RETROSPECTIVA 2019: Para que serve a arte?

Tessitura _ Lili Lucca*

   Lembrar os palcos em 2019 é documentar a coragem da/o artista alagoano. Como dizia o poeta Guimarães Rosa, a vida…”O que ela quer da gente é coragem.”

   No presente ano os artistas de todo o Brasil, sofrem uma arapuca. Assistimos a extinção do Ministério da Cultura e vimos suas funções atribuídas à Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania. Vimos as mais vis e amarguradas especulações contra a arte e o artista, no seu sagrado ofício. Ofício que sempre teve em seu histórico o abandono do estado. Esses foram acusados de serem os que contrabandeiam o dinheiro público em prol de nada. 

   Mas para que serve a arte? Que invenção é essa de que o artista precisa de dinheiro para produzir sua obra? Qual a finalidade da arte e sua serventia? Ora, mas que desserviço.   

   Sentamos na sala de casa em frente a TV, mas não consumimos arte, vamos a shows de música apenas para encontrar pessoas, entramos na sala de cinema apenas para comer pipoca e sentar em cadeiras confortáveis, e no teatro vamos apenas para manter o STATUS QUO.  Arte, a quem interessa? Ao Artista, apenas. Sim. Para isso coloco a fala ainda latente aos meus ouvidos, feita no final de 2018, de uma senhora com 90 anos hoje, com uma vida dedicada a arte, que está completando 70 anos de carreira:

“Nós somos de uma profissão digna, parte de uma cultura teatral milenar. Não é possível fazerem de nós - gente de palco, atores de TV e cinema- responsáveis pela derrocada econômica deste país. Não somos corruptos. Somos dignos.” Montenegro. Fernanda (Troféu Melhores do Ano. 2018 /Faustão) 

   O artista brasileiro, seja ele com holofotes ou não,  vive no limiar histórico, sempre no descaso, sendo posto a prova. É esse o lugar que lhes é oferecido por um estado que coloca a cultura e arte sempre em território de tirania do poder, irregularidades e fragilidades. 

   Artistas em incontáveis territórios, nos sertões, em comunidades e nos grandes centros desse vasto país, colocados como supérfluos.  

   Recentemente o Dante Mantovani, atual presidente da FUNARTE atacou novamente artistas e suas formas de expressão.

 "Minha gestão à frente da Funarte será pautada pela valorização e resgate dos grandes artistas brasileiros e universais;...” (Fala publicada pelo Jornal Nacional - TV Globo/03/12/2019)

   Atacando veemente grandes artistas nacionais da música popular brasileira, quer pautar e rotular a arte em seus padrões clássicos, para ele únicos possíveis. Triste esse senhor, que nada vê e nada diz. Mas vos digo meu caro, a arte é livre. Continuaremos. Não precisamos de sua aprovação para nada. Somos artistas. Criamos. Pesquisamos.Estudamos. A arte é LIVRE. E o artista é a liberdade em vida. 
E foi com essa liberdade e coragem de criação que em Maceió e em alguns lugares de  Alagoas em 2019 as Artes cênicas, tiveram palcos com criações múltiplas. Quintas no Arena, Teatro é o maior Barato, as Aldeias Sesc em Maceió e Arapiraca, Festival de Mulheres Engraçadas - F.E.M.E, 5º Festival de Artes Cênicas de Alagoas - FESTAL, Festival Internacional de Circo e Artes da Rua - FICAR, ENTRE, foram alguns dos eventos que nomeio como Panorama de artistas alagoanos.

   Início esse panorama pelo mês de Março, tivemos a bravura e o riso da palhaçaria, encabeçado por Wanderlândia Melo, atriz e componente do grupo Clowns de Quinta, que foi premiada pelo Prêmio Itaú Cultural e realizou na cidade o Festival de Mulheres Engraçadas de Maceió - F.E.M.E.. Um festival que ocupou a cidade e exibiu a garra das mulheres na arte. Um Festival cheio de experiências feitas e colocadas no cenário do teatro alagoano por mulheres.  Quantas barreiras e dedicação tiveram e ainda terão essas mulheres para levarem adiante sua palhaçaria? Não tenho aqui a resposta, mas naqueles cinco dias de festival vi mulheres, vi o labor delas na produção, também artistas nesse revezamento de fazer e produzir arte e que ao realizar o festival se torna imenso, pois é a resistência e o poder de mulheres na arte do seu lugar. É político! É domínio!  Um festival que homenageou um patrimônio vivo do circo alagoano, a artista e educadora circense, Peró de Andrade. No F.E.M.E., resgatamos a memória e colocamos no fluxo a história palhaçaria alagoana, nunca antes contada em Maceió, com a presença de artistas de todo território nacional. 

