Festal 2019: Cultivo da oralidade africana: um presente do Coletivo Heteaçã a Alagoas


Cultivo da oralidade africana: um presente do Coletivo Heteaçã a Alagoas

Tessitura: Thiago Sampaio*

O espetáculo “Filhos do céu e os corações de tambor”, apresentado no dia 28/09, no Bar do Titio (Garça Torta), compondo a programação do Festal 2019, é tramado entre histórias, cantos e batidas ligadas à oralidade de tradição africana. Nesse contexto, aqueles que tem coração de tambor, que dão ritmo à aventura humana na terra, se deparam com a força, ora impiedosa, ora generosa dos Filhos do Céu. 

O ser humano que há séculos insiste em se ver um outro totalmente distinto do que ele chama Natureza é revelado nos seus instintos mais primitivos. Entre medos, amor, raiva, tristeza e alegrias, os personagens das histórias contadas nos falam dos desejos, do orgulho, da coragem e das contradições inerentes a quaisquer relações humanas, seja de tempos longícuos ou das que nos envolvem atualmente.




A narrativa é uma luta entre o desejo de lembrar e o medo de esquecer, de não ser esquecido. Celebrar essa prática é cultivar o campo de memórias que dá sentido e alimenta a existência das sociedades humanas. As diversas culturas africanas sabem disso e o fazem com excelência, talvez mais do que qualquer outro povo, pois num cenário onde a miséria e o sofrimento é condição em grande parte do seu território, os contos, cantos e danças, enfim, sua arte ajuda o povo a não perder de vista sua riqueza, sua força e sua relevância diante do mundo e, especialmente, do Brasil.

Contar histórias não diz respeito somente a falar do que já passou. No ato de remontar um acontecimento, seja ele mitológico, fictício ou fiel à realidade, o narrador também fala do futuro, daquilo que atravessa os tempos mesmo quando já não deveria se repetir e do que é importante levar adiante. Por isso que questões como machismo ou o preconceito e a bandeira da diversidade são iluminadas, oportunamente, de modo a não deixar o público esquecer que é também sobre o nosso tempo que aquelas histórias tratam.

Mas manter alguém atento à história que se conta exige não apenas habilidade de saborar as palavras. A conexão também prescinde da troca profunda de olhares, do gesto que não somente ilustra o que se diz, mas que expande a paleta de cores responsável pelas nuances e contrastes ali presentes. Nesse sentido, o espetáculo demonstra certa inconstância, o que o fragiliza em alguma medida, sem contudo prejudicar sua totalidade, pois o ambiente sonoro que o compõe, ao mesmo tempo em que desenha com contundência a identidade do trabalho, auxília no ritmo e no colorido dos momentos menos envolventes da experiência.



O Coletivo Heteaçã é um presente para o cenário cultural alagoano. Seu repertório de espetáculos bem como sua atuação nos bastidores da cena tem oxigenado positiva e significativamente as relações entre público e artista e a própria classe internamente. Sua participação na edição 2019 do Festal, uma presença constante desde o início desse processo, é motivo de orgulho. 

“Filhos do Céu e os corações de tambor” compõe esse repertório aliando ludicidade e função política da arte de maneira quase insuspeita. Talvez não seja o trabalho mais potente do grupo, mas certamente é parte muito importante de uma(s) história(s) boa(s) de se ouvir.


*Thiago Sampaio é integrante da Cia. do Chapéu, professor e atuou como colaborador da Cobertura Crítica no FESTAL 2019.


ARTISTAS PRESENTES:

Coletivo Heteaçã - @coletivoHeteaça

Fotos: Jadir Pereira

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