os corpos insistiam nesse caminhar, quase inconscientes mas fisicamente resistentes. E eles resistem até o fim de sua obra, como se mantém resistente aquele operário diariamente ao fim do dia. Como resiste o enfermo, já sem vitalidade ao abrir os olhos. Exaustos, mas para frente. Sempre.

   Será que pensamos ou idealizamos o nosso fim, se PARA FRENTE O PIOR é certo, é mais do que comum estarmos atentos que o FIM está próximo. Mas não o fim de uma vida, esse fim é cotidiano. Esse fim acontece a todo instante e a todo momento. Para frente o pior, revela a agonia do fim de uma espécie, dita como humana que continuar a andar, não reage, mas luta por sua vida até o fim. Aquele coletivo nos encara enquanto vai, nos indaga por socorro, nos revela em sua ação. E no fim nos encara, estafados sem energia e nós aplaudimos a nossa catarse.  

   PARA FRENTE O PIOR, e nós continuamos a caminhar. Como eles, como todos de nós.

   Um coletivo andando até o fim. É apenas um coletivo andando até o fim.

   Uma espécie andando até a extinção. É apenas uma espécie andando até a extinção.

   Caminhar até o fim. É apenas caminhar até o FIM.

   PRA FRENTE O PIOR, é a nossa única certeza se não nos enganarmos com a esperança. Que a agonia do fim coletivo, nos desperte. Não conseguimos parar.

Assista ao teaser clicando AQUI!


Citação:




FICHA TÉCNICA:

PERFORMERS: Andréia Pires, Andrei Bessa, Geane Albuquerque, Gyl Giffony, Lucas Galvino, Wellington Fonseca
INTERLOCUÇÃO: Marcelo Evelin
COLABORAÇÃO DRAMATÚRGICA: Thereza Rocha
SOM: Uirá dos Reis
CENOGRAFIA: Inquieta Cia. e Caroline Holanda
FIGURINO: Isac Sobrinho e Mallkon Araújo
ILUMINAÇÃO: Inquieta Cia. e Walter Façanha
PROJETO GRÁFICO: Andrei Bessa
FOTO:  Éden Barbosa
PRODUÇÃO: Inquieta Cia.

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