   E da força das mulheres partimos para as Aldeias,  mostras de teatro, dança e circo, que aconteceram nas cidades de Maceió e Arapiraca, conduzidas pelo SESC - ALAGOAS. O Sesc, abre uma diálogo ao colocar no palco artistas nacionais, que circulam pelo Projeto Palco Giratório em contato com artistas Alagoanos. Promovendo uma exibição rica em diversidades e discursos, diminuindo espaço entre artistas, conduzindo o público ao encantamento, e dando a possibilidade de presenciar obras potentes e excepcionais, abreviando os espaços. Democratizando o acesso a arte em paramento nacional, além de ampliar o olhar do espectador a fartas experiências cênicas, assim formando plateias. As Aldeias, que trouxeram artistas do Rio de Janeiro,  São Paulo, Macapá, Ceará e Alagoas dentre outros, que durante alguns dias de maio, junho e setembro foram da região metropolitana ao agreste alagoano, partilhando arte entre seus fazedores e espectadores, tonificando artistas em um âmbito nacional.


   Anuncia-se em outubro o FESTAL - “Juntar, Criar e Resistir”, um festival organizado pela Rede Alagoana de Artes Cênicas, compartilhado e gerido por esses artistas, com persistência e luta. Em sua 5a. edição o FESTAL, teve como propósito envolver bairros diferentes da cidade, no intuito de expandir e descentralizar ações artísticas pela cidade. Cidade Sorriso, Vergel do Lago, Garça Torta, Bom Parto e Centro (Praça Sinimbú e Espaço Cultural), foram os locais em que o FESTAL realizou sua programação na cidade de Maceió. Entre as atrações, espetáculos de teatro, circo, dança, performance, oficinas e atividades formativas, entre público e artistas que fizeram e compareceram ao festival. O FESTAL, é meio de trabalho,  e articulação da classe operária artística alagoana, é a vida de quem labuta e luta pela arte em Alagoas. Em sua 5ª. edição transformou vidas, não podemos definir em que lugares ele tocou, mas essa passagem da arte por essas zonas à margem, virou memória na vida de quem experienciou a arte, e se transformou no instante da ação do artista. Arte por todos os lugares da cidade, para transformamos a vida cotidiana por alguns minutos pelo olhar. Que o FESTAL e esses artistas continuem a caminhar.

   Em novembro fruímos o ENTRE - Semana de Dança Contemporânea, em sua segunda edição, uma produção colaborativa entre companhias de dança alagoanas e estudantes dos cursos de Dança vinculados a UFAL. Nessa semana, foram apresentados trabalhos, discussões e  bate papos sobre a dança a fim de refletir suas produções e a manutenção da pesquisa da dança contemporânea em Alagoas. Vale destacar nos acontecimentos da Dança em 2019 também o intérprete - criador/B-boy Jessé Batista que esse ano foi o representante de Alagoas no Projeto Palco Giratório, do SESC Nacional e circulou o país passando por 28 cidades e fez 33 apresentações, com seu espetáculo R.A.L.E. - Realidade Apropriada Libera Evidência, levando o nome de Maceió no cenário nacional da dança contemporânea.  

   E quando achávamos que as produções findavam, surge em meio sobressalto o FICAR - Festival Internacional de Circo e Artes de Rua, encabeçado pela Cia.Fenomenal. O Festival que trouxe em seu discurso o fortalecimento e a democratização da arte, tem como seu palco a rua, a praça, o corredor dos carros.  A realização do FICAR encerra o ano de 2019 com Riso e Resistência, com artistas ocupando as ruas e colocando seu trabalho em contato direto com o público na demanda de mais uma forma de democratizar a arte. 

   Não podemos esquecer que há mais de 20 anos a Diteal vem mantendo a oportunidade de artistas alagoanos mostrarem suas obras e seu ofício à toda sociedade maceioense,  com dois projetos intitulados: Quintas no Arena (15 anos) e Teatro é o maior barato (20 anos). Trouxe esse ano ao público apresentações de música, teatro e dança. Trabalho que fazem esses operadores é fomentar o público e dar acesso a todo e qualquer artista a se apresentar nos palcos históricos do Teatro Deodoro e do Teatro Sérgio Cardoso, mais conhecido como arena. Lugares esses que devem ser cada vez mais tomados por artistas, pois é seu lugar por razão. Razão, pela qual lutam diariamente todos os artistas desse país e estado. O correr da vida do artista, não é maior que qualquer trabalhador brasileiro, mas é digno como o de tantos. O que vejo nesses palcos alagoanos, é expediente diário, é trabalho árduo de quem faz, de quem elabora a poesia, de quem confecciona formas harmoniosas, de quem tece o saber cultural de forma primorosa. E o que querem esses artistas? 

   Dignidade e seu espaço por igualdade da lei. 

   Enquanto tecia essas palavras, durante o ano  compondo o Coletivo Filé de Críticas, eu e meus camaradas vendo acontecer todos esses espetáculos, teimávamos em tentar responder de onde brotava a coragem desses artistas. Não achei respostas precisas, mas achei vida e sentido. Procurei palavras para documentar, registrar e examinar o cenário alagoano e suas obras, os defino com a CORAGEM de ser, fazer sentir e transmitir arte. Verdade maior, é do artista que enfrenta o medo, vem transmutando  e transformando sua arte, para que ela apareça até você. Sinta. 

“O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. Viver é muito perigoso; e não é não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.” Rosa, Guimarães.


*Publicado na versão online e impressa do Jornal Gazeta de Alagoas do dia 28 de dezembro de 2019.

Imagem 1: Xanda Souza
Imagem 2: Publicação da Gazeta de Alagoas.

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