Festal 2019: Ocupar os olhares pela Arte



Tessitura: Lili Lucca


No dia 04 de outubro de 2019, me dirigi para mais uma edição do FESTAL, Festival das Artes Cênicas de Alagoas. O Festival em sua 5ª. Edição saiu percorrendo caminhos em Maceió e ocupando espaços com arte. Eu nessa caminhada juntamente com o FESTAL, fui até a Avenida A, 881 no Vergel do Lago, para lá conhecer o Instituto SERVIR e as crianças que lá haviam. Cerca de 45 crianças ou mais estavam em suas atividades dentre elas, o esporte que ocupava a maioria dos meninos e meninas na quadra.

Vergel é um bairro pouco visitado por nós que habitamos Maceió, é um b
airro privilegiado de belezas naturais a beira da Lagoa, foi muito explorado pelo capital em seu passado, uma área de beleza inigualável onde reside o povo que é esquecido pelo estado, o caos e a precariedade em que se encontram esses moradores nada mais refletem o que se fez, e ainda faz a civilização que ocupa essa cidade. Quando só passamos pelo vergel e não paramos para lutar/olhar por eles, estamos ao mesmo tempo deixando de lutar pela cidade e por nós mesmos. A beleza natural ainda está lá, se esconde no descaso e desordem social, mas pode renascer se olharmos nos olhos de quem vive ali e juntos fizermos uma cidade melhor. Quem está disposto a parar? Ainda temos outros locais para habitar, não é mesmo? Até quando, não sabemos, qual será o próximo abandono e descaso?



O FESTAL, quando ocupa lugares, busca através da arte uma nova forma de conversa, e ela acontece pelo olhar para arte. Para sermos melhores é necessário que mais do que se escrever, se crie e se coloque em ação práticas que nos tornem melhores não apenas no dizer, mas de fazer. E ir até o Vergel, mas precisamente até o Instituto Servir, é ir ao encontro, estar próximo a essas crianças. E compartilhar de seus impulsos de curiosidade e alegria ao receber apresentações em seu lugar cotidiano e de busca de uma nova alternativa.

Havia nas crianças um afastamento, um olhar de longe curioso a essa gente que se chegava, essa gente o que fazia lá? Uma ou outra criança mais curiosa, que olhava pra você diretamente. Mas era mais fácil ir até o professor pedir a bola e continuar jogando. Alguns meninos queriam mesmo era a bola. Aos poucos um ou outro perguntava o que ia ter. Até chegarem os instrumentos e a quadra de esportes se transformar com a presença do Batuque Mundaú. O grupo Batuque Mundaú é um grupo de percussão criado em 2014, formado majoritariamente por jovens e adolescentes da Comunidade Mundaú, localizada às margens da Lagoa Mundaú, no bairro Vergel do Lago. Ao bater do primeiro tambor na quadra, chamados pelo produtor do FESTAL, as crianças organizaram a plateia para ouvir a batucada ecoar. Algumas crianças ensaiaram passos timidamente sentados, outrens levantaram e de canto fizeram seus passinhos, outros apenas com os olhos atentos ao som da percussão que os meninos faziam,esses que tocavam estavam se divertindo ao tocar. Creio que alguns dos meninos e meninas ali na platéia se refletiam naqueles por de trás do instrumento. Poderiam eles estar do outro lado tocando? Ter a apresentação ali pode ter se tornado um convite a música, porque não? No final da apresentação do Batuque Mundaú, alguns meninos da plateia foram até os instrumentos tocar e sentir a vibração com suas próprias mãos. Mas foi algo rápido, os mais pequenos empolvorosos estariam à procura da Palhaça que teria sido anunciada no início da tarde.

Era PLANETA ZULPETA, que aterrizava no Vergel com muita magia e alegria do seu pequeno planeta circo. Como no circo ela se apresentava, trazendo todas as crianças para seu aquecimento e as convidando á imaginar. Todos ali foram convidados a participar, teve uns subiram ao palco e experimentam a mágica ao seu lado, participam dela. Como num filme com claquete e tudo, as mágicas acontecem na nossa frente. Em meio a um truque e outro as crianças vibravam e cada vez mais queriam se aproximar do palco, para descobrir e entender como aquele “milagre” da mágica acontecia.


E elas se tornavam cada vez mais próximas a Zulpeta, que se apresentava repetidamente fazendo se íntima, se apresentando e na sequência reconhecendo algumas crianças pelo nome. E elas que tímidas no começo da tarde olhando de longe, cada vez mais se aproximavam. Diálogo, que a palhaça Zulpeta constrói com o público permitindo que todos estivessem ali pertinho dela. Fácil não foi, mas a palhaça tornou se comum aos pequenos espectadores.

Em meio a apresentação fiquei pensando:

Onde o circo habita em nós? Porque ele habita? Em lugar leve, lindo? Em um lugar de sorrisos simples de vida completa? Todos ali somos em algum momento captados pela palhaça Zulpeta e levados pelas suas simples magias e adereços, levados a um lugar de sonho de brincadeiras e de acreditar. Acreditar que com magia e simplicidade a vida é encantadora e que pode ser bonita com pequenas coisas. Acreditar que por mais que seja um truque, uma arte, a vida pode ser um cenário para esse olhar de encantamento. Quando a arte é atravessamento ela permite a gente sentir. Como um respirar de sonhos e acreditar, mesmo se na sequência nós precisamos acordar.



Aos poucos a plateia foi esvaziando, era chegada hora de algumas crianças partirem. Mas teve aqueles que ficaram até o final, e viram a magia das bolhas de sabão e invadiram o palco, como não ir atrás daquelas bolhas? Era necessário estoura-lá. A Cia. Fenomenal, levou para o Vergel um singelo e bonito espetáculo e nos mostrou que a magia das pequenas coisas está na gente, na presença e em como vemos o outro. Julieta, a atriz de Zulpeta consegue capturar-nos para circo, sempre. Parece que ela sabe, que de alguma forma o circo habita em cada um de nós. É como se a lona fosse feita do encontro da arte circense e seu público. As crianças saíram dali com a alegria do circo e com a dúvida da mágica, com o desejo do sonho e a dúvida do truque. Com perguntas de “como aquilo aconteceu?” Saíram dali com uma dose de fantasia, como nós saímos. 

Esse foi o primeiro dia, que o FESTAL chegava ao bairro do Vergel, ainda seriam promovidas outras ações de arte na comunidade que foi um dos 5 bairros escolhidos para essas ações. Porém como já dito aqui, um bairro esquecido pelo estado sofre diariamente com esse descaso, com anúncios e relatos de violência foi necessário o cancelamento das demais ações. 

Apresento uma parte do informe feito via BLOG do FESTAL, nas palavras de Thiago Sampaio:

“A comunidade encontrava-se recolhida. Não seria prudente ignorar este sinal.

Voltamos para casa tristes e desanimados com mais uma derrota da arte e da cultura em nosso País, em nosso Estado. Os tempos não estão fáceis. Entretanto, continuamos certos de que não devemos soltar nossas mãos. Juntos ainda é a melhor maneira de continuar, de resistir e de criar. O Vergel é um bairro estigmatizado pela sombra da violência, do descaso e da sujeira. Em contextos como esse, desprivilegiado em todos os sentidos, a criatividade e a inventividade são armas poderosas e indispensáveis para suportar as pressões do cotidiano. O Quintal Cultural é um retrato exemplar deste fato. Um espaço mobilizador de ideias, de criações artísticas, de debates políticos e de ludicidade. O Quintal Cultural abre uma fissura na visão preconceituosa sobre a comunidade em que está inserido. Firmar parceria com este centro cultural foi uma honra para nós. Esperamos, ansiosos, por outras oportunidades como esta.” 

As ações que iriam acontecer juntamente com o Quintal Cultural e o Projeto Lagoa Aberta, foram canceladas, mas é necessário como disse Thiago, no relato acima, é preciso sermos mais criativos e nos unirmos para por meio da invenção de ideias, buscar outras formas de resistir ao cotidiano que muitas vezes afasta o olhar e nos afasta dos outros, como nos afasta do Vergel e daqueles que ali residem.

Ver o FESTAL presente nesses espaços e criar possibilidades de aproximar o olhar, daqueles que apenas olham de longe, trazer esse olhar pela e para a arte. Não quero aqui romantizar o papel da arte, ela é política e tem que ocupar esses lugares sendo luta, verbo e ação em suas expressões. Mas trazer esse olhar sensível de quem se afeta pela arte e se aproxima dela é o trabalho diário de todo artista. Aonde sua arte chega? Quem ela atravessa pelo caminho? Com que dialoga? O que conversa? O que ela traz em seu discurso?

A beleza da arte está em ela ser transformação diária, pela emoção ou pela razão. O FESTAL na sua 5ª. edição transformou vidas, não podemos definir em que lugares ele tocou, mas essa passagem da arte por esses lugares, virou memória na vida de quem experienciou a arte e se transformou no instante da ação do artista. Arte por todos os lugares da cidade, para transformamos a vida cotidiana por alguns minutos pelo olhar. Que o FESTAL e esses artistas continuem a caminhar.




ARTISTAS PRESENTES:

Batuque Mundaú- @batuque_mundau_oficial
Planeta Zulpeta/Cia Fenomenal- @ciafenomenal
Instituto Sevir- @iservir

Fotos: Jadir Pereira

